O padre Manuel Alves Maduro, vigário episcopal da região Beira-mar, falou ao "Correio" do seu trabalho nesta zona da diocese e da forma como as comunidades têm respondido às propostas pastorais da diocese. Destaca a família, a juventude e a cultura como temas importantes a discutir e a implementar no futuro, defendendo que a fé tem que ser semeada nos jovens para, depois, incarnar na cultura. Referindo a falta de padres na região e a ajuda importante de sacerdotes estrangeiros, manifesta alguma tristeza pelo encerramento, no próximo ano, do pólo da Universidade Católica na Figueira da Foz. A falta de alunos leva da cidade um ponto importante de formação de pessoas com "critérios humanos sólidos".
Entrevista de Lisa Ferreira
Foto: Miguel Cotrim
É actualmente vigário episcopal da região pastoral Beira-mar. Que desafios lhe tem trazido esta função?
Sou vigário episcopal na região Sul, desde Outubro de 2004 mas já assumo esta função desde 1986, tendo trabalhado já na região Nordeste. Nós somos ordenados para servir a Igreja onde ela deve ser servida e devemos sempre manifestar essa disponibilidade. O nosso bispo, porque conhece a realidade mais ampla da diocese, entendeu que eu poderia vir trabalhar para esta região, muito diferente da Nordeste. Em termos populacionais, a região Sul tem cerca de 160 mil pessoas e a Nordeste tinha 45 ou 50 mil habitantes, mas a nível geográfico, a região Nordeste é muito mais ampla e esta mais concentrada. Como é mais populosa, aquilo que se procurou fazer aqui foi a dinamização dos arciprestados. Às vezes, diz-se que os vigários episcopais colocaram um bocadinho na sombra os arciprestes e eu penso que é importante que, localmente, exista dinamismo porque, dada a densidade populacional da região Sul, é também mais fácil, desta forma, a realização de algumas iniciativas concretas. A minha vinda é um bocadinho para tentar pôr de pé a equipa de arciprestes, criando uma proximidade entre eles para que, a partir dela haja uma articulação maior, dando continuidade às iniciativas locais. A nível pessoal, tenho muito boas recordações daqui. Nós, padres, temos mil ocupações que, por vezes, não nos dão espaço para, com alguma distância, pensarmos nas coisas e, com persistência, levá-los ao fim. E depois recebemos também tantas solicitações que não queremos deixar nada para trás. É precisa uma certa distância para, com dor, deixarmos algumas coisas mais de lado. Com fidelidade ao Espírito e ao povo temos que ir tentando discernir quais as melhores opções. Eu costumo dizer que a minha missão é unir para construir e sonhar para renovar. É importante sonhar.
Que impressão recolhe da região Beira-mar, no que diz respeito à prática cristã e à participação na vida da Igreja?
É uma região participativa. Claro que há excepções e zonas onde se participa mais do que noutras mas há muitas manifestações de actividade dos leigos. Quando é preciso dar continuidade, as coisas tornam-se um bocadinho mais difíceis. Funciona aqui, por exemplo uma Escola de Leigos que começou com cerca de 50 alunos e agora tem 30. Mas esta perseverança é positiva. As pessoas deixam as suas actividades familiares, profissionais e vêm até aqui porque querem valorizar-se e também prestar a sua colaboração nas respectivas comunidades. Há muito caminho a percorrer mas há pessoas despertas. Claro que a multiplicidade de compromissos familiares, profissionais e outros levam a que as pessoas, porque também desejam estar noutros lados e dar aí o seu testemunho como crentes, não tenham tanta disponibilidade para iniciativas de âmbito pastoral.
Outra das coisas que dá unidade à diocese é o plano pastoral que, este ano, procurou debruçar-se sobre a acção social e a atenção aos mais pobres. Como caracteriza a actividade da região neste âmbito?
Não podemos perder de vista algumas perspectivas. Assim como o ruído do mar é feito de milhões de ondas, esta acção social da Igreja depende do que cada pessoa faz. Quando nos congregamos e unimos, fazemos um caminho para potenciar iniciativas que, só com grupos pequenos, não era possível realizar, mas é importante não esquecer que há pequenas realizações locais que não tem visibilidade. Isso não quer dizer que as conferências vicentinas ou os grupos de âmbito sócio caritativo, por exemplo, não estejam activos. Têm feito um trabalho muito grande. As pessoas aparecem facilmente e em grande número se houver uma grande causa pela qual lutar mas, quando falamos de uma acção sistemática, estruturada é mais difícil que elas sejam notadas. As pessoas localmente vão tentando encontrar soluções para os problemas. Claro que há muito a fazer…
A juventude nesta região tem voz activa nas comunidades paroquiais?
