O próximo dia 6 de Abril recorda-nos a data de conclusão das vulgarmente chamadas Cortes de Coimbra, reunidas para tratar de vários assuntos prementes, gerados com o problema da sucessão dinástica de Dom Fernando, agravados com a crise de 1383 a 1385.
A convocatória foi resolvida na assembleia realizada em Lisboa, a 2 de Outubro de 1384, após a chegada de Dom Nuno, das operações do Sul, pois, no seguimento dos acontecimentos do cerco à capital, feito pelo rei de Castela e disposto a retomar as ofensivas, era necessário, para lhe fazer frente, solidarizar o clero, a nobreza e o povo de todo o reino, na defesa de uma causa nacional e na participação dos encargos que isso implicasse.
Esse notável esforço de reunir forças fiéis à causa do Mestre, assegurando a lealdade dos nobres e obtendo dos povos os suficientes recursos financeiros, bem como humanos, só podia partir do competente organismo político-administrativo que assumisse a responsabilidade do empreendimento colectivo, catalisador do sentimento nacional.
Isso requeria, antes de mais, anunciar aos possíveis intervenientes a convocação para tal data e local, igualmente comunicada aos conselhos, pedindo a cada um que elegesse os respectivos procuradores, com suficientes poderes para resolverem sobre o inevitável custo da guerra.
Por consequência, essas reuniões foram deliberativas, definiram a legítima sucessão da Coroa e revelaram a preocupação dos participantes de dar uma estrutura jurídica ao regime iniciado com a nova dinastia.
Um assunto tão imperioso inculcara, no pensamento dos mais avisados, a ideia de ser indispensável à união dos Portugueses e à firme vontade de combater, a aclamação de um soberano, cuja indiscutida chefia assegurasse as eficazes condições de luta nacional contra os castelhanos.
Nos seis meses antecedentes à reunião em Coimbra, iniciada em 3 de Março de 1385, a sugestão dos privados do Mestre obteve alargado consentimento, aceitação e acordo entre os municípios encabeçados pelo de Lisboa e tendentes a alçar e receber por rei e senhor destes reinos o mui nobre senhor Dom João, Mestre da Cavallaria da Ordem de Avis, e lhe fazer preito e homenagem como a seu rei e senhor e receber delle promessa e juramento e lhe guardar e manter seus privilégios, e foros e costumes, conforme os dizeres do cronista Fernão Lopes.
Havendo grande divisão nas opiniões, repartidas em três partidos manifestos, os legitimistas eram apoiantes da rainha Dona Beatriz; os moderados estavam a favor dos meio-irmãos do falecido Dom Fernando; e os nacionalistas, que afastavam quaisquer preocupações de ilegitimidade, perante a supremacia do interesse nacional, propunham a defesa da independência portuguesa, facto que requeria um rei verdadeiramente português e intimamente ligado à causa da Nação. Deste modo, só restava considerar o trono vago e proceder à eleição de um monarca, mesmo sem atender às regras tradicionais da sucessão, devendo, inerentemente, a escolha recair no chefe popular, que era Dom João, Mestre de Avis, embora clérigo e bastardo.
Vindo de Leiria, para Coimbra, Os da çidade fezeromsse prestes pera hir rreçeber o Meestre, a cleerezia em proçissom, e os leigos com seus jogos e trebelhos, e desi os fidallgos e Comçelhos, que hi eram, todos jumtamente de bestas como melhor podiam. E em sse corregemdo huus e os outros começarom muitos cachopos de sair fora da cidade sem lho mamdamdo neguem, pello caminho per hu viinham o Meestre, com cavallinhos de canas que cada huu fazia, e nas maãos canaveas com pemdoões, corremdo todos e braadamdo : Portugall! Portugall! por elRei dom Joham! em boa hora venha o nosso Rei! e assi forom per mui gramde espaço açerca dhuua legoa (Crónica de D.João I, capítulo 81)
Como se reconhece, a primeira facção esteve ausente daquela célebre assembleia. As outras confrontaram-se em grandes desvairos e debates, realça a Chronica do Condestável, tendo, uma, Vasco Martins da Cunha e os filhos, homens de muitas gentes e detentores de algumas fortalezas, pelo lado do Infante Dom João, preso em Castela e aliado deles, e a nacionalista, que compreendia todo o povo miúdo do Reino e alguns boons e grandes, à frente dos quais estava Dom Nuno Álvares Pereira.
Nestas difíceis circunstâncias, os debates parciais e os plenários prolongaram-se morosamente e, pelo auto da eleição, verifica-se que houve significativa e bem qualificada representação do alto clero (o Arcebispo de Braga e os Bispos de Lisboa, Lamego, Porto, Évora, Coimbra, Guarda, o Prior de Santa Cruz e os Abades de Alpedrinha e Bostelo), outros eclesiásticos, a presença de mais de 70 fidalgos – cavaleiros e escudeiros, e dos procuradores de 31 cidades e vilas, com a ausência de muitas localidades importantes.
Mesmo sem referir, expressamente, os juristas ou letrados do Conselho, que acompanhavam o Mestre, em documentos como o Despacho dos capítulos especiais da cidade de Lisboa, consta a participação dos doutores Gil do Sem, João das Regras e Martim Afonso, enquanto a tradição recolhida por Fernão Lopes atribui ao segundo uma preponderante função nas deliberações, que apuraram a eleição do Mestre, conseguida na Quinta-Feira, 6 de Abril de 1385, quando contava 26 anos, 11 meses e 25 dias de idade.
Deste denso panorama sócio-político, em que pela primeira vez esteve envolvido e deveras empenhadamente participativo o povo, ressalta que decorreram muitas reuniões, sendo algumas restritas, a cada um dos estados; que, à margem dos encontros oficiais, entre os mais destacados dos partidos, alguns ocorreram no limitado Paço da Alcáçova e, talvez, no Paço Episcopal, o dos prelados; e que as principais assembleias, as plenárias, tiveram lugar no Convento de São Francisco, além da ponte, já desaparecido, sob o Choupalinho. Foi ali, o local destas Cortes.
Eis a série dos factos históricos, aceites pelos competentes medievalistas, geógrafos e conceituados historiadores, que os recolheram da tradição fiel, completamente distinta dos psitacismos dos propaladores e dos exibicionistas insensatos, que fazem coro com as vozes desafinadas e nem sequer sabem cantar.