José Eduardo Reis Coutinho
A 27 de Março, ficou concluída e completada a inventariação da paróquia de Cantanhede, com um total de 119 novas fichas, referentes à igreja matriz e às capelas, a qual teve, sempre, o dedicado acompanhamento do pároco, o senhor Padre Dr. Carlos José Neves Delgado.
No desempenho das actividades realizadas, e com especial incidência nas elucidações, inerentes a muitos acontecimentos do passado recente, são inestimáveis as pormenorizadas informações que o senhor Cón. Dr. Alfredo Ferreira Dionísio foi transmitindo, de maneira pronta e bastante segura, visto ter zelado pela defesa do património paroquial, em tempos difíceis, haver promovido a salvaguarda de importantes bens religiosos e ser quem melhor conhece a história desta circunscrição eclesiástica, certificadas pelo interesse de coligir todos os materiais publicados e manifestadas nos plúrimos esclarecimentos prestados, antecipada e deliberadamente. A justiça reclama, pois, o devido preito de gratidão.
Graças à colaboração destes ilustríssimos e reverendíssimos senhores, está solucionado um estranho deturpamento de certas situações presentes, contra várias descrições, da especialidade, ainda visíveis, há anos, e, até, descritas pela autorizadíssima conceitualização do sapientíssimo Doutor Nogueira Gonçalves.
O remoto povoamento humano, desta zona, é conhecido e teve notória desenvoltura, comprovada pelos significativos achados arqueológicos romanos, deparados na própria área do adro, da sede paroquial, servilmente desfeito, cujo lamentável desaparecimento participa do similar paradeiro de descobertas epigráficas romanas.
A localização desse sítio, com ocupação distinta, de componente pagã e, posteriormente, de feição cristianizada, localiza o assinalado campus de sacralidade telúrica, onde, tempos depois, fora edificada, para celebração do culto divino, a primitiva igreja, uma vez que, após a Reconquista, houve grande desenvolvimento na região e, no texto do testamento de Dom Sesnando, efectuado a 15 de Março de 1087, aparece mencionada medietatem de uilla cantoniede (Livro Preto, doc.19), a declarar a subsequente prosperidade agrária.
Essa existência está documentada numa epígrafe fúnebre, que assinala o falecimento de Dom Honorico, presbítero de Cantanhede, ocorrido a 18 de Março de 1282, e que ocupa 10 linhas de enunciado; ao centro, tem a representação iconográfica de Nossa Senhora, coroada, sentada em trono, com o Menino, e, aos pés, o visado, de joelhos e mãos erguidas.
Incluída no senhorio capitular de Coimbra, consta no rol das igrejas do Reino, de 1321, aparecendo dedicada a São Pedro, indicada na condição de vigararia e taxada em 60 libras. No final da centúria, outra lápide congénere, de 1362, regista o falecimento de Domingos Aparício, também sacerdote, da mesma comunidade paroquial.
Com o crescimento demográfico e a presença de personalidades da nobreza, de dignidades eclesiásticas e da aristocracia, como a família condal dos Meneses e o Cónego da Sé de Goa, surgem capelas privadas, autónomas, ou, incorporadas no edifício paroquial, enriquecidas de retábulos e de diversas esculturas, no melhor calcário das vizinhanças (Portunhos, Outil, Pena), dando continuidade à produção executada, nas respectivas oficinas, honrando a tradição implantada, no século XIV.
Seguramente, pelos termos consignados na inscrição da matriz de Oliveira do Hospital, a pedra das referidas origens tem excepcionais qualidades e concede, além da manifesta durabilidade inalterável, a especial particularidade de ficar patinada, com um lustre parecido à translucidez do alabastro, individuação que teria contribuído para ser preferida, nos reconhecidos trabalhos e na
projecção nacional, notoriamente alcançada, embora, nem sempre com a devida justiça, acerca da origem.
Por isso, o repositório das imagens, dos séculos XV e XVI, assume vasta frequência, também verificada no XVII, apesar da inferior qualidade, logo seguido pelas de terracota e de madeira estofada, de Setecentos, cuja centúria ficara ligada aos arrobos barrocos, pela talha, pelos utensílios de estanho e pelos de latão.
Todavia, existem interessantes indicadores da invulgar notoriedade dos bens em uso, na comunidade, quer pelo tom de sintonia estética, quinhentista, quer pelos sucessivos adicionamentos patrimoniais, detectados nos antigos centros de culto, cada qual acentuando a causa do surgimento, seja na matriz e no monumento de Varziela, seja nas capelas das povoações e nas de tradicional romaria, de tradições agrárias.
Raros painéis azulejares, de fabrico sevilhano; a memória das significativas ofertas manuelinas, da encomenda régia, vinda da Flandres; os afamados paramentos, em veludo lavrado, das indústrias italianas; os têxteis nacionais, executados durante o post 1640; o apreciável sentimento, resplandecente na pintura hagiográfica; e o minucioso perfeccionismo dos mestres prateiros, exímios decoradores de peças inconfundíveis, reflectem apurados critérios de honesto trabalho dedicado, perdurável, através de séculos, e de superior grandeza, merecedora do mais elevado apreço e consideração.
Vários exemplares de missais, de altar, de leccionários, rituais e publicações de humanidades, pedagógicas e didácticas, culminam o sector do livro antigo, inigualável na qualidade do bom papel, no equilíbrio da disposição gráfica, no complemento das visualizações, expostas em óptimas gravuras, na profusa ornamentação das encadernações, nos delicados motivos incisos, nas goteiras, e no singular esmero dos fechos, de bronze lavrado.
Justifica, por isso, proceder a diferentes actividades culturais e catequéticas, a promover em pequenas assembleias de fiéis, empenhados, incentivando a valorização integral dos baptizados, a fim de velarem pelas riquezas patrimoniais, da sua própria identidade, assim distintamente evocativas da fé católica, em terras de longa tradição perene.