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10 de outubro de 2008

TEMPOS DIFÍCEIS


Vivemos um tempo em que as crises se sucedem a um ritmo pouco habitual. Além do mais, apresentam-se como imprevisíveis e é significativo que as previsões das várias agências nacionais e internacionais estejam continuamente a alterar os seus valores.
Esta imprevisibilidade dificulta não só as planificações dos governos, mas também a de outras instituições, nomeadamente as religiões. O futuro é cada vez mais incerto, o que deveria estimular uma maior participação de todos na sua construção de modo a que ele não surgisse aleatoriamente mas o factor humano pudesse ter uma palavra a dizer.
É certo que a maior parte das crises tem uma origem, directa ou indirectamente, humana. Não dispomos de valores estruturantes que nos permitam trabalhar em conjunto para um futuro melhor, a não ser o dinheiro e os seus incondicionais sacerdotes e fiéis. Olhando para trás vemos que a maior parte das crises resultam da ganância humana, de alguns humanos. Deixamos que o deus supremo do nosso panteísmo de ídolos, o dinheiro, marque o ritmo e as intenções da maior parte de nós. O pior é que o dinheiro domina tudo sob as mais diversas formas e tem efeitos catastróficos: estimula a planificação a curto prazo para garantir rendimentos imediatos a gestores que pouco se importam com os efeitos posteriores; multiplica a corrupção, a cunha e o compadrio; favorece o consumismo desenfreado e inútil; incita a formas ilícitas e anti-sociais de comércio, como o da droga, da prostituição, das armas, de tráfico de pessoas; proporciona a especulação que origina as "bolhas" (imobiliárias, financeiras, etc.) que quando rebentam põem as economias em extrema dificuldade.
O último exemplo mostra bem o que acabo de dizer e sobretudo as suas consequências danosas. Milhões e milhões de dólares e euros públicos tiveram de ser utilizados para salvar grandes instituições financeiras. É certo que todos estes milhões foram necessários para salvaguardar os interesses dos cidadãos cuja estabilidade de vida dependia do bom funcionamento dessas instituições. Mas não deixa de ser irónico que os principais símbolos do capitalismo (selvagem?), quando se encontram em dificuldade, tenham de se socorrer dos dinheiros públicos, aceitando e até exigindo, no fundo, práticas "socialistas", tão criticadas em tempos de vacas gordas.
Olhando para os números verifica-se que eles são semelhantes aos que se gastam com a guerra do Iraque, por exemplo. E o mais dramático é que havendo tanto dinheiro para uma guerra e para injectar nas instituições bancárias, não haja, ao menos, os 10% necessários para eliminar a pobreza e a miséria em que vive a grande maioria da humanidade. Há dinheiro para matar. Há dinheiro para tapar a cobiça dos especuladores e as más gestões das instituições. Mas não há para salvar vidas e ajudar tantos milhões de pessoas a ser mais pessoa e a viver com o mínimo de dignidade. Evidentemente que não se trata de dar dinheiro sem mais e a quaisquer governantes dos países pobres, mas de com ele criar condições para um desenvolvimento humano e solidário de cada pessoa e cada povo e para a sua justa integração no concerto das nações.
Estranho mundo o nosso onde a morte (das pessoas ou das instituições) merece de longe muito mais atenção que a vida.
Por outro lado estas crises também nos deixam lições. Todas as crises têm aspectos positivos, na medida em que, atingindo dolorosamente as pessoas, as acordam para a realidade real. O que profetas foram anunciando e denunciando ao longo dos anos não teve qualquer efeito no estilo de vida das pessoas. Foram sempre vozes que clamaram no deserto. Entravam num ouvido e saíam pelo outro. Ou, o mais certo, é nem sequer entrarem por nenhum dos ouvidos. Há muito que se clamava que pessoas, famílias e povos não podem viver acima da suas possibilidades, que tínhamos de mudar de vida, tornando-a mais sóbria e frugal, porque a natureza não aguentaria os nossos exageros, que as especulações arrastariam muita gente para a pobreza. Mas a nada demos ouvidos. Continuámos a viver como se tudo sempre corresse de feição. Mas de repente (talvez não tão imprevisivelmente com se diz) os ventos mudaram de rumo.
E agora aí estamos nós a bater no fundo. O que só pode ser bom, pois quando se bate no fundo já não se pode afundar mais. É só a subir… se quisermos dar uma ajuda. Mas para isso tem que haver vontade política e querermos mudar os hábitos de vida.


José Dias da Silva

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