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6 de fevereiro de 2008

Nasceu há 400 anos

Padre António Vieira e arte de comunicar

Apesar de ter proferido apenas um sermão no púlpito da capela da Universidade de Coimbra, o Padre António Viera vai ser recordado hoje à noite, na Capela da Universidade de Coimbra, dia em que se assinala o IV centenário do seu nascimento. A iniciativa partiu do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e do Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos.
A evocação será composta por um recital de órgão, por Paulo Bernardino; uma leitura dramatizada da Elegia de Camões "Se quando contempalmos as secretas..." e a pregação do primeiro sermão de quarta-feira de cinzas, do padre António Vieira, por Paulo Mira Coelho.

Fez ontem, 400 anos que nasceu em Lisboa, o Padre António Vieira (1608-1697), a quem Fernando Pessoa chamou “o imperador da língua portuguesa”. Aos sete anos, António partiu com a família para o Brasil, onde o pai, da baixa nobreza, foi ocupar o cargo de secretário da Governação. Estudou no colégio jesuíta da Baía, entrou para a Companhia de Jesus em 1623 e foi ordenado padre em 1634, com 26 anos.
Os seus dotes oratórios já tinham começado a dar nas vistas quando, perante a ameaça de ataque holandês, em 1640, pregou na Baía um sermão aguerrido: “Pela vitória das nossas armas”.
Reconhecido como aquilo a que hoje se chamaria um especialista em comunicação, o jesuíta foi escolhido para fazer parte da delegação que, em 1641, veio a Portugal manifestar a D. João IV o apoio do Brasil à Restauração.
Em Lisboa foi um êxito. Os seus sermões em linguagem clara, cheios de metáforas para melhor ilustrarem o que pretendia comunicar, comoveram o rei, que o nomeou pregador da capela real. A habilidade com que Vieira usava o púlpito para transmitir a sua “agenda política” não passou despercebida a D. João IV, que o incumbiu de delicadas missões secretas no estrangeiro. O jesuíta passou os anos de 1646 e 1647 em viagens diplomáticas a França e à Holanda. Foi ainda a Roma, oficialmente para tentar junto do Papa uma reconciliação luso-espanhola, mas na verdade para promover uma revolta em Nápoles contra a coroa de Madrid.
As manobras falharam, mas nessas viagens contactou as comunidades de judeus portugueses em Rouen (França) e Amesterdão (Holanda). No regresso, convenceu o rei a acabar com a pena de confisco dos bens por delito de judaísmo, que a Inquisição aplicava por sistema aos cristãos-novos (judeus convertidos) suspeitos. Os inquisidores nunca mais lhe perdoaram. Foi também Vieira o principal impulsionador da Companhia Geral do Comércio do Brasil, destinada a captar investimentos dos judeus portugueses no estrangeiro.

O apoio de Vieira ao rei num litígio com os jesuítas colocou-o à beira de ser expulso da sua ordem religiosa. Para evitar a expulsão regressou ao Brasil. No Maranhão conviveu com os índios e envolveu-se em disputas com os colonos que o escravizavam. Data dessa altura (1654) o “Sermão de Santo António aos Peixes”, em que escreveu: “Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros (…) e os grandes comem os pequenos”.
Os colonos dispensavam o acicate – e obrigaram o padre a voltar a Lisboa, em 1661. Não se deu bem. O seu protector, D. João IV, morrera em 1657, e o conde de Castelo Melhor, ministro do novo rei D. Afonso VI, desterrou-o quando soube que Vieira conspirava a favor do infante D. Pedro. Em 1662, a Inquisição abriu-lhe um processo, acusando-o de ter opiniões heréticas. O pretexto foi o livro “Quinto Império do Mundo, Esperanças de Portugal”, no qual anunciava a ressurreição de D. João IV. Foi proibido de pregar e condenado à prisão numa das casas dos jesuítas.
Salvou-o o golpe de Estado de D. Pedro, em 1667, que destronou o irmão. Vieira partiu para Roma, onde os seus sermões encantaram o Papa. Em Itália, estreitou relações com os judeus e escreveu contra a Inquisição. Antes de voltar, obteve de Clemente X um salvo-conduto que impedia os inquisidores portugueses de o incomodarem. Chegou a Lisboa em 1675, já com 67 anos. A protecção papal foi preciosa: o Santo Ofício gozava agora dos favores do regente /futuro D. Pedro II) e este ignorou o antigo apoiante. Magoado, Vieira tratou da publicação dos sermões e regressou ao Brasil.
Ainda se envolveu na política local, voltando a defender a abolição da escravatura dos índios e mergulhou na escrita profética. Morreu na Baía, a 17 de Junho de 1697, com quase 90 anos.
Miguel Cotrim

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