1. Esta semana, a Igreja, apesar de, aos olhos do mundo, parecer que perdeu, saiu duplamente vencedora. Primeiro, porque nos toca de muito mais perto, a nível local, com o passamento inesperado do caríssimo Padre Abílio Simões, pároco da Mealhada, professor no Instituto Superior de Teologia e colaborador assíduo no "Correio de Coimbra". A este propósito, além da notícia inserida noutro espaço deste número, apenas dois pequenos comentários. O primeiro, sobre a personalidade simples e forte do Padre Abílio. Sempre com a preocupação de não dar nas vistas, a sua actuação como pároco, como professor e como cidadão foi, a todos os títulos, meritória. Recordo, aqui e apenas, os factos em que fui interveniente. Em meados da década de noventa, por baixo da porta do "Correio", comecei a encontrar, quase todas as segundas-feiras, um envelope com um pequeno artigo de opinião, sempre acompanhado de uma nota mais ou menos nestes termos: "Ramos Amigo: se achares que tem algum interessa, podes publicar no jornal. Doutro modo, o destino do escrito é o cesto dos papéis". Do mérito desses artigos, são juízes os nossos leitores. Acontece, porém, que, a certa altura, pedi ao Padre Abílio uma fotografia para figurar, como todos os outros, na entrada da sua prosa. Repeti várias vezes o pedido, e nunca me atendeu. O que escrevia era um serviço à comunidade diocesana e não uma ocasião para se promover, como o pretendem tantos (digo eu!) com muito menos merecimento.
2. O segundo comentário, ainda sobre o caro Padre Abílio, em que fui interveniente, por dever de ofício, refere-se ao pedido que, há cerca de dois anos, lhe fiz para dar aulas de latim e grego no Instituto de Teologia. Sem pestanejar, aceitou de bom grado, com grande sacrifício para a sua vida pastoral (além de pároco da Mealhada e Vacariça, era também capelão no Hospital de Cantanhede e professor na Escola Secundária local), e com uma condição que agora aqui revelo: "Vou, mas não quero qualquer pagamento. Para quem fez de mim grande parte do que sou, nem pensar em retribuições". Um e outro casos não precisam de comentários. Resta-me inclinar-me, com toda a ternura que nasce da fraternidade, à sua memória. Foi bom ter-te como amigo e como irmão, meu caro Abílio! Com a tua vida e o teu serviço, a Igreja saiu claramente vencedora!
3. Outro acontecimento em que a Igreja, nesta semana, saiu vencedora foi o do referendo. Muitos disseram que os cristãos perderam, que os católicos foram derrotados. E, à primeira vista, isso até se pode assumir como verdade. A Igreja tem como princípio a defesa da vida, antes e acima de qualquer outro valor, e os portugueses, pelo menos numa primeira leitura, substituíram-no por outro, secundário, a meu ver: o de um possível bem-estar imediato da mulher. No entanto, apesar de se lamentar que um país que, em certos momentos, se declara escancaradamente humanista, noutros, regresse ao hedonismo primário dos tempos da barbárie – apesar disso, penso que a Igreja e o cristianismo obtiveram um resultado positivo, constituído sobretudo pelo empenhamento de muitos fiéis leigos que entraram na liça de peito feito, seguindo a doutrina da Concílio Vaticano II que tirou o laicado da menoridade a que fora votado durante séculos. Com leigos assim, com cristãos deste calibre (embora alguns se tenham passado, certamente por engano, para as hostes inimigas) não tenhamos receio do futuro. A causa da vida acabará, mais tarde ou mais cedo, por triunfar. Mas isto requer o empenhamento positivo de todos. As vitórias conquistam-se com trabalho, com esforço e com a participação objectiva de todos os que querem um futuro melhor – mais humano e, por isso mesmo, mais cristão.
A. Jesus Ramos