Tem sido alvo de críticas pelo facto de ter assumido a sua posição na Assembleia da República?
Não. A minha posição, apesar de difícil, como sabe, foi tomada desde a primeira hora. Quando fui convidada pelo Senhor Eng. José Sócrates, como cabeça de lista por Coimbra, fiz questão de o alertar para esse facto. Era uma questão de lealdade. Sempre fui contra a liberalização do aborto. Sou por uma cultura de afectos, dou grande importância aos problemas da maternidade e julgo ser essencial dar efectivo apoio às mulheres e a natalidade e isso é que é moderno.
O que está em causa neste referendo é a liberalização do aborto. E eu de maneira nenhuma posso aceitar isso… Temos que preservar aquilo que é fundamentalíssimo, a vida. Por isso é que eu estou empenhada em fazer uma campanha muito esclarecedora. A vida é um bem inestimável não devemos destruí-la.
“Espero que Coimbra já internacionalmente conhecida como Capital da Saúde, se torne também agora, com o referendo, Capital da Vida”
Tem feito sucessivos apelos à participação na campanha do referendo pelo «não» à despenalização da interrupção voluntária da gravidez até as 10 semanas…Coimbra parece estar muito silenciada…
Aquando da votação do referendo do aborto na Assembleia da República em 19 de Outubro, votei não com a única companhia de um deputado do partido da terra e de facto tenho feito numerosos apelos do voto “Não”, na sequência do que fiz por ocasião do referendo do ano de 1998 e noutras situações. Agora tenho estado em vários pontos do país onde me têm chamado. Claro que Coimbra está sempre primeiro e com muita honra sou mandatária do Movimento Aborto a Pedido? Não! com sede em Coimbra e de âmbito nacional. Coimbra está muito activa. Conseguiu-se o triplo das assinaturas para a constituição do grupo, há várias sedes, estratégias de campanha, um site na internet, etc…mas ainda não me chamaram a colaborar mais directamente, o que farei sempre, evidentemente com o maior gosto.
Espero que Coimbra já internacionalmente conhecida como Capital da Saúde, se torne também agora, com o referendo, Capital da Vida, dando grande impulso para que Portugal seja percursor mundial do Humanismo do século XXI.
Uma mulher que aborte é considerada uma criminosa?
Não. Na actual lei já estão, e muito bem, considerados casos desculpabilizantes de aborto. No entanto, a lei precisa de ser revista porque tem permitido que mulheres vão a tribunal o que parece ser caso único na Europa. Não quero mulheres nos tribunais. Quero, de acordo, aliás com as normas comunitárias, do passado mês de Outubro, que seja feita legislação a favor da maternidade, apoiando efectivamente as mulheres. As mulheres portuguesas têm sido umas heroínas ao longo da História, tratando da casa e dos filhos enquanto os homens embarcavam para os Descobrimentos, para povoarem o Mundo e mais tarde partiam para a Guerra Colonial.
Recentemente, as mulheres portuguesas têm sido as mais sacrificadas da Europa com o esforço gigantesco para conciliarem família e trabalho, porque são as que mais horas trabalham fora de casa e dentro de casa.
As mulheres portuguesas merecem mais do que a opção entre o aborto clandestino e o aborto legal que é o que lhes é apenas proposto pelos defensores do «sim». Aliás, se eventualmente ganhasse o «sim», as mulheres que fizessem aborto às 10 semanas e um dia, já eram penalizadas. O que está em causa agora no referendo é apenas a liberalização do aborto, eliminando crianças saudáveis por única opção da mulher.
As mulheres que abortam, muitas vezes devido a dificuldades económicas, merecem grande apoio da sociedade porque está provado que cerca de 80 por cento abortam a contra-gosto e nunca o teriam feito se tivessem apoios. Além disso, as mulheres que abortam têm frequentemente perturbações psicológicas e irreversívis. E outros problemas…
Considero que se devem manter na lei os casos desculpabilizantes de aborto, por motivos de violação, mal formação do feto, perigo de vida para a mãe, devendo, a legislação ser profundamente alterada, de forma a haver mais solidariedade.
