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10 de setembro de 2008

Honorabilidade Seiscentista


José Eduardo R. Coutinho


Encarado, geral e superficialmente, como um longo e penoso período da vida nacional portuguesa, o século XVII comporta uma identidade singularmente longânime, de paciente retonificação e heróica fortaleza porque, ao invés das centúrias anteriores e seguintes, denota particularidades de visível virtude, nem sempre realçadas ou reconhecidas, pois, continuando mal estudado, permanece menosprezado, pelo simples motivo de principiar, para nós e factualmente, com o desastre de Alcácer Quibir, em 4 de Agosto de 1578, e terminara com a consolidação do Portugal Restaurado, após o prolongado rescaldo que terminara na paz, de 1668, reinando Dom Afonso VI.
Depois de ter sido feito cair na directa dependência do vizinho monarca, em detrimento do Prior do Crato, ambos netos de Dom Manuel, mas, preterido da sucessão, por aversão do ambicioso Cardeal Dom Henrique, o País fica entregue a si mesmo: sem reconhecimentos estrangeiros, empobrecido de meios e de gentes, e privado das riquezas comerciais, advindas das possessões ultramarinas, maioritariamente usurpadas pelos outros potentados europeus, restava a estagnação social e política, processada num arrastado sofrimento, de seis décadas consecutivas que, revestidas de cinzas inertes, mantiveram incandescências activas, no melhor brio da consciência patriótica.
Utilizar expedientes criativos viria a ser o móbil determinante de contornar infortúnios, porquanto aquilo que escasseava em meios materiais, para distintas e variadas realizações grandiosas (arquitectónicas, decorativas e todas as demais) é sublimado nesses específicos empreendimentos, cuja urgente necessidade teve sucedâneos imensamente válidos nos plúrimos recursos adoptados no solucionamento das exigências mais prementes, fosse nos utensílios diários, fosse nos bens do quotidiano, com particular incidência no vestuário, na louça, no mobiliário, nos têxteis e nas diferentes indústrias artesanais, conjuntamente congregadas num admirável movimento sócio-económico, jamais abrandado e digno do maior apreço.
Alguns poucos fidalgos, esclarecidos ou endinheirados, eclesiásticos diocesanos e das ordens religiosas – estes, particularmente –, a par da nobreza, de ricas irmandades e de misericórdias constituem o sector responsável pela manutenção daquelas referidas actividades e, de maneira exponencialmente surpreendente, pelo revigoramento do sector industrial português, encomendando, adquirindo e promovendo a produção nacional que, longe do ressentir a desventura, padecer recessões ou restringir o consumo corrente, obtém similar procura, enquanto disponibiliza respostas satisfatórias, através da óptima qualidade patente, nos tecidos multicolores, na faiança vidrada, na marcenaria torneada, na hábil aplicação do metal amarelo, na imaginária artesanal, na omnipresente difusão dos azulejos, na espessa prataria, nos marchetados e douramentos da boa madeira exótica…
Realmente, é, de modo preciso, com estes ingredientes, materialmente pobres – fibras têxteis, argilas, madeira, pirites – que a facturação permanece sustentável e a Nação vai afirmar a própria independência, demonstrando genialidade, propósitos de auto-gestão subsistente, repúdio pelas ingerências castelhanizantes e capacidade afirmativa da personalidade cívica, estética, governativa e religiosa, como demonstram as áreas da literatura, das expressões artísticas, do ensino, da fé e da resistência política, numa evidente autonomia, na qual desaparecem os passados vínculos de continuidade, para sobressair, em qualquer circunstância, o que é ainda mais português, a ponto de, na madrugada do dia 1 de Dezembro de 1640, surgir, por fim, a Restauração dinástica nacional, a feliz oxigenação do fogo invicto, nunca extinto do brasido primordial e que os povos acautelaram, nas familiares lareiras espirituais.
Desenvolver estes testemunhos históricos, que competentes eruditos e sociólogos bem podem glosar, significa perceber o inconfundível serviço plurifacetado, prestado à causa de Portugal, validando a sensata cooperação dos inconformistas, devotados ao trabalho concreto, à exclusão de frivolidades palavrosas, ao positivo empenho reparador de males inevitáveis, procurando vias exequíveis, alternativas promissoras e medidas efectivas, mediante acções consertadas e praticando sucessivas abastanças confortantes, num exemplo notável de vontade afirmativa, devotada ao serviço promotor do bem comum.
Onde parecia pairar o estiolamento, há um imprescindível alento transformador, operado num acto quase imperceptível, anualmente processado, recorrendo a variantes novas e actuais, pela operosa diligência de numerosos artífices anónimos, orientados por ignorados mestres artistas, agrupados em gente sem títulos ou adjectivos que os qualifiquem e diferencie, todavia, pessoas humildes, morigeradas, persistentes, abrigadas sob funções corporativas, devotando a vida à edificação do futuro melhor, uma massa de honrados trabalhadores mecânicos, que legaram lições e são, sem contestação, as mais dignas que podemos admirar.

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