Programas ornamentais dos têxteis antigos
José Eduardo R. Coutinho
Execução delicada, cujos primórdios remontam às culturas neolíticas, a produção têxtil mereceu rápidos progressos tecnológicos, com as indústrias pré-clássicas, helenísticas, romanas, celtas e muçulmanas, para mencionar as que revelaram artífices de técnica habilíssima, sobrepujando destreza manual, aptidões singulares e primorosos acabamentos do trabalho, também visível noutras expressões artesanais, manejando marfim, argila, bronze, vidro, metais preciosos e couro, produzindo variadas obras de labor opulento.
Detendo vigorosos incentivos ao desenvolvimento das actividades económicas, pela presença de tecelões judeus, no século XI, diversas cidades italianas tiveram os primeiros estabelecimentos locais a laborar tecidos de nomeada, como veludos, brocateis e sedas, depois protegidos pelos regimentos corporativos, que lhes salvaguardaram a qualidade, que, já na centúria seguinte, principiaram a ser exportados para regiões do mundo latino, dos cristãos bizantinos e do Leste mediterrânico, num incontestável valor ornamental, embora mantivessem, a par dessas faustosas inspirações decorativas, apropriadas a paramentos litúrgicos e vestes nobres, a fabricação de peças de menor responsabilidade formal.
Unificada, nos séculos imediatos, a confecção destaca, cronologicamente, núcleos de motivos zoomorfos, evidenciando reportórios faunísticos, sobre temas de carácter geral, em que muitos elementos, imbuídos de reflexos orientais, são reinterpretados, ao gosto latinizante, num elaborado tratamento do bestiário, contornando tracejamentos ondulantes: a felpa de quadrúpedes, bem assim a plumagem das aves, vincadas, agressivas e desgrenhadas, enquadram ornamentações vegetalistas, crescidas em tufados florões fusiformes, lembrando piras flamejantes.
Adivinhar a recordação directa do modelo persa, nas cenas de combate travado pelos animais, é retomar o perfil revolto dos bichos e rememorar o traço das aves do paraíso chinesas, todavia, já com a transposição, no tecido, de florescências tipicamente góticas, tal como surgem esculpidas nas catedrais medievais, rematando tímpanos, coruchéus e pináculos, o que faz aproximar deste processo, de nítida percepção decorativa, muito do tracejamento linear radial, por vezes projectado de certas flores, ou, de faixas, como figuração simbólica dos raios solares ou da chuva, pretendendo, pois, exprimir os sentimentos religiosos, com que faz interpretar aqueles fenómenos naturais.
Raramente surgida, nos programas ornamentais – além da representação mística da divindade, dos santos, das donas e dos cavaleiros, debruçados nas ameias de poucos castelos – a figura humana tem contida predominância; pelo contrário, numa profusa valorização dos espaços, o realce de desenhos semeados cede lugar à composição dividida, de compartimentos geométricos: em efeito de recurso visual, pequenas flores (ásteres) e ramos floridos entretecem similitudes arquitectónicas, religiosas e civis medievais, subordinando, definitivamente, muitas das linhas ascencionais às curvaturas alongadas, dos arcos quebrados, abertos em ogiva, difundidos na monumental estrutura dos pórticos, nas nervuras das abóbadas e nos vazados.
Devido, também, ao novo movimento de cariz estético, resulta, na tecelagem, o detrimento das anteriores preferências em semeados, para voltar aos ordenamentos, em compartimentação fechada, de secções elípticas, em mainéis, por dividiram os espaços em linhas contrapostas, desenhando compartimentos contínuos, sejam de perfil ogivado, sejam de contorno circular, hexagonal ou losangulado, todos derivados da semelhança com a curvatura dos arcos apontados, que pretendem imitar, como subido, lanceolado, rebaixado, sempre mais revestido de valores ornamentais complexos, de variados aspectos serpentiformes e fazendo reverdecer os primitivