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6 de fevereiro de 2008

Inventariação da Paróquia de Serpins


No dia 30 do passado mês de Janeiro, completou-se a inv0entariação da paróquia de Serpins, com um total de 126 fichas e numerosa quantidade de fotografias, realizadas na igreja e nas capelas, facto que sempre contou com o dedicado acompanhamento do Reverendíssimo Padre Dr. Manuel Lucas Bernardes.
Esta paróquia de Santa Maria de Serpins, remontando aos inícios da Nacionalidade, parece ser uma instituição do mosteiro laurbanense, mesmo tendo povoamento muito anterior ao século XII, pois, a destacada posição geográfica em que se eleva o monte da igreja deve ter sido um importante reduto pré-histórico, cultualmente referenciado na época castreja e com surpreendentes materiais arqueológicos, principalmente testemunhados em duas pequenas aras funerárias, em grês vermelho, parcialmente danificadas e datáveis do século I da Era actual. A nítida sobreposição de sucessivos cultos num local enraizadamente sacralizado.
Pela documentação pré-nacional, há seguras notícias de Serpins, pertencentes ao século X, referentes ao lugar e mencionando o topónimo antroponímico (?), como villa rústica, no território do castelo de Arouce – et est illa uilla territorio arauz discurrente ribulo seira (Diplomata et Charta, 52) – sendo, então, metade dela de Zoleiman (Soleimão), congnominado Abaiub, e da mulher, Flamula (Châmoa ou Chama).
O nome cristão desta senhora, bem como o nome e alcunha islâmicos do possessor mostram, evidentemente, uma rica família privada, de moçárabes, por certo nada surpreendente na sociabilidade cultural do intenso moçarabismo, verificado na terra ou distrito de Coimbra, da época, no qual o prestigiado mosteiro de Lorvão gozava da mais alta influência e da maior devoção.
Como declara o formulário da referida escritura, datada de 1 de Setembro de 941, os mencionados intervenientes doaram, àquele cenóbio, na pessoa do abade Mestúlio, in uilla de serpini medietate, além da ração, que tinham noutro lugar: et damus uobis in uilla de algazala nostra ratione.
A outra parte devia pertencer, já, então, aos directos ascendentes (o pai) do notável conde Gonçalo Moniz, visto que, na grande doação efectuada à dita comunidade religiosa, presidida pelo abade Teodorico, em 25 de Março de 961, a inclui como um todo: Et adicio aduc uobis alia uilla que dicent serpinis cum totos suos dextros et terminos anticos (D.C., 83). Tal expressão deve querer dizer só aquilo que o doador ali detinha, embora no teor documental apareça o sentido de unidade agrária, expresso pelo vocábulo villa.
Simultaneamente, as confrontações já consideradas antigas, a meados do século X, deixam crer um muito anterior domínio humano local, provavelmente vindo da sociedade romana, da qual ainda subsistiam divisórias agrárias de centuriação e o Trifinium (Trevim!), marcado pelo terminus augustalis, assinalando, nesse sítio, a confluência topográfica de três povos municipais, de Conimbriga, Aeminium e Bobadela.
Dom Gonçalo Moniz junta, também, à doação, 10 bezerras e 54 ovelhas: et confero uobis in ipsa uilla X.m uaccas bitulatas et LIIII ª ouelias (D.C., 83), num inequívoco indicativo das apreciáveis valências agro-pastoris da sub-região que, além dos supostos campos agricultados, contava lameiros, para pastagem do gado bovino, e largos prados, para rebanhos de caprinos e ovinos.
No seguimento da última Reconquista Cristã, terá havido alguma alteração na posse da villa e da igreja, por parte dos monges laurbanenses, porque, Dom Afonso Henriques, em 1154, fez doação de Serpins a Paio Alvites, chamado Mocelido, e à mulher, Dona Maria Formarigues, sob condição de, à morte deles, regressar ao mosteiro, depois novamente reafirmado, aos filhos, em 1169, pelo mesmo soberano.
Por isso, a igreja de Santa Maria de Serpins era do padroado daquela casa monástica que, nela, apresentava o respectivo prior, e, solicitamente concorrera para o dinamismo da fé e do vasto povoamento, responsável pelo subjacente desenvolvimento rural, como se compreende a partir do alto rendimento taxado na relação das igrejas, em 1321.
Há anos, o pároco de então promovera uma recolha do numeroso património que, nas capelas e nas dependências da igreja, estava posto de parte ou tinha sido substituído. Este louvável procedimento contribuíra para salvaguardar muitos bens que, noutras circunstâncias, acabariam por desaparecer, mas que, assim, ficaram protegidos e defendidos de certas cobiças estatizantes, a que, zelosamente se solidarizou o imediato sucessor.
Quando, nos finais da década de 1970, se realizaram obras, nas imediações da matriz, surgiram diversos materiais antigos, que o Prior fez guardar. Além das duas partes das aras romanas, apareceram cabeceiras discóides, de sepulturas medievais – algumas, porque lançadas a rebolar para o rio, pela miudagem, despedaçaram-se – e um avultado depósito de azulejos hispano-árabes, na maioria partidos e reduzidos a pedaços.
Fazendo essas intervenções em áreas cemiteriais, situadas nos adros ou em propriedades das paróquias, é importante comunicar ao competente organismo diocesano (o Departamento dos Bens Culturais da Diocese) o início dos trabalhos, para se proceder ao respectivo acompanhamento arqueológico, se registarem os estratos verificados e bem serem observadas as terras revolvidas, visto reclamarem uma cuidada leitura interpretativa do quanto revelam, de valiosos dados informadores do que nelas foi acontecendo, através das gerações.
São expressivas as imagens calcárias, dos séculos XV e XVI, a memória de uma oferta régia, de Dom Manuel I, de algumas peças de boa prata e dos bens seguidamente adquiridos, com especial destaque das esculturas sacras, seiscentistas e setecentistas, dos missais de altar, das mesmas centúrias, de alguns poucos paramentos e de várias lâmpadas, em latão, muito características.
Também as talhas douradas e os utensílios de estanho apresentam o comum panorama verificado, sendo elucidativos das sucessivas modas ornamentais e das consecutivas alterações imprimidas nos gostos estéticos, por implantação dos quais os anteriores bens patrimoniais vão sendo preteridos, desconsiderados, destruídos e, pior, alienados, por vezes sem rasto, para o futuro.
José Eduardo Reis Coutinho

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