“Devido a haver muitas pessoas ainda confusas, devo acentuar que um crente verdadeiramente coerente não pode ir contra os alicerces da sua fé. Por exemplo, um católico não pode votar «sim»”
O referendo que aí vem é uma questão política?
Não é uma questão de política de esquerda ou de direita como os defensores do «não» insistiram no referendo de 1998 e conforme agora finalmente já se reconhece amplamente. É sobretudo uma questão de consciência, mas também com numerosos outros aspectos.
Por exemplo a ciência com o melhor planeamento familiar e com as recentes descobertas sobre a origem da vida reforçam profundamente a votação no «não». O coração já bate por volta do vigésimo dia, à sexta semana já há reflexos nervosos, à oitava semana os órgãos estão praticamente formados. O referendo também não é uma questão religiosa, conforme igualmente fiz questão afirmar na minha declaração de voto apresentada na Assembleia da República acima referida.
Sublinhe-se contudo que cristãos, islâmicos, budistas, hindus, etc são contra o aborto e o mesmo estipulam documentos também com milhares de anos, mas não religiosos e que são verdadeiros marcos civilizacionais, como o código de Hamurabi de Babilónia e o Juramento de Hipócrates. Este Juramento é aliás aquele que todos os médicos fazem para defenderem a vida, não se compreendendo como agora alguns o esquecem, demonstrando uma completa falta de fidelidade a esse compromisso ético essencial.
Devido a haver muitas pessoas ainda confusas, devo acentuar que um crente verdadeiramente coerente não pode ir contra os alicerces da sua fé. Por exemplo, um católico não pode votar «sim».
“Só com grande apoio à maternidade se pode começar de imediato a desactivar esta poderosíssima «bomba de relógio demográfica»”.
Não deveriam existir políticas pró-natalidade para combater a diminuição da taxa de natalidade e o envelhecimento da nossa população?
No passado mês de Outubro, a Comissão Europeia reconheceu que “a bomba de relógio demográfica” está prestes a explodir e, assim, deu um plano de cinco medidas que deverão ser aplicadas em cada país, que prevêem, entre outras: “ajudar os cidadãos a equilibrar a vida profissional e privada para que possam ter os filhos que desejarem”, “agilizar a viabilidade das finanças públicas para contribuir para garantir uma produção social de longo termo”.
No passado dia 19 de Dezembro, na Assembleia da República, o Ministro de Estado e da Administração Interna, Dr. António Costa, resumiu muito bem este problema: “As sociedades europeias têm vindo a sofrer um impacto fortíssimo do declínio e envelhecimento demográfico, facto que tende a agravar-se. Mesmo com os fluxos migratórios anuais, o declínio da população activa da União a 25 implicará uma diminuição do número de trabalhadores em cerca de 20 milhões até 2030 e de 48 milhões até 2050…”. Assim, só com grande apoio à maternidade se pode começar de imediato a desactivar esta poderosíssima “bomba de relógio demográfica”.
A Alemanha, desde o passado dia 1 de Janeiro, foi o primeiro país a concretizar medidas pró-natalidade; sublinhe-se que tivera agora o mais baixo índice de natalidade desde a 2.ª Guerra Mundial.
Na Europa, a diminuição da natalidade terá um impacto mais grave em 6 dos 25 países: Portugal, República Checa, Hungria, Grécia, Chipre e Eslovénia, devido à conjugação de vários factores.
Em 2005 Portugal registou, pelo terceiro ano consecutivo, outra quebra de natalidade, mais de metade das novas famílias não têm descendência e 24% têm apenas um filho, estando a natalidade abaixo da média europeia. O Eurostat prevê que daqui a apenas onze anos comece a diminuição da população do nosso país, mesmo com a imigração, que nos ajuda com largas milhares de pessoas.
