A laicidade à francesa
Miguel Cotrim
Na sua passagem pelo Eliseu, antes de seguir para Lourdes, Bento XVI defendeu a necessidade de "uma nova reflexão sobre o verdadeiro sentido e a importância da laicidade", num encontro em que Nicolas Sarkozy reafirmou o desejo de uma "laicidade positiva", conceito que tem gerado uma onda de reacções em todos os quadrantes políticos franceses.
De facto, a esquerda através do seu jornal "Liberation" aproveitou, dias antes da viagem do Sumo Pontífice ao país gaulês, chamar-lhe "Missão Impossível". Segundo aquele jornal, Bento XVI não fará nenhum milagre em quatro dias, e não conseguirá relançar uma Igreja enfraquecida. Os críticos enganaram-se redondamente. Esta viagem de Bento XVI àquele velho país da Europa foi uma verdadeira vitória. Conseguiu lançar novamente o debate público sobre a laicidade e o diálogo entre o Estado e a religião. Conseguiu, um pouco à semelhança de João Paulo II, apesar de não ser tão mediático, congregar milhares de fiéis na Praça dos Inválidos e no Santuário de Lourdes. Conseguiu lançar a esperança numa Igreja que estava adormecida.
O Papa não tem defendido outra coisa desde do início do seu pontificado: a separação entre a política e a religião, de modo a que seja garantindo a liberdade religiosa dos cidadãos, assim como a responsabilidade do Estado em relação a estes. Aos bispos franceses, já em Lourdes, Bento XVI disse que a Igreja não reivindica o lugar ou o papel do Estado. Aliás, ela já tem mais com que se preocupar em termos de pastoral vocacional, familiar, juvenil, etc. A Igreja em França tem assistido a um decréscimo assustador de número de praticantes.
A questão da laicidade é muito mal interpretada pela sociedade civil. Em França, houve quem escrevesse sobre a "laicidade à francesa". Como se algum dia, isto pudesse existir… Não existe uma "laicidade à francesa" como não pode existir uma laicidade contra a religião ou mesmo a favor dela. Seria um absurdo conceptual. Chamemos as coisas pelos seus nomes…
Sarkosy, para evitar mais ruídos na imprensa francesa, pediu uma "laicidade positiva". Uma laicidade baseada no diálogo, no respeito, na igualdade, na justiça e na fraternidade… foi o caminho apontado.
Neste contexto, o Papa não deixou de lembrar as raízes cristãs da França, as quais "permitem a cada habitante do país compreender melhor de onde vem e para onde vai".
Este diálogo entre Sarkosy e Bento XVI mostrou que ainda é possível uma boa colaboração entre o Estado e a Igreja, construída no respeito da independência e da autonomia de cada um no seu próprio domínio. Será sem dúvida, um excelente serviço prestado ao Homem.
Dar à sociedade civil, a liberdade de poder manifestar a sua fé através de símbolos religiosos ou práticas religiosas públicas, já é um bom começo…
Deixar a Igreja promover aquilo que faz de melhor, como por exemplo na acção social, seria um bem para todos.
Assim já poderíamos redefinir o conceito de "laicidade à francesa"!
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