A Cozinha Económica atravessa algumas dificuldades monetárias. A Irmã Lucinda, responsável pelas Criaditas dos Pobres em Coimbra reconhece esta dura realidade. Esteve nas origens da fundação da Cozinha Económica. São reconhecidas carinhosamente por "madres de Teresa de Calcutá" da cidade. Não gostam muito de falar daquilo que fazem, muito menos com os jornalistas. Levam o Evangelho à prática. Servem cerca de 500 refeições por dia, 30 por cento dessas refeições são gratuitas. A comparticipação dada pela Segurança Social é de apenas um euro e cinco cêntimos por refeição. O que tem valido, tem sido a generosidade de muitas pessoas e ajuda do Banco Alimentar Contra a Fome.
A Irmã Lucinda numa entrevista gentilmente cedida ao "Correio" fala-nos de novas formas de pobreza existentes na nossa cidade que aumentam de dia para dia.
As Criaditas dos Pobres, como qualquer outra congregação, sentem a falta de vocações. Há 17 anos que não possuem uma única noviça. Estarão as nossas criaditas em vias de extinção?
Que trabalham realizam as Criaditas do Pobres em Coimbra?
Nós nascemos para servir. Para servir os pobres. O nosso trabalho que é uma missão porque somos investidas para anunciar Jesus Cristo mais pela vida do que propriamente por palavras. É essencialmente que nós tentamos fazer. Depois temos umas acções mais concretas que temos que fazer para aqueles que chegam até nós…
Como nasceu a vossa obra?
A nossa obra nasceu das Conferências Vicentinas em Coimbra. A nossa fundadora antes de ser Criadita dos Pobres já participava juntamente com a mãe nas conferências vicentinas e iam à casa dos pobres fazer trabalhos… Mais tarde, ela achou, por bem, que seriam necessárias vicentinas a tempo inteiro. E foi por isso que juntamente com outras irmãs formou esta congregação.
Em que locais da cidade vocês se encontram?
Aqui na cidade estamos só na Rua da Ilha, junto a Sé Velha, onde até o ano passado tivemos um jardim-de-infância e uns tempos livres que entregamos depois a Caritas porque já não tínhamos possibilidades de continuar. E estamos na Baixa, na Cozinha Económica, onde servimos cerca de 500 refeições diárias a um preço simbólico.
Porque razão entregou o jardim-de-infância à Caritas? Foi por falta de vocações sentidas na vossa congregação?
Sim. Devo-lhe dizer que já era uma coisa que nos transcendia actualmente. Quando foi fundado, chamavamos-lhe "O Abrigo". Foi o primeiro jardim-de-infância a ser construído em Coimbra. Sabe que ao princípio nada era organizado… Antigamente quando nós íamos às famílias, elas não tinham onde deixar as crianças, e nós trazíamo-las connosco para casa. Era como um prolongamento do nosso trabalho na família. Essa creche ou o "Abrigo dos Pequenitos" como lhe nós chamávamos-lhe era um prolongamento da nossa acção para ajudar a família. Nós trabalhávamos em casa deles e quando não tinham onde deixar os pequenitos, trazíamo-los connosco. Começamos a erguer essa casa "O Abrigo" com as nossas posses, conforme nos podíamos.
Até que um dia a instituição, por nós criada, começou a ser subsidiada porque precisávamos de dinheiro. Sabe que depois isto criou um certo volume que nós não tínhamos capacidade de resposta…Tínhamos que investir com mais pessoal. E não podemos nos esquecer que o nosso trabalho específico é os pobres, daí termos entregue isso a Caritas que é uma instituição mais vocacionada para esse meio. E além disso também vivemos a falta de vocações como referiu. Há 17 anos que não temos uma única vocação!
"Sabe que a pobreza hoje grita mais que antigamente"
Como vão percebendo quem precisa de ajuda?
Muitas vezes são outros que nos lembram. Outros são casos que nós conhecemos ou que nos vêm bater à porta.
Sabe que a pobreza hoje grita mais que antigamente. Pode parecer que não, mas temos mais pobreza. Pobrezas novas que eram desconhecidas até há bem pouco tempo.
Como nasceu a Cozinha Económica?
A Cozinha Económica nasceu em 1933. Como o nome também indica tem por objectivo servir economicamente e dignamente uma refeição forte e saborosa e abundante. Para pessoas que trabalhavam e não podiam comer tão bem, podiam vir aqui, e obterem uma refeição a um preço simbólico e boa.
Antigamente muitos estudantes que hoje são doutores, médicos ou professores, comeram aqui na Cozinha e dizem hoje que devem o seu curso à Cozinha Económica. Até há pouco anos atrás ainda se juntavam neste mesmo sítio para comerem todos uma refeição afim de confraternizarem e recordarem os seus tempos difíceis de estudante. E pagavam o triplo do dinheiro que dariam na altura enquanto estudantes.