Jovens é o que não falta na Beira-mar e penso que deve ser tido em conta que os jovens não são só aqueles que têm 15, 17 ou 20 anos mas podem ser pessoas até aos 40. Depende de nós essa atenção. Em relação aos grupos de jovens organizados, eles estão, sobretudo, nas paróquias. Há muitas que têm os seus grupos e que os acompanham em actividades muito diversificadas e mobilizadoras. Em 2005, quando houve, na região, um Festival da Canção Jovem muitos grupos, daqui e de toda a diocese, despertaram para algumas coisas, através da música. Falta a continuidade e o apoio. Também é necessário que haja gente, sacerdotes e leigos, que guie e oriente os jovens, que tenha uma idade um bocadinho mais próxima da deles e que use até algumas das suas linguagens. Nesta zona, era possível e necessário haver gente mais nova para estar com os jovens. Claro que este trabalho não se faz num dia, nem numa semana. Às vezes lembro-me de uma frase de Aristóteles que dizia que "para um barco que não tem rumo, não há ventos favoráveis". Se há um rumo, mesmo com dificuldades, avança-se, ainda que com altos e baixos. E as coisas fazem-se de pessoa a pessoa, no acompanhamento próximo. Temos que procurar os jovens para, a partir dos sítios onde eles estão sem ter medo de "sujar as mãos". Eles têm muitas qualidades e se a semente fica, ela está lá, mesmo que algumas folhas depois voem com o Inverno.
Diz-se muito que os jovens estão cada vez mais afastados da Igreja. Acha que é verdade?
A Igreja é o mistério da nossa comunhão com Deus. Então, onde está um jovem em comunhão com Deus, está um jovem em Igreja. O Espírito é que anima e podemos não ver os mais novos dentro das quatro paredes a que chamamos igreja mas eles são Igreja. Temos que descobrir essas manifestações da presença de Deus no seu coração e encontrar caminhos para que eles entendam a necessidade de participarem física e activamente. Cristo tem que ser o centro da nossa vida, o médico da nossa vida e o amigo que nos acompanha e temos que viver isto de uma forma viva e alegre. Quando pudermos fazer perceber isto aos jovens, assim como eles enchem estádios, eles vão deixar que as emoções venham ao de cima.
Que temas pensa que seriam importantes no próximo plano pastoral?
Tivemos agora a reunião do Conselho Presbiteral e foi feita uma avaliação do plano que agora termina. No próximo ano, esta avaliação continuará a ser feita, devolvendo à diocese a palavra para podermos encontrar novos rumos e pensar no que se vai fazer agora. Na avaliação já feita, salientaram-se muitas coisas positivas mas o tom geral dos meus colegas presentes foi no sentido de desenvolver mais alguns dos temas e potenciá-los, dando-lhes continuidade e rompendo com alguns esquemas e formas de trabalhar mais negativos. Não posso antecipar aquilo que vai ser decidido, mas se algumas áreas podem ser realçadas como pontos de trabalho a ser feito, elas são a área da juventude, com tudo o que ela implica, a área da família e a área da cultura. É preciso potenciar a família, levando as nossas propostas, as mensagens com as quais nos identificamos e pelas quais damos a vida, passando para o terreno. Os jovens são mais de afectos e mais disponíveis e tanto podem encalhar num beco sem saída como podem abrir horizontes. E a juventude é o terreno mais receptivo e capaz de agarrar propostas. Mas tudo isto tem que passar para a cultura e incarnar nela. Se a fé não incarna, não existe e passa a ser uma coisa virtual mas se ela se torna cultura vai transformando a sociedade porque este laicismo em que se vive não dura sempre e porque que tem fé tem a força de transformar coisas. A fé dá-nos capacidade para, a partir do nada ou do menos nada, reconstruir. Foi o que fez Jesus Cristo que nos envia e nos faz felizes.
Na região trabalham, neste momento sacerdotes de fora do país. É a falta de sacerdotes aqui que motiva a sua vinda?
A região tem 4 arciprestados e, neles, trabalham 27 sacerdotes. Um diácono da região vai ser ordenado no final deste ano e um seminarista de Ourentã está agora no 3º ano do curso de Teologia. Não temos ninguém no Pré Seminário, neste momento. Há dois sacerdotes do Preciosíssimo Sangue em Verride e chegaram, há pouco tempo, do Brasil, dois, enviados como missionários. Temos também dois de Benguela que estão aqui, na Figueira, um no pólo da Universidade Católica e outro no pólo da Universidade Internacional. Todos os sacerdotes de fora são incluídos no trabalho aqui. O caminho agora é potenciar o dinamismo na acção pastoral nas comunidades para que surjam vocações dentro delas. Esses sacerdotes são os que podem compreender melhor os problemas e lutas da comunidade. Mas são sempre bem vindos os que vierem de fora, que são absorvidos e integrados para poderem conhecer os nossos hábitos e formas de trabalhar e para poderem responder àquilo de que as pessoas vão precisando. Estou convencido de que eles estão integrados apesar das dificuldades. Mas a solução é termos força e capacidade para, a partir de dentro, cultivarmos vocações, acompanhando, um por um, os jovens.
O pólo da Universidade Católica aqui na Figueira da Foz vai encerrar no próximo ano por falta de alunos. Como vive essa situação?
Claro que é com alguma tristeza e com pena mas compreendemos as razões desta tomada de posição da Universidade. Esta é também uma perda de para a cidade porque tudo o que contribui para a formação intelectual e para abrir horizontes é bom. Estas pessoas, que são formadas com critérios humanos sólidos, são um apoio e um estímulo para reconstituir o tecido de uma sociedade, deixando sementes pequeninas e acendendo pequenas chamas que, depois, podem tornar-se maiores.