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29 de outubro de 2008

UM NOVO MODELO DE BEM-ESTAR

José Dias da Silva


Em recente conferência de imprensa, D. António Marto, tendo como pano de fundo a actual crise financeira, falou do falhanço de um modelo de vida que dá prioridade ao “consumismo desenfreado” e da necessidade de “rever a relação com o dinheiro, as poupanças e o recurso ao crédito”. Denunciou um “sistema financeiro desligado da economia”, que se considera “como um fim”. Considerou obrigatória a revisão da remuneração dos dirigentes de instituições financeiras, que são “verdadeiramente escandalosas”.
Mas não se ficou apenas pelos dirigentes, pois neste momento todos devem envolver-se seriamente na criação de “novos modos de vida, novos modelos económicos e financeiros” e de se “interrogarem sobre práticas especulativas que visam a rentabilidade máxima a curto prazo”.
Estas palavras recordaram-me outras semelhantes, embora num tempo diferente, de João Paulo II: “Torna-se, por isso, necessário e urgente uma grande obra educativa e cultural, que abranja a educação dos consumidores para um uso responsável do seu poder de escolha, a formação de um alto sentido de responsabilidade nos produtores e, sobretudo, nos profissionais dos mass-media, além da necessária intervenção das autoridades públicas” (CA 36).
Todos percebemos que as sucessivas e crescentemente graves crises que nos vêm atingindo têm como denominador comum o dinheiro: a ganância do lucro imediato e do dinheiro fácil, ou na célebre expressão do anterior Papa, “a avidez exclusiva do lucro e a sede do poder a qualquer preço” (SRS 37).
Talvez se trate do que um bispo guatemalteco chamou, no Sínodo, uma «teologia da prosperidade», que apresenta a pobreza como ‘maldição’ e a riqueza como ‘bênção e prosperidade’. O que conta é ter dinheiro, que dá poder que permite fazer o que bem nos apetece. Perdemos a hierarquização das coisas. Deixámo-nos levar pela sede do dinheiro, mas também pelo imediato, pelo fácil, pelo “não estou para me chatear”, gastamos acima das nossas posses, não somos capazes de introduzir hábitos mais moderados e sóbrios. Isso, nem pensar, pois daria de nós uma má imagem e até a sensação de sermos uns pobres pelintras. E o resultado é que andamos muito mais “stressados”, multiplicámos o uso de medicamentos psicotrópicos, procuramos sedativos que nos ajudem a ver cor-de-rosa um mundo que não nos agrada.
Perdemos a noção do que é realmente importante na vida. Vivemos o superficial, o artificial, orientamo-nos pela opinião surgida “à mesa do café”, acreditamos, sem qualquer espírito crítico, na opinião de meia dúzia de comentadores. E até há muito boa gente que passa a vida a tentar mostrar o que não é.
Mesmo os mais responsáveis não resistem a um pecado que o pregador do Papa apontou ao comentar o episódio evangélico dos convidados para o banquete: trocamos o importante pela “pressa da vida”, pelo que consideramos urgente, mas que muitas vezes nada tem de urgente. “O que têm em comum estes diversos personagens (que recusaram o convite para o banquete)? Todos tinham algo urgente para fazer, algo que não podia esperar, que exigia imediatamente a sua presença... Está claro, então, que o erro cometido pelos convidados consistiu em abandonar o importante pelo urgente, trocar o essencial pelo contingente!”.
E são tantos os exemplos que podemos dar. Temos sempre tantas coisas “urgentes” que nos impedem de fazer o que é realmente importante. Encontramos alguém que gostaria que o ouvíssemos um bocadinho (importante), mas já vamos atrasados para uma reunião (urgente). Temos os filhos em casa a precisar de um momento de atenção (importante) mas surgiu um problema no escritório (urgente) e só chegamos noite dentro, cansados e incapazes de um gesto de carinho. Temos amigos a visitar ou a quem telefonar (importante) mas precisamos de acabar um trabalho (urgente) e fica para a próxima. Encontramos uma pessoa em dificuldade na rua (importante) mas já vamos atrasados para a missa (urgente). Sentimos umas dores persistentes (importante) mas temos o tempo tão ocupado (urgente) que não podemos ir ao médico.
E assim vamos vivendo uma vida “estúpida” onde não há espaço para o relaxe, o convívio com os amigos, os tempos de silêncio connosco próprios, a contemplação do que é belo, onde só há espaço para as correrias, para as urgências do dia-a-dia. E mais tarde, quando já não há remédio, descobrimos que realmente levámos uma vida “estúpida”. Percebemos tarde demais que com tantas urgências pouco urgentes não saboreámos nem demos a saborear o nosso amor aos filhos. Depois, quando eles crescem ou saem de casa, só então percebemos o que perdemos e não volta mais, por causa de “urgências” que podiam esperar um pouco mais e que podiam ser resolvidas se tivéssemos feito uma melhor gestão de tempo e sobretudo se tivéssemos sido capazes de hierarquizar as prioridades da nossa vida.
E (quem sabe?) se “ao chegarmos ao céu” S. Pedro, antes de nos deixar entrar, não nos perguntará: “Vens para aqui porque é urgente ou porque é importante?”
Talvez a gestão correcta deste binómio urgente-importante nos possa ajudar a encontrar um novo modelo de bem-estar. Sim, porque nós fomos criados para sermos felizes.

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