1. À hora que escrevo, o Papa Bento XVI acaba de chegar à Turquia, com o grande objectivo de retomar o diálogo ecuménico com o Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla. Muitos se hão-de perguntar o motivo por que o Chefe da Igreja Católica, com centenas de milhões de fiéis em todo o mundo, se desloca para uma visita a uma Igreja com um número reduzido de aderentes e, por mais, perdidos num território habitado por uma multidão de muçulmanos. Não me cabe a mim dizer de tais motivos. Mas penso que não andarei longe da verdade se disser que Bento XVI quer começar o diálogo com as outras Igrejas e com as outras religiões, precisamente onde o deixou o seu antecessor, o saudoso João Paulo II, de boa memória. No seu programa de abertura ao mundo das culturas e das religiões, muitas portas se abriram ao Papa Wojtyla. Duas, porém, permaneceram fechadas: a da China e a da Rússia, a primeira dominada por um regime que apenas aceita um cristianismo patriótico, e a segunda encerrada no seu casulo de autonomia, adversa a qualquer abertura com o mundo plural do ocidente.
Bento XVI, cumprindo o programa interrompido pelo seu antecessor, já manifestou sentimentos de abertura à grande cultura e ao bom povo chinês; manifestou, igualmente, sentimentos de fraternidade e desejo de união com os irmãos ortodoxos. E agora, passando das palavras aos actos, decidiu-se, apesar de todas as críticas, por uma visita pessoal ao patriarcado de Constantinopla. Bento XVI sabe dos limites do seu gesto. Sabe dos perigos que corre num espaço que, por má interpretação de um seu discurso, se lhe tornou adverso. Apesar disso, foi! É que a missão do Papa não é a de seguir os desejos de uma opinião pública nem sempre bem orientada, mas a de se deixar conduzir pelo Espírito Santo que, hoje e sempre, é o garante da fidelidade da Igreja à missão que Cristo lhe confiou.
Estamos consigo, Santo Padre!
2. Na última semana chegaram-me às mãos dois livros que têm como faceta comum o facto de terem sido escritos por dois padres, que integram o presbitério de Coimbra, e ambos já na situação de aposentados. O Padre Francisco Antunes, andarilho da caridade, discípulo do Padre Américo, como este recoveiro dos pobres, deu agora à estampa um pequeno volume, com o título de Alavancas, em que recolheu alguns dos artigos com que, profeticamente, fustigou a sociedade da Figueira da Foz, nos idos anos setenta, alertando para alguns casos de miséria palpitante na cidade e redondezas. É uma linguagem crua e incisiva, a que utiliza o Padre Francisco, na linha do Evangelho. E, como os problemas dos pobres continuam aí à vista de todos, os escritos do “Padre dos Ciganos” (que é nome carinhoso) não perderam nem perdem a sua actualidade. Parabéns, Padre Francisco!
O outro livro é de memórias. Foi escrito pelo Padre Joaquim Ribeiro Jorge e editado, como o anterior, pela Gráfica de Coimbra. Noutro espaço deste número é referida esta publicação. De qualquer modo, merece referência um duplo aspecto: primeiro o facto de, após a aposentação, haver padres que continuam intelectualmente activos, não se deixando vencer pela tentação do abandono à modorra da lareira; depois a utilidade que, no futuro, estes trabalhos podem ter para quem se propuser fazer a história das paróquias, do presbitério ou mesmo da diocese na segunda metade do século XX. Se mais ninguém agradecer, estou certo que ao menos os historiadores não deixarão de assinalar os bons serviços que estes padres prestaram ao conhecimento do seu tempo.
3. A este propósito, ninguém me perdoaria se, esta semana, não referisse o centenário do nascimento de Mons. Nunes Pereira, membro do presbitério de Coimbra, pároco de Montemor, Coja e S. Bartolomeu, vigário-geral da diocese durante o pontificado de D. João Saraiva, chefe de redacção do “Correio de Coimbra” durante mais de vinte anos, poeta de méritos reconhecidos, artista plástico com vasta obra sobretudo na xilogravura. E podia continuar a enumerar títulos, actividades e campos de trabalho em que Nunes Pereira foi ilustre.
Por tudo isto, e muito mais, é justíssima a celebração da sua memória, feita pela Câmara, pela Diocese, pelo Seminário e por outras entidades, ao longo de um ano inteiro. Merecem o nosso louvor todos os que, pela sua obra, pela sua dedicação e pelo seu compromisso de vida, se dedicaram por inteiro ao serviço da comunidade humana de que fizeram parte.
Mas, se me é permitido, gostaria de fazer dois pequenos reparos. Aqui, no jornal, ninguém entendeu que nada tivesse sido pedido a um semanário de que o homenageado foi chefe de redacção entre 1952 e 1974. Será que o trabalho (centenas de artigos e de xilogravuras) aqui publicado não tem interesse religioso, cultural e social, e por isso deve ser esquecido?
O segundo reparo tem a ver com a paróquia de S. Bartolomeu. Trinta anos de presença activa e apostólica de Nunes Pereira não deram o direito àquela freguesia de figurar entre os que lhe promovem a memória. Os paroquianos não entendem, por exemplo, que a missa comemorativa do centenário seja celebrada na paróquia vizinha (a escassos duzentos metros) e não na igreja que Mons. Nunes Pereira serviu por mais de um quarto de século. Por certo não foi com medo que o tecto do templo estivesse a ameaçar ruína! Ou será que os pequenos e os pobres não têm o direito de dizer um bem-haja a quem os serviu?
A. Jesus Ramos