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29 de outubro de 2008

Latrocínios desenfreados

José Eduardo R. Coutinho


Partindo do primeiro texto sagrado deste trigésimo Domingo, a perícope de Ex 22, 25 determina várias reflexões bíblicas que, inseridas na Lei, como condição e proposta de Aliança, no Sinai, entre Yahweh e Israel, estabelecem regras de sadia convivência comunitária, definem critérios identificativos do verdadeiro crente no Senhor e concretizam especificidades estruturantes da salutar dimensão religiosa.
Essa prescrição foi, posteriormente, contornada pelos grandes do Povo de Deus, os que viviam de volumosos negócios e, congenitamente, possuíam a hereditariedade de Judá, o célebre filho de Jacob, autor moral e material da venda do irmão José, por vinte peças de prata, aos caravaneiros madianitas, em deslocação para terras egípcias. Vender uma pessoa livre ficara sendo crime grave, também contemplado na Lei e castigado com a pena capital (Ex 21, 16).
Na Idade Média, depois de tantos escrúpulos e problemas surgirem acerca do uso, da acumulação e dos empreendimentos efectuados com o dinheiro, com a finalidade dos lucros previstos, ele foi declarado esterco do diabo e, por isso, visto de maneira suspeita, só que, perante o largo desenvolvimento económico das cidades italianas, bem como das importantes famílias banqueiras, ligadas às potências marítimas da península itálica, teve lugar o máximo desrespeito pela norma bíblica, mas, a imortal predicação perdura inalterável.
O mundo sempre novo do Renascimento, das Descobertas, da Expansão, dos Estados Modernos, das Luzes e da vertiginosa surpresa do progresso contemporâneo acolheu-o, instalou-o, disseminou-o, venerou-o, idolatrou-o e endeusou-o, num imperceptível processo diabólico, de tal modo que, nas sucessivas escalonadas históricas, está reafirmado ser um autêntico amontoado de feses (o plural adequado ao somatório de parcela da fé nessa Besta) infernais.
Sobre tal e tão infinda montureira de nitratos excrementosos estão firmadas as sociedades modernas, com o multifacetado cortejo de tolerantes, oportunistas, simpatizantes, especialistas, burlantes e …. cientistas. Uma caterva de aldrabões de feira, piores que os psicólogos: estes, à falta de explicações aceitáveis e racionais – os Salmos ultrapassaram-nos, há milénios! – inventam teorias sectoriais; aqueles, para roubar, descaradamente, arranjam disfarces camaleónicos, enunciados como crise, inflacção, flutuações da bolsa, míngua de reservas petrolíferas, abatimentos no sistema, restrições do produto, vectores homeopáticos…
A cada momento, congeminam uma inaudita estirpe bacterio-viral, de laboratório pirata, para sacarem, com ar bem falante, de gravata continuamente a ajustar e o casaco a abotoar – notemos a significação dos gestos, consorciados à explicitude conotativa dos verbos empregues – mais uma porção financeira do bem intencionado cliente. Confiante, confiou-lhes o depósito das economias monetárias que, subtilmente, lhes vão sendo delapidadas, numa acção furtiva, continuada, como terrível peste que alastra a olhos vistos, porém, a coberto de quem sabe da marosca e nutre interesses opulentos.
Manutenção de conta, despesas várias, fabrico de cartões, gastos de papel, horas de serviço, envio de publicidade, custo dos cheques, malabarismos de mercado, utilização informática, mentiras estatísticas e outras intrujices de patifes servem de ardil, à saciedade, para iludirem a desmedida ladroeira instaurada, quando, há décadas, nada disso requeria pagamentos e, sobretudo, os depósitos estavam a salvo, dando lucros aos titulares e, muito maiores, aos próprios bancos: a moralidade a todos beneficiava.
Era assim – pretérito perfeito do indicativo e, simultaneamente, desgraçado tempo actual – deixa tudo a desejar, põe questões insolúveis e, quem poderia supô-lo, legitima o procedimento do servo que, na parábola, preferiu guardar, no lenço (a forma bancária caseira), a mina de ouro, entregando-a, íntegra, ao dono regressado (Lc 19,20-23), apesar de o mencionado senhor confiar na então honra dos bancos. Perante tão escandalosos acontecimentos, do nosso quotidiano, será que o Rabi da Galileia manteria, hoje, os mesmos termos do conhecido enunciado?
Nenhum entendido em História Medieval duvida do profundo sentido de respeito, de sigilo e de prestimosa segurança valorativa que merecia o depósito de aforros à guarda dos Templários, cujo procedimento, de princípios intocáveis, é mantido na banca suíça; segundo consta, é expressão hodierna daqueles respeitáveis guardiães, refugiados nas reentrâncias físicas das montanhas alpinas e jurássicas, ainda modelos ímpares de gestores conscienciosos, da melhor opção mundial e do mais conceituado serviço no sector financeiro, devido à origem indicada.
Todavia, o factor desonestidade, a leviana irresponsabilidade do funcionalismo novo, a ganância do lucro fácil e o jogo sujo, realizado com numerário alheio, quantas vezes obtido em resultado de persistentes privações e de repetidos sacrifícios, assumidos na laboriosa esperança de aumentar poupanças e poder amealhar algum pecúlio, já mencionado na encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, a fim de configurar uma parte fundamental da realização individual e familiar, presente e futura, dão azo à união de facto estabelecida entre bancos e economistas pantomineiros, a fazerem assados de manteiga pura, que nunca é deles, mas, dos outros.
Estes longos clamores ecoam em todos os ares, estão sentidos em todos os lugares, requerem medidas urgentes, vigorosas, eficazes e restituidoras da confiança perdida, visto faltarem práticas de solidariedade humanizante, de comunhão cristã, de verdadeiro, coerente e consequente sentido para haver um autêntico dia mundial da poupança, só justificado quando há justiça, equidade e profundo respeito pelos bens adquiridos e pelo património dos outros e de cada pessoa humana. De contrário, convém reavivar o dito apropriado a tais patifórios: matá-los é pecado; mas, enterrá-los é obra de misericórdia!

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