O Cónego Sertório Martins, avaliando a forma como a diocese viveu e sentiu o plano pastoral que agora termina, partilhou algumas das alegrias e dificuldades vividas como vigário episcopal da região Centro. O também assistente espiritual do Secretariado da Pastoral Familiar lembrou a importância de estar próximo das pessoas e das famílias e afirmou que, hoje, não é dos altares que se evangeliza, mas antes fazendo das preocupações do mundo, as preocupações da Igreja.
Entrevista de Lisa Ferreira
É actualmente vigário episcopal da região Centro. Quais as maiores dificuldades sentidas na coordenação desta região pastoral?
Sou vigário episcopal da região Centro desde 1994, quando fui também nomeado pároco da Sé Nova, portanto, já há 13 anos. Antes disso, fui vigário da região Nordeste, entre 1977 e 1987. É diferente a região Nordeste da Centro. Quando estive na primeira, tinham-se iniciado as regiões pastorais e tudo era novidade. Havia, de facto, a preocupação de saber o que o Sr. D. João pretendia e fomos aprendendo muito com ele. Os padres eram, entre si, mais familiares, a relação era muito mais próxima e tudo era feito em maior colaboração. Também eram mais os sacerdotes e, por isso, foi fácil desenvolver algum trabalho, nessa altura. Na região Centro existem algumas dificuldades de coordenação. A cidade, pela proximidade da Casa Episcopal, é um arciprestado à parte. Participo nas reuniões como qualquer outro pároco, porque sou pároco da Sé e sou um elemento normal. A coordenação de algumas actividades no arciprestado de Coimbra é feita pelo arcipreste. É com os outros, a Mealhada, Penacova, Lousã – Miranda do Corvo e Condeixa, que eu tenho algum trabalho. Penso que as regiões pastorais trouxeram outra sensibilidade à diocese. Pode parecer que criam fracturas por cada um procurar crescer por si, ser autónomo mas elas vieram dar uma maior unidade pastoral por haver objectivos e programas. A verdade é que agora há uma maior consciência de diocese . Também gostaria de dizer que sendo vigário há 22 anos, ainda que com um intervalo de alguns anos, estou cansado. Já disse ao Sr. Bispo que quero sair, também para que entre gente nova. Um dos males da nossa pastoral hoje é a rotina. Começamos a nivelar tudo por baixo. Penso que tem que haver maior dinamismo. Noto também que já não sou capaz de responder a muitas coisas. Há sacerdotes que têm a sua quinta e tratam só dela… Quando um padre está doente e surge um problema qualquer, acham sempre que quem tem que resolver o problema é o vigário… É importante que haja um sentido eclesial maior e unidade na diocese.
A região Centro é a mais urbana e mais central da diocese, na sua generalidade. Isso tem influência na prática cristã?
A região Centro é mais urbana mas penso que a todas as paróquias chega já, hoje, o bem do urbanismo e o mal também. Mas sim, nota-se, em parte, a diferença entre as zonas rurais e urbanas, no que respeita à prática cristã. Mas gostava de dizer que se calhar, à beira da cidade de Coimbra, e isso surpreende-me, há zonas mais rurais do que outras, lá para cima. Penso que a maneira diferente como se vive a prática cristã na região Nordeste talvez não tenha a ver tanto com a ruralidade mas antes com a forma como foi feita evangelização. Houve padres que se dedicaram muito no âmbito da Acção Católica, por exemplo. E, hoje, ainda estamos a viver os resultados desse esforço. Aqui, a evangelização não foi tão profunda, tão interior e não marcou tanto as pessoas. Quando alguém tem a marca de Cristo, numa zona urbana ou rural, não deixa a Igreja. Mas as zonas rurais prezam, de facto, os valores éticos, morais e religiosos. E tudo nasce muito na família. Mesmo agora, que toda a região é, claro, influenciada pelos valores modernos, muitos mantêm a prática cristã. Aqui, isto não acontece tanto, talvez, precisamente, porque a evangelização não foi tão forte.
