No passado dia 3 deste mês, concluiu-se a inventariação da paróquia de Torres do Mondego, com um total de 56 fichas realizadas e as respectivas fotografias, na igreja matriz e nas capelas, numa tarefa continuamente acompanhada pelo Reverendíssimo Senhor Cónego Dr. Alfredo Ferreira Dionísio, a quem são devidas valiosas informações e a elucidação de muitos aspectos históricos e pastorais que, penhoradamente, se agradecem.
O povoamento desta parcela geográfica é anterior à Nacionalidade, porquanto o topónimo deve remontar à época de Afonso III das Astúrias, quando conquistou a velha Aeminium, em 878, e repovoara a própria cidade, na qual se incluía a inerente vizinhança, suposta pelo sentido territorial ou de adjacência, e tanto que as mencionadas torres, do sistema defensivo avançado, relacionadas com fortificações que o nome traduz, tinham a função de vigiar e controlar, nos limítrofes rurais, os acessos ao aglomerado urbano.
Quando, em 9 de Julho de 1064, o Alvazir Dom Sesnando recebia o governo da recém-recuperada Coimbra e, por ordem de Fernando Magno, ficava gerindo a terra conimbricense, cuidando a subsequente ocupação cristã, esta efectuava-se, principalmente, pelo sistema de presúria, apropriando-se das explorações agrícolas muçulmanas, o que também é crível ter acontecido com a villa rural de Torres.
Com o facto está relacionada, por certo, a posse do dito lugar, por Dom Paterno que, vindo do estrangeiro, como Bispo para esta Sé, a expresso convite de Dom Sesnando, e à semelhança dos exemplos dados por este notabilíssimo Conde, terá presurado aquele minifúndio, dado que aparece como dele, pessoalmente, visto ser o mais admissível para um prelado necessitado de bens próprios, neste País, onde nada tinha de herdado dos antepassados familiares.
Além disso, aquelas duas destacadas individualidades dos primórdios nacionais eram tão próximas, e solidariamente compatíveis, que nada repugna ter sabido aproveitar as habituais faculdades de presúria, permitidas e, até, aconselhadas pelo grande organizador da vida social no condado, que exemplarmente regia.
Posteriormente, nos inícios do século XII, há seguras provas documentais: a 1 de Maio de 1102, o Bispo Dom Maurício entrega, vitaliciamente, a Eugénia Esteves, medietate de villa Torris nomine, e mais uma sexta parte, para que a cultivasse ( Livro Preto, doc.377); e, com data de 16 de Agosto de 1103, concede o usufruto de quadam porcione de illa villa de Torris, que pertencera a Dom Paterno, a Comba, consanguínea deste Bispo, para a cultivar (L.P., 434), e o usufruto vitalício, da outra parte, a Durão Escudeiro, para a amanhar e fazer desenvolver (L.P., 535).
Tal concessão desse fundo agrário, que fuit de episcopo domno Paterno cui sit beata requies, efectuara-se do seguinte modo: considera-se a metade da villa, a qual, na verdade, dividitur per medium, ficando uma metade ao Bispo concessor e sua Sé; da outra medietate ficava, ainda, reservada, ao prelado, um sexto para si, enquanto os demais cinco sextos são concedidos ao mencionado escudeiro (talvez estrangeiro, a julgar pelo nome), ut eam edificies et labores, detendo-a, em vida. Os documentos estão confirmados por três arcediagos, sendo testemunha Belido Justes, um dos mais destacados conimbricenses leigos, da época.
Estas condições de povoamento e agricultura, in Torres, fizeram-na entrar na relação dos bens que, pela divisão da herança paterna, couberam ao Bispo Dom João Anaia, em 22 de Fevereiro de 1149 (L.P, 4), e, pelo sucessivo desenvolvimento, alcançado ao longo dos tempos, veio a pertencer à freguesia de São Pedro, dos frades de São Bento, de Coimbra, cuja colegiada permitira, à Irmandade de São Sebastião, colocar sacrário na capela, o cura poder administrar alguns sacramentos e começar a ter registos próprios.
Devido à extinção das Ordens Religiosas, em 1834, foi incorporada na então surgida paróquia de Santo António dos Olivais, mantendo as anteriores prerrogativas e a condição de curato, até que , por decreto de 18 de Fevereiro de 1916, Dom Manuel Luís Coelho da Silva a elevara a sede paroquial, com o nome de São Sebastião das Torres.
Notavelmente importante, o Mondego estabelece, aqui, uma unidade que ninguém consegue desfazer neste vale da orla xistosa da Meseta Ibérica, porque, ligando as margens, nunca dividira, mas, sempre unia os habitantes de ambas as íngremes vertentes, a um e outro lado, em parte devido à contínua solidariedade das muitas barcas de passagem que, à força de vigorosos braços, levavam e traziam pessoas e mercadorias, permitindo, até, a travessia de defuntos, entre os rudimentares portos fluviais, sem que as gentes dos aldeamentos, à esquerda e à direita, fossem rivais, uma noção derivada de rivus, rio.
Bastantes pedras datadas evocam obras e remodelações, efectuadas em 1599, 1676 e 1864, para indicar as mais antigas, entretanto acompanhadas do significativo património constituído, principalmente, pelos exemplares de escultura calcária, dos séculos XVI e XVII, a cuja centúria pertence a maioria das imagens, designadamente de terracota e madeira policromada, bem como uma sugestiva quantidade de azulejos, talha, vasos sagrados e alfaias, quer em prata, quer em metal amarelo, primorosamente limpos, brilhantes e conservados.
Seguidamente, igual percentagem provém de peças setecentistas, a informarem acerca de piedosas devoções e romarias, já estabelecidas, há gerações, entre populações de agricultores, barqueiros, lavadeiras e industriais, cerâmicos e mineiros, de chumbo e estanho, embora o ouro também figurasse nas actividades praticadas nas areias mondeguinas, desde a época romana.
Juntamente com os bons exemplares de livro antigo, zelosamente acautelados, composto de missais de altar, seiscentistas e setecentistas, os Estatutos da Confraria de São Sebastião, compendiados em 1641, formam um códice foliáceo, de reconhecido merecimento, porque repositório de orientações pastorais, de ornatos figurativos e de historial da fé cultivada, em plena sintonia com a respectiva autoridade religiosa, na promoção dos irmãos e no serviço do Evangelho, à comunidade dos crentes.
José Eduardo Reis Coutinho