Em todos os países onde se liberalizou o aborto este aumentou (abortos legais+clandestinos): no Reino Unido triplicou, na Austrália ficou dez vezes maior, em Espanha o aumento foi de 75,3% entre 1993 e 2003. Este aumento está aliás de acordo com as regras mais básicas do raciocínio lógico; não se combate um fenómeno liberalizando-o e toda a política legislativa, como por exemplo o combate ao tabagismo, à poluição, à insegurança rodoviária, demonstra isto. A ideia da diminuição do número de abortos com a liberalização, surge porque se compara o número de abortos clandestinos anteriores e sem qualquer fiabilidade. Em Portugal, por exemplo, em 1998 referiam-se 200 mil e agora 20 mil abortos clandestinos, mas a Direcção-Geral de Saúde mostra reduzido número de internamentos por complicações fora do quadro legal: em 2004, ausência total de mortalidade e apenas 1426 internamentos.
Como vimos, o nosso país, mesmo sem liberalização do aborto, é um dos seis com maior impacto na diminuição da natalidade. Se, eventualmente o sim ganhasse, Portugal desapareceria por falta de população, conforme nos avisou o Filósofo José Gil e outros estudiosos poder acontecer, mesmo sem a liberalização.
Procuro defender as mulheres na sua essência e globalidade.
Com a liberalização, o aborto banaliza-se. Por exemplo, em França, o número de abortos mantém-se elevado (cerca de 200 mil/ano), apesar da maior prática do planeamento familiar, porque se recorre mais vezes ao aborto quando falham os métodos contraceptivos, para eliminar as gravidezes indesejadas.
Aceitar que o Estado e a sociedade só têm para oferecer à mulher com dificuldades em assumir a sua gravidez, as alternativas do aborto clandestino e do aborto legal, eliminando crianças saudáveis, é inclusivamente, aceitar que não se cumpram as recentes normas comunitárias de apoio à maternidade e é um verdadeiro retrocesso civilizacional. Como escreveu o meu falecido marido António de Sousa Franco em 1998, a propósito do anterior referendo: “a legalização do aborto livre, diferente de justificação ou desculpabilização de casos concretos – é a passagem de uma fronteira decisiva, representando um grosseiro recuo nessa protecção, que permite – como outrora na lei da selva – o domínio dos fortes sobre os fracos, dos que já estão na vida sobre os que vêm depois. Essa não é a sociedade humana que sempre idealizei”.
O aborto nunca é a única alternativa?
O aborto nunca é a única alternativa. Nos casos mais extremos há ainda a adopção, a qual deve ser agilizada, pois em Portugal há muito mais pedidos do que crianças adoptáveis e os processos demoram 6 ou 7 anos. Tem também de haver maior protecção das crianças que nascem em famílias que as maltratam.
Devem-se conjugar todos os esforços para que a elevadíssima percentagem de mulheres que não queriam abortar, e que só o fizeram por falta de apoio de familiares e da sociedade tenham o amparo pelo qual anseiam.
Colectivamente há obrigação urgente de defender as mulheres , as crianças e os homens de forma a que a sociedade seja mais solidária, melhor e mais feliz.
O que tem sido o seu trabalho como deputada socialista nesta legislatura?
Tem sido muito interessante. Faço parte da Comissão dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e sou presidente do Grupo de Trabalho dos Assuntos Culturais. Como profissional sempre fui da área da Cultura, mas por outro lado, sempre achei que é fundamental ter uma visão do que se passa no Mundo, para ajudar a que Portugal progrida. Por isso é com muito gosto que estou também na Comissão dos Negócios Estrangeiros.
Em relação a Coimbra, distrito que esteve sempre no meu coração, pois até fiz questão de me casar na Sé Velha, tenho feito uma série de trabalhos que me têm dado o maior prazer e estou sempre disponível para ajudar naquilo que eu puder.