O plano pastoral abordou, este ano, a acção social e a atenção aos mais pobres. A vivência do tema teve uma expressão prática na região?
Antes de mais, gostava de dizer que o balanço que faço do plano destes cinco anos é francamente positivo. Quando abordámos, nas nossas reuniões, a necessidade de avaliar o plano, pensei que os padres iriam dizer que estava tudo cada vez pior. Estamos, de facto, em mudanças contínuas e, portanto, as diferenças de hoje na ciência, na tecnologia, na mentalidade, têm muita influência na família e nos jovens e nós gostaríamos, naturalmente, que essas marcas não fossem tão grandes. Há cada vez menos jovens a participar na Igreja, há famílias que não têm consciência de que o são e não se distinguem muito, hoje, as famílias que são cristãs daquelas que o não são. Mas, ao longo destes cinco anos, a sementeira foi feita junto das famílias e dos jovens. Houve uma sensibilização maior para a ajuda aos carenciados e aos que sofrem e se não tivesse havido um plano definido e se não tivesse havido entusiasmo em torno dele, as coisas seriam diferentes. Este tempo foi marcante, houve sintonia de esforços, preocupação em dinamizar. Se calhar os frutos não são tão visíveis, mas compete-nos semear. Os frutos hão ver-se daqui a alguns anos. E houve muitas iniciativas e projectos que andaram para a frente e de que nem temos conhecimento. O Sr. Bispo diz, no Programa das Actividades Diocesanas, que "importa que as comunidades e os movimentos preparem leigos que sejam semeadores com ânimo e competência". Penso que é aqui que temos tido dificuldade: em formar leigos. Ainda queremos que tudo seja feito pelos padres. As comunidades têm que tomar consciência de que, elas próprias, têm essa missão de educar e evangelizar. Todos os leigos hão-de assumir essa responsabilidade que não é uma preocupação só dos padres, mas também do povo. A existência de um plano deu também unidade à diocese porque a sintonizou nos mesmos objectivos, propósitos numa mesma unidade pastoral.
É assistente espiritual do Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar. Que trabalho pastoral procura desenvolver este organismo?
Eu sou só assistente espiritual. O presidente é o engenheiro Jorge Cotovio. O secretariado tem tido a preocupação de evangelizar a família, de dar atenção aos casais novos, de dar alguma formação. No primeiro ano, tivemos um projecto de formação para animadores, a nível regional mas não deu tantos frutos como gostaríamos… Os sacerdotes não estavam ainda preparados e tiveram dificuldade em escolher casais que pudessem participar nestes encontros. Tínhamos previsto três níveis de formação mas demos o primeiro com pouca gente e perdemos algum entusiasmo… Temos tentado fazer um trabalho de informação, através, por exemplo, de uma página na Internet, e continuamente vamos dando informação aos párocos. Eu sou apenas o assistente e vou dando o meu parecer que, geralmente, é aceite. O sr. Jorge Cotovio é um homem generoso, dedicado, com uma visão moderna dos problemas e tem sempre o cuidado de saber a minha opinião e de decidir e programar em conjunto comigo. Estamos muito longe de realizar uma pastoral familiar. Gostaríamos que ela fosse, em toda a diocese, um caminho dinamizador, para que tudo fosse marcado pelo aspecto familiar: a relação dos padres com as pessoas, a maneira como os padres se relacionam uns com os outros, a preocupação com as famílias, …. Era importante que o sentido de família atravessasse tudo. Cada vez temos mais dificuldades em evangelizar mas não vamos desistir e vamos continuar. O Espírito Santo há-de dar-nos força.
Qual é o maior entrave a essa evangelização nas famílias?
