Conferência promovida pelo Rotary Club e autarquia de Montemor
A comunicação de Manuel Carraco, na noite de terça-feira, 5 de Fevereiro, apontou “o tempo e o espaço politico-social” que estimulou a fundação destas instituições no “mundo português” que, na sua génese, foram criadas com o objectivo de fazer obras de caridade espirituais (como a realização de cerimónias religiosas) e temporais (como de auxílio aos pobres e de assistência hospitalar).
Lisboa (e o país) vivia a época dos Descobrimentos, e foi em 1498 que Vasco da Gama chega à Índia. No entanto, se por um lado, os Descobrimentos trouxeram ao País honra e glória para os que iam e voltavam, também trouxeram pobreza e desolação para os que ficavam e não viam regressar à pátria aqueles que tinham visto partir.
Segundo Manuel Carraco, “havia muitas viúvas e órfãos desamparados que necessitavam de ajuda, doentes que precisavam de tratamento e pessoas a passar à fome”, pelo que, afirma “a criação das Misericórdias foi uma decisão social mas também política”.
O palestrante lembrou que “por esta altura, surge um frade que dedica a sua vida a ajudar os pobres e necessitados – frei Miguel Contreras que percorria as ruas da Lisboa com o seu jumento e ajudava com as esmolas que outros lhe davam para distribuir”, adiantando que foi frei Miguel Contreras o grande inspirador da fundação das Misericórdias e, como confessor da Rainha D. Leonor, propõe a criação destas instituições, que chegaram até aos nossos dias”.
A par da criação da Misericórdia de Lisboa, em 1498, surgem mais doze pelo país, entre as quais duas nos Campos do Mondego: a de Montemor-o-Velho e a da vila de Pereira.
Os anos e os séculos vão passando, e as Misericórdias vão-se multiplicando e estendendo a sua acção de bem-fazer a todo o País, incluindo os novos mundos descobertos entretanto, e é assim que, além de Portugal, se fundam misericórdias no Brasil, África, Índia, Japão, Arábia, Pérsia, Indochina, China e Indonésia. Ao longo dos tempos estas instituições souberam adaptar-se às necessidades sociais do tempo e adaptar as Obras de Misericórdia de forma a que, sem desvirtuar os objectivos da sua fundação, possam responder aos problemas sociais do seu tempo.
“Por estabelecer um carácter laico diante dos vários choques de interesse que a Igreja e o Estado tiveram ao longo dos séculos, as misericórdias chegam aos dias de hoje, apoiadas pelo espírito cristão da igreja católica e espalhadas pelas principais vilas e cidades portuguesas, como instituições particulares de solidariedade social”, sublinhando que “ainda hoje continuam a nascer misericórdias nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, nomeadamente Paris, Luxemburgo, Canadá, Estados Unidos, Namíbia”.
Porém, à semelhança de outras “crises de subsistência” das misericórdias, que se verificaram ao longo dos séculos, Manuel Carraco afirma que “estas instituições estão a ter graves situações para o desenvolvimento das suas actividades básicas”, salientando que “em Portugal já existem 71 misericórdias inactivas, uma vez que a comparticipação financeira do Estado é muito reduzida e as instituições não têm fontes de receita que saldem a sua intervenção de cariz social”.
Todavia, prossegue o orador, “as Misericórdias, como Instituições Particulares de Solidariedade Social, apresentam um conjunto de soluções e de opções para tudo o que há de menos bom na sociedade e estas entidades é que estão motivadas para tal, advindo daí a grande importância de que se reveste o seu trabalho, pelo que se torna imperativo uma nova ordem politica e social que preserve a identidade e os objectivos das misericórdias”. “As Misericórdias souberam sempre dar resposta aos desafios”, rematou o provedor.
Esta conferência terminou com os agradecimentos de Dolores Campião, presidente do Rotary Club de Montemor-o-Velho.
“O Mundo das Misericórdias e as Misericórdias no Mundo” foi o segundo tema do ciclo de conferências “Portugal no Mundo”, uma iniciativa que resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal de Montemor e o Rotary Club e que pretende, em 10 encontros temáticos, suscitar, através da reflexão inicial de um convidado ilustre sobre um tema específico, um debate sobre o que fomos, somos e, sobretudo, o que seremos.
Política, Misericórdias, Direito, Cultura, Literatura/Afonso Duarte, Ciência, Comunicação Social, Turismo, Agricultura e Internacional são os temas a abordar neste ciclo de conferências dedicado à portugalidade.
À hora de fecho desta edição decorre uma palestra de Joaquim Gomes Canotilho sobre “Direito”, no auditório da Biblioteca Municipal.
Aldo Aveiro