Ao princípio quando servíamos aqui as refeições apercebíamo-nos que algumas pessoas comiam só sopa. Depois de falar com elas e saber porque razões comiam só sopa, víamos que existia grandes tragédias naquelas famílias. Havia pessoas que poupavam ao máximo para poderem ter mais um bocadinho para os filhos. Através deste serviço mergulhamos no mundo dessas famílias…
Disse há pouco que temos mais pobreza… É uma pobreza diferente ou encoberta?
Não. A pobreza encoberta é mais difícil de descobrir. Estava a falar de outras formas de pobreza….
Temos umas pobrezas novas que são aquelas pessoas que estão desintegradas da sociedade, nos vícios, no álcool, na droga, etc… que muitas vezes arranjam o dinheiro para sustentar esses vícios.
São estas pessoas que procuram hoje a Cozinha Económica. Temos muitos emigrantes dos países de Leste que também nos procuram. E aí a pobreza é maior porque essas pessoas não se integram na sociedade e não querem ser ajudadas. Porque Coimbra agora tem muitos apoios.
Que problemas sentem na gestão da Cozinha Económica?
Temos muitas dificuldades de meios económicos. Temos muitas pessoas que colaboram connosco. Temos um apoio de cooperação com a Segurança Social. E se não fosse isso a Cozinha não tinha capacidade de se poder manter…
Quantas pessoas aqui trabalham?
Temos 10 funcionários só na Cozinha. Temos um motorista para o apoio domiciliário, como também temos um Centro de Dia agregado à Cozinha Económica. Temos aí quatro funcionários. Temos ainda os voluntários que vêm e ajudam e dão do seu tempo. Não são muitos, mas são assíduos, não falham.
Aproveito para falar do nosso pessoal. Temos funcionários maravilhosos, generosos, preocupados com a Cozinha.
O que é mais difícil no contacto com estas pessoas?
O mais difícil é tentar repor a dignidade nesta gente. É a defesa da vida e a dignidade porque muitos pobres são capazes de se rebaixarem um bocadinho só para pedir. A Cozinha Económica nasceu para servir a um preço acessível todas as pessoas com menos posses, uma refeição forte, como disse há pouco, de maneira que cumpram dignamente sem terem a necessidade de a mendigar. E era isso que gostava muito de sentir no princípio.
"Há 17 anos que não temos uma única vocação"
O apoio domiciliário… temos casos muito complicados?
Já não temos tantas pessoas a trabalhar nesse sentido… Sentimos a falta de vocações e de voluntários. Temos dado apoio, essencialmente, às pessoas que vivem na solidão. Só na zona da Sé Velha são muitas.
Acompanhamo-los ao médico, vamos aviar as receitas quando estão doentes ou vamos a mercearia quando é necessário. Não temos é actualmente grande capacidade para responder aos pedidos, também sentimos o peso da idade e como lhe disse há pouco há 17 anos que não temos uma única vocação. O trabalho que fazemos baseia-se essencialmente na Cozinha Económica.
Quantas casas possuem?
Em Coimbra, temos duas, uma na Rua da Ilha e a Cozinha Económica, depois estamos nos Açores (Ilha Terceira e a Ilha S. Miguel), Aveiro e Portalegre.
As Criaditas dos Pobres nasceram nesta linda cidade a 1 de Novembro de 1924, quando a Irmã Maria Carolina saiu da sua casa para ira para casa do Dr. Elysio de Moura. A nossa fundadora esteve primeiramente a tomar conta de crianças. A nossa congregação só passou a existir oficialmente muitos anos depois, mas marcamos essa data, porque foi a data que a Irmã Maria Carolina saiu da sua casa e já existia este carisma de querer auxiliar os mais desfavorecidos. A congregação foi aberta oficialmente em 1966.
O trabalho aqui realizado é reconhecido e valorizado pela cidade?
(Risos) Essa pergunta é muito difícil para eu responder. De facto, o nosso trabalho foi reconhecido pela Câmara Municipal de Coimbra, onde nos atribuíram uma medalha de mérito no Dia da Cidade. Essas coisas não são importantes para nós. É como agora no Natal, uma vez por outra lembram-se que os pobres existem… Nós gostaríamos que fosse Natal todos os dias.
Como é que gostaria que os cristãos da Diocese de Coimbra celebrassem o Natal?
Um Natal de alegria, de partilha, de fraternidade e de amor verdadeiro de uns para com os outros. Desejo que seja um Natal de proximidade e de paz de uns para com os outros…