José Dias da Silva
Segundo um relatório da OCDE relativo aos 30 estados membros, no grupo etário entre os 25 e os 64 anos, onde se concentra a esmagadora maioria da população activa, 57% dos portugueses não têm mais do que o 6.º ano de escolaridade, quando em metade dos outros países este valor não ultrapassa os 10%. Além disso, 60% dos efectivos não têm qualquer formação específica e apenas 13% possuem cursos superiores.
Se a estes números juntarmos o facto de termos dezenas de milhares de licenciados sem emprego (Porquê? Por algumas das razões que mais abaixo analiso? Pela falta de articulação universidades-empresas? Por debilidade ou desinteresse do tecido empresarial?), vemos que nos encontramos numa situação grave e preocupante. Hoje as sociedades não podem desenvolver-se sem várias componentes, mas a formação é certamente uma das mais importantes. E o pior é que esta questão de fundo parece não interessar à generalidade dos portugueses. Discutem-se carreiras, avaliações, insucesso (apenas) escolar, autonomias, mas parece que não se pensa na escola como um elemento indispensável na formação dos cidadãos. Tudo aquilo, contudo, não passa de instrumentos ou pressupostos para o seu papel estruturante na formação integral dos alunos, que irão ser os futuros governantes, gestores, chefias intermédias ou simples cidadãos.
A escola não pode resumir-se apenas a transmitir ensinamentos mais ou menos técnicos, mas tem de ser um espaço de formação de cidadãos. Isto depende muito dos programas que o Ministério deveria rever de modo actualizado e realista, de políticas educacionais capazes de responder às limitações de muitas escolas e também do dinamismo e da dedicação dos professores, sujeitos a um esforço particularmente exigente pois as crianças são muito diferentes das de há uma geração atrás.
As sociedades modernas precisam de gente com capacidade de iniciativa, com abertura à inovação, com mentalidade participativa. Mesmo na área dos saberes, dentro de meia dúzia de anos há campos do progresso científico que pouco têm a ver com o que se ensina hoje. Por exemplo, dizem muitos peritos que as principais áreas serão coisas tão "esquisitas" como nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação, neurociência, energias renováveis. Os actuais programas têm isto em vista? Claramente que não, pois nem sequer parecem satisfazer, nos primeiros anos, os objectivos mínimos do saber "ler, escrever e contar" e nos anos seguintes perdem-se e afogam os alunos e os professores em pormenores irrelevantes em vez de sedimentar e interiorizar no aluno os conceitos fundamentais das várias disciplinas.
Tem que haver um estímulo e uma educação para a inovação que vai ser não só o principal motor de todo o desenvolvimento, mas também das competências da força laboral. Estão os programas e os professores preparados para este desafio, dado que a criatividade e a capacidade de iniciativa exigem um trabalho que vai muito para lá do mero ensino dos programas? Conhecemos várias escolas que têm sido premiadas por iniciativas nesta área, mas são muito poucas. Não valeria a pena analisar as causas desta situação? É só desinteresse dos professores? São as tão faladas assimetrias? É a falta de apoios do ministério? É a incapacidade de mobilização dos conselhos directivos? É a falta de estabilidade do corpo docente?
Há nas nossas escolas um ambiente e um ensino eficazes para a participação e a cidadania, num tempo em que o individualismo e o desinteresse pelo bem da sociedade são cada vez maiores? Torna-se indispensável um ensino para a solidariedade. Quando falo de solidariedade não me refiro apenas a estar atento aos mais pobrezinhos ou aos colegas marginalizados ou a fazer campanhas mais ou menos natalícias de envio de livros já usados para escolas do Terceiro Mundo. Falo sobretudo de uma solidariedade mais abrangente, que assume como preocupação primeira o bem comum, a consciência de que todos somos agentes da construção da nossa sociedade e do nosso futuro. É indispensável uma revolução de mentalidades que não imagine que tudo compete ao Estado: mais do que exigir tudo do Estado (que apenas pode gerir o dinheiro que os cidadãos lhe dão), devemos ver o que podemos fazer pelo nosso país e dar empenhadamente esse contributo. Todos devemos perceber que temos deveres e não apenas direitos, que a sociedade será sempre o que o conjunto dos cidadãos quiser e não pode ficar dependente apenas de dezenas de deputados, de meia dúzia de ministros ou da interpretação, às vezes ínvia, das leis feita pelos juízes.
Claro que estas exigências de cidadania efectiva, criatividade, capacidade de inovação não podem ser apenas exigidas à escola. Têm um papel também fundamental a família, as comunidades religiosas e a comunicação social. Mas as famílias andam perdidas neste tempo de mudança e muitas só estão interessadas em exigir da escola para os seus filhos não uma formação séria mas boas notas, mesmo imerecidas, para entrarem em cursos que dão muito dinheiro. As comunidades religiosas perderam a capacidade profética de nos convencer que todos somos irmãos e que o culto sem justiça social é uma burla. A comunicação social está mais preocupada em dar-nos "pão e circo", contribuindo, com raras excepções, para a crescente estupidificação e alienação dos "cidadãos". Assim sendo, a escola vê-se "obrigada" a assumir um papel primordial e, portanto, a estar atenta às mudanças sociais de modo a poder cumprir os seus objectivos.