A propósito das jornadas de teologia do ISET, que este ano decorrerão nos dias 15 e 16 de Fevereiro, fizemos uma pequena entrevista ao Padre Doutor Jesus Ramos, director daquela instituição. Sendo o tema de reflexão o papel dos leigos no futuro da igreja, aquele professor afirmou-nos que "precisamos, agora e no futuro, de um laicado actuante". E acrescentou: "Mas não teremos um laicado actuante, se, antes, este se não tiver preparado; e não teremos ocasião de o preparar se, antes, o não tivermos convencido".
Correio de Coimbra (CC) – As jornadas de teologia do ISET vão reflectir, este ano, sobre "Os leigos e o futuro da Igreja". Alguma razão especial para a escolha deste tema?
Doutor Jesus Ramos (JR) – Desde há mais de vinte e cinco anos que o ISET organiza as suas jornadas de reflexão, procurando, através desse meio, prestar um serviço às comunidades cristãs em que está inserido. A nossa missão principal é a de formar, sob o ponto de vista da preparação teológica, os futuros sacerdotes. Mas também nos cabe a obrigação de proporcionar uma adequada instrução doutrinal a todos os membros da Igreja.
CC – Não respondeu exactamente à nossa pergunta…
JR – Eu sei! Antes, porém, do objectivo particular destas jornadas, eu pretendi enquadrar a finalidade global da nossa acção como instituição dedicada ao ensino da teologia. Essa acção, podemos desenvolvê-la de diversas formas, nomeadamente através destes encontros de reflexão, sobre um tema específico, abertos a todos os que queiram participar.
CC – Mas qual a razão da escolha deste tema dos leigos no futuro da Igreja?
JR – Antes de mais, porque é um tema actual. Depois porque se trata de uma reflexão necessária. E, se quiser uma terceira razão, dir-lhe-ei que este tema faz parte das preocupações dos responsáveis da Igreja nestes últimos decénios. Isto, mesmo a nível da igreja local. O senhor D. João Alves, bispo emérito de Coimbra, tinha entre as suas preocupações a formação de um laicado empenhado, que testemunhasse a presença eclesial no meio do mundo do trabalho, da cultura, da família. E o senhor D. Albino Cleto, que agora completa vinte e cinco anos de episcopado, em entrevista à Rádio Renascença, enumerou entre os objectivos do seu pontificado pastoral em Coimbra, o da preparação dos leigos, nomeadamente de professores e estudantes que levem Cristo ao mundo da Escola.
CC – Trata-se de um objectivo difícil de realizar
JR – Muito difícil! A Igreja do século XXI tem, atrás de si, uma longa história de apostolado e de evangelização levada a cabo quase exclusivamente por elementos do clero. Nas paróquias, quem pontificava era o sacerdote; nas missões, nada se fazia sem o missionário eclesiástico; nas escolas teológicas não havia lugar para professores leigos…
CC – Mas tudo isso está a mudar…
JR – Lentamente! Mas, graças a Deus, estamos num tempo de mudança. O Concílio Vaticano II é um marco histórico, daqueles que assinalam a passagem para novas etapas, sem sobressaltos e sem esquecer ou pôr de parte o passado. Nesse sentido, o Concílio veio recordar-nos que a Igreja, para ser actuante no mundo, precisa do empenho de todos, a começar por aqueles que estão na base e são em amior número: os leigos.
CC – Está aí o fundamento da escolha do tema destas jornadas?
JR – De certo modo, sim! Hoje em dia, a Igreja tem que contar, na sua missão, com um laicado actuante. Mas não teremos um laicado actuante se, antes, se não tiver preparado. E não teremos oportunidade de o preparar se, antes, o não tivermos convencido da importância do seu papel no trabalho global da evangelização.
CC – Isso está já a ser feito?
JR – Claro que sim! Mas é muito mais o que está por fazer! Temos, hoje, dezenas, centenas, milhares de leigos empenhados na evangelização. Basta contarmos o número de catequistas, quase todos leigos, homens e mulheres, jovens e adultos, que trabalham em todas as nossas dioceses. Reparemos também no número crescente de jovens e até de casais que se empenham em tarefas missionárias, quer entre nós, quer em África ou na América Latina. No entanto, sobretudo a nível das nossas comunidades tradicionais, todos notamos a falta de um empenhamento laical que transforme a realidade. Nas nossas paróquias, estamos quase sempre à espera do pároco, mesmo que este tenha cinco ou mais freguesias, para decidir seja o que for. É preciso mudar a acção pastoral, o que só será conseguido se, antes, mudarem as mentalidades.
CC – Essa mudança necessita de modelos, de alguém que tenha começado, de bons exemplos…
JR – Claro! Por isso, a nossa proposta, este ano, é a de serem os leigos a falar aos leigos. Ou melhor, os leigos a reflectirem sobre a condição laical. Nós temos, felizmente, muitos homens e mulheres, cristãos exemplares, empenhados nas mais diversas tarefas do mundo, desde a cultura à política, passando pelo trabalho e pela escola. Pois vão ser precisamente esses que vão testemunhar o seu empenho em favor da construção do reino de Deus, que começa aqui e agora. Entre outros, ouviremos o testemunho do Prof. Adriano Moreira, do Prof. Guilherme Oliveira Martins, do Eng. João Rebelo, do Dr. Abel Pinto, para citar apenas alguns.
CC – Mas a última palavra é reservada para a hierarquia…
JR – O fundamento da Igreja é o ensino apostólico. Eu creio na Igreja apostólica! Mas não houve intenção, ao pedir a intervenção do senhor D. Manuel Clemente, que fosse a sua a última palavra. Todos estamos no mesmo barco, e a evangelização é tarefa de todos.
CC – Por isso, todos os interessados podem participar nestas jornadas…
JR – Todos! Sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas! Jovens, adultos e reformados. De todas as profissões. Todos os que integram o Povo de Deus!
Miguel Cotrim (Texto)