Fé e Compromisso
UM DINAMISMO NOVO
José Dias da Silva
As férias são normalmente tempos sossegados em termos de grandes acontecimentos. Também na Igreja se pode aplicar a regra. A grande "agitação" é talvez a mudança de párocos, um exercício que passa um pouco despercebido, mas que deve significar para quem é bispo um tempo de angústia humana e de muita fé no Espírito Santo. Não sei como se fazem estas coisas e cada bispo terá a sua metodologia: toma as decisões sozinhos, prepara-as com os seus colaboradores mais próximos, procura a opinião dos párocos "vizinhos", ouve os fiéis envolvidos, pelo menos através dos seus Conselhos Pastorais?
Seja como for, deve ser um tempo de algum sofrimento. Por isso, recordo com alguma ironia aquelas palavras do documento preparatório do Sínodo sobre os Bispos: "a escassez de presbíteros aumenta o dever do bispo de ser administrador da graça, sempre atento a discernir a presença de necessidades reais e a gravidade das situações, procedendo a uma distribuição sábia dos membros do seu presbitério e a prover a que, mesmo em emergências semelhantes, as comunidades dos fiéis não sejam privadas da Eucaristia durante muito tempo". A ironia vem do facto de que quem escreve estas coisas vive num espaço onde há mais padres por metro quadrado no mundo e não faz ideia do que se passa "lá fora"!
A mudança de pároco pode ser uma óptima oportunidade para rever aspectos que já estão ultrapassados, mas que a inércia vai mantendo, sem qualquer interesse para a comunidade. Mas também terá de haver o bom senso de não mudar só por mudar ou porque não se gosta de serviços e grupos que estão a fazer bom trabalho.
O problema é que hoje vivemos tempos de profundas mudanças. É certo que mudanças sempre houve, mas o que hoje nos afecta é a própria natureza da mudança, que nos obriga a pensar o futuro de modo diferente e a não ficar à espera que as coisas andem por si. Não pensamos suficientemente no futuro nem fazemos uma leitura dos sinais dos tempos e, portanto, escapam-nos sinais que dariam indicações preciosas. É que, tanto na sociedade como na Igreja, temos de ter ideias claras sobre o que queremos, precisamos de ser guiados por uma "visão de futuro", caso contrário corremos o risco sério de, caso não saibamos para onde queremos ir o mais certo é não chegarmos lá!
Se falo disto, é porque estamos em início de ano pastoral. Certamente que as paróquias mais previdentes já terão definido os seus projectos, a sua "visão de futuro", mas não há muito o hábito de programar atempadamente e a fé no Espírito Santo é demasiado grande para querer antecipar as coisas!
A história recente deixa-nos exemplos de como ter objectivos claros é importante para uma sociedade. A proposta inesperada e aparentemente pouco credível de J. Kennedy de colocar um homem na Lua numa década mobilizou toda a nação americana. Ou o sonho de Luther King de lutar pela igualdade racial conduziu os americanos a terem hoje como candidato presidencial um homem de cor. É, pois, importante, que também as comunidades eclesiais se proponham objectivos ambiciosos e mobilizadores, sobretudo com cristãos demasiado amorfos e pouco participativos. A mudança de pároco pode ser um bom catalizador.
João Paulo II acautelava para a necessidade de "um dinamismo novo que nos leve a investir em iniciativas concretas" criativas e mobilizadoras pois "o nosso tempo é vivido em contínuo movimento, que muitas vezes chega à agitação, caindo facilmente no risco de "fazer por fazer". Há que resistir à tentação, procurando o "ser" acima do "fazer" (NMI 15).
Há, pois, que definir prioridades e não querer fazer tudo. Há que encontrar eixos mobilizadores e pôr toda a comunidade em sintonia com eles de modo a que cada grupo, sem deixar de ser fiel aos seus objectivos, se enquadre na dinâmica comunitária que melhor responda aos desafios de hoje.
Atendendo a que o "homem (concreto e situado) é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão" (RH 14) e que "a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja" (EN 14), João Paulo II define um objectivo muito claro para todas as comunidades eclesiais: "Descobrir e ajudar a descobrir a dignidade inviolável de cada pessoa humana constitui uma tarefa essencial, diria mesmo em certo sentido, a tarefa central e unificadora do serviço que a Igreja, e nela os fiéis leigos, é chamada a prestar à família dos homens" (ChL 37).
Ao programar as suas actividades, cada comunidade deve colocar-se ao serviço desta tarefa essencial, central e unificadora, procurando os meios adequados para que pela catequese, pela liturgia e pelo serviço fraterno descubra e ajude a descobrir a dignidade inviolável de cada pessoa, seja ela criança ou adulto, pobre ou rico, são ou doente.
Tudo isto obriga a mudar muitos hábitos instalados e o imperativo evangélico do "convertei-vos" não tem, entre nós, grande repercussão. Mas, se as nossas comunidades não se "converterem" de pouco adianta lamentarmo-nos de que temos as igrejas cada vez com menos pessoas.