O grande problema é a apatia. As pessoas não reagem às nossas propostas e também sabemos que hoje as pessoas estão sempre ocupadas… A família está em crise e a melhor maneira de resolver isto é dando formação. É esta a grande preocupação do secretariado. Trabalha connosco um conselho alargado onde estão representados movimentos de espiritualidade familiar como as Equipas de Nossa Senhora, os Casais de Santa Maria, o Centro de Preparação para o Matrimónio (CPM), entre outros. Fazemos ainda um trabalho grande com os casais em dificuldade e criámos o Centro de Aconselhamento Familiar (CAF) onde surgem situações muito diferentes: problemas entre o casal, problemas económicos, de divórcio, de droga. De tudo. Temos connosco juristas e outras pessoas especializadas, que fazem parte da equipa, como um psiquiatra, um economista. Encaminhamos os problemas que aparecem para estes especialistas que têm feito um grande trabalho. Já ajudámos também a criar outros centros.
Este acompanhamento pessoal e próximo é importante?
Eu penso que sim. Hoje, se a pastoral não for acolhedora, junto das pessoas não funciona. Não evangelizamos dos altares e é importante estarmos próximos das pessoas e das famílias, para que elas sintam que estamos preocupados com elas. De facto, como foi dito no Concílio Vaticano II, as tristezas e alegrias do mundo têm que ser as da Igreja e nós ainda não entendemos bem esta expressão… Este mundo tem muitos aspectos negativos mas Deus está também neles e não podemos desistir de ninguém. A Igreja tem que se interessar por todos, pelos que passam por um divórcio, pelos que não vão à missa, … Nós pensamos que é importante formarem-se pequenas equipas em cada paróquia, que estejam atentas aos problemas das famílias, das mães solteiras, dos casais jovens. Temos que acolher, acompanhar, informar. E é importante implantar equipas em cada paróquia como existem para a catequese, para o apoio sócio-caritativo, etc. Onde elas funcionam, faz-se um trabalho mais válido.
É também assistente espiritual dos Cursos de Cristandade. Ainda é actual?
É um movimento que continua actual porque os seus objectivos são os de formar "líderes cristãos" e o de fermentar de Evangelho os "ambientes". Muita gente deixou de acreditar nos Cursos de Cristandade (CC), talvez pelos erros e exageros do passado, mas os padres que têm apostado nos CC têm a alegria de ver as suas paróquias a renovar-se. Muitos dos leigos que temos à frente dos Conselhos Económicos, na acetequese e nas instituições sociais da paróquia passaram por um CC. Deixo um apelo forte aos padres que voltem a acreditar nos CC ou ao menos noutro movimento evangelizador. Sem espírito apostólico e missionário não teremos paróquias vivas.
Como caracteriza a paróquia da Sé Nova, onde é pároco?
Deve ser das paróquias mais pobres e com pessoas mais idosas, na zona da Alta, mas tem também uma área de pessoas que vivem bem. É difícil de paroquiar porque apesar de haver bastante gente, muitos não se sentem paroquianos na fé e muitos vão a outras igrejas: aos Franciscanos, ao Carmelo, a Santa Cruz. É uma paróquia onde não há unidade. Tenho visto que a participação na missa ao Domingo tem aumentado, por um lado, porque é uma igreja bonita para quem quer casar e baptizar crianças e, depois, porque tenho feito um esforço para acolher as pessoas e tentar resolver os seus problemas. Temos agora, também, um grupo coral que já foi descoberto por algumas pessoas que ficam felizes por participar ali na missa. Há na paróquia um bom grupo de escuteiros com bons chefes em quem os pais confiam, mas tenho alguma dificuldade em ter ali movimentos também por a população ser mais idosa. Existe a Legião de Maria e as Conferências de S. Vicente de Paulo, que trabalham muito bem. Funciona lá o Banco de Tempo que não está ligado à paróquia e que só tem ali a sede. Praticamente, vão lá uma vez por semana mas trouxe algum valor, ainda que não tivesse sido tanto como pensei no início.