Editorial
A viagem do Papa à África foi ocasião para uma denúncia corajosa de alguns dos maiores problemas que entravam o progresso económico e o equilibrado crescimento social daquele grande e esperançoso Continente. Em Angola, diante das autoridades que governam o país, mas dirigindo-se a todos os dirigentes africanos, colocou o dedo nas grandes feridas da corrupção, da apropriação indevida por parte de alguns bens que são de todos, da opressão escravizante de que são vítimas populações inteiras, do autoritarismo acompanhado da violência, do desrespeito por muitos dos direitos fundamentais da pessoa humana, nomeadamente o desrespeito pela vida de homens, mulheres e crianças.
A denúncia teve algum eco nos meios de comunicação social, que dedicaram ao assunto páginas no interior dos jornais ou nas segundas partes dos boletins noticiosos. Porque o espaço nobre dos noticiários foi ocupado com a referência feita pelo Papa ao uso do preservativo como forma de travar o avanço assustador da sida, essa terrível doença que vitima milhões de africanos todos os anos.
Muitos ficaram escandalizados com a afirmação do Papa, acrescentando ou mesmo concluindo precipitadamente que Bento XVI estava a abrir as portas da condenação de populações inteiras a uma morte aviltante e prematura. Nada mais falso do que isso, até porque é do conhecimento de todos que as instituições ligadas à Igreja Católica têm estado sempre na primeira linha de combate a essa terrível e dizimadora epidemia. Sempre foi apanágio da Igreja, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, prestar redobrada atenção aos doentes. Quem, mais do que a Igreja, criou leprosarias em todo o mundo, levando o testemunho até à doação da própria vida, como aconteceu com Damião de Molokai? Quem, mais do que a Igreja, assistiu os doentes da peste negra, sendo quase incontáveis, por exemplo os discípulos de Camilo de Lellis, os que contraíram essa contagiosa doença no contacto com aqueles a quem procuravam aliviar as dores?
Quem, mais do que a Igreja, anda aí, pelas grandes cidades a recolher os moribundos, para que tenham uma morte digna, como fazem os irmãos do português João Cidade ou as missionárias de Madre Teresa Calcutá? A atenção que é devida aos que sofrem de lepra, de peste ou de sida não pode, no entanto, riscar do campo dos princípios aquilo que é anterior à própria doença: a norma inscrita na consciência de cada ser humano. Quer isto dizer que devemos usar todos os meios ao nossa alcance para curar os doentes e para prevenir que outros venham a contrair a doença, não esquecendo porém que o preservativo é a solução mais fácil, mas não é a solução que mais dignifica o homem. A educação para o uso equilibrado da sexualidade humana não pode ser posta de lado apenas pelo facto de se terem descoberto meios que permitem práticas que, em vez de enobrecerem, apenas, servem para aviltar o homem. O Papa não pode nem deve fazer mais do que defender o princípio da humanização e de chamar a atenção para as tentativas de tornar o transitório em definitivo, e de transformar a excepção, aceitável num certo momento e em determinadas circunstâncias, em norma inultrapassável. Cuidemos, pois, dos doentes infectados pela sida, dêmos-lhes todo o conforto e carinho que merecem e precisam, mas continuemos também a proclamar que o ser humano e a sua sexualidade não são redutíveis a recursos tendentes a privar o homem da sua racionalidade e da sua capacidade de autodeterminar, através do exercício da vontade, o seu próprio comportamento.
A. Jesus Ramos
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