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10 de outubro de 2008

Ex-Votos e Tabulae Votivae


Por José Eduardo R. Coutinho


A oferenda, o quadro, a figura ou a inscrição que, em cumprimento de um desejo ou aspiração, é colocado numa igreja, capela ou ermida, recebe a designação latina de ex-voto, a expressão que, etimologicamente, significa consoante promessa, aquilo que deixou de ser, porque foi concretizado.
Essa prática provém do remoto costume pagão de entregar, à divindade invocada, após um voto formulado e atendido, a respectiva oferta prometida, outro tanto sucedendo no cristianismo, para com Deus, Nossa Senhora e os santos, em ocasião de angústia, doença grave, perigo de naufrágio, iminência de guerra, de cativeiro, de cão danado, ataque de feras, assassínio, perigo de morte dos animais domésticos e de gados, entre outros.
Uma vez grangeada a graça implorada, logo era entregue, no preciso lugar oficial de culto, o objecto prometido, em cumprimento do voto efectuado, num evidente reconhecimento do favor, alcançado pela divindade invocada, visto consubstanciar a oferta, resultante de um compromisso assumido.
O procedimento remonta à esteatopigia pré-histórica, passando pelas figurações, em terracota, de mulheres similares, no Alto–Egipto, pelos diversos testemunhos da Grécia e de Roma, cujo santuário do Epidauro detinha notável quantidade das mais qualificadas oferendas, ali recebidas.
Perante a vastíssima variedade conhecida, é difícil classificar a categoria tipológica dos ex-votos, apenas regulados pela fantasia dos intervenientes, tanto das classes plebeias, como da aristocracia e do clero, ao recorrerem a objectos bastante diversos para manifestarem os sentimentos religiosos, que os motivaram.
Assim, a par dos quase insignificantes, surgiam os de valor elevado e de grande primor estético, aparecendo peças de cera, madeira, mármore, metal; lâmpadas, candelabros, cruzes, figuras simbólicas, vasos sagrados e coroas opulentas, visigóticas, de ouro e pedraria preciosa, como as de Suintila e de Recesvinto, colocados diante dos altares, na pérgula, o dispositivo similar à iconostase grega; e as representações de braços, pernas, olhos, seios, genitais, corações, rins, meninos e animais, principalmente.
Também os quadros pintados, com as cenas motivantes das oferendas, apesar de serem incluídos naquela referida nomenclatura, merecem uma designação mais incisiva, como a de tabulae votivae, por constarem de painéis, ou, retábulos, com nítida feição perdurável e solene, sucessoras das placas de metal, mármore, calcário e granito, inscricionadas e referentes aos factos que as determinaram, ostentando o nome da divindade, a identificação do dedicante, o motivo da dedicatória e a fórmula final consacratória, libens votum solvit (de livre vontade, cumpriu o voto), patente nas aras e cipos romanos.
Na verdade, os quadros encaixilhados e as placas emolduradas tiveram enorme divulgação, quer nos templos pagãos, quer nas igrejas, sacristias e capelas que, tal como aparecem, frequentemente, nos sítios de romarias, historiam os densos momentos em que surgiram, motivados por doenças, desastres naturais, acidentes, naufrágios e fatalidades.
Bastante procuradas por antiquários e colecções museológicas, mesmo que particulares, requerem particular atenção, no âmbito dos bens culturais da diocese, pelo facto de serem representações pictóricas isentas das sofisticações estéticas das outras pinturas, de reterem o episódico da existência atribulada, de traduzirem plena ingenuidade vivencial, de aludirem actividades simplistas, artesanais, e de conterem textos informativos, que muito valem na etnografia do País e são um repositório de desafios gramaticais.
Sendo fixações visuais dos instantes dramáticos, lá está o barco, na contingência de ser afundado pelas vagas alterosas, quando referem naufrágios; o moribundo, no leito, rodeado pelos familiares, a rezar, e, no alto, entre nuvens e auréolas, a imagem de Cristo, de Nossa Senhora ou do Santo, consoante a invocação, logo seguida do texto expositivo, coloquial e, por vezes, alheio às regras vocabulares, obedecendo, sempre, à mesma norma geral: Milagre que fes Nossa Senhora de… a F . … no ano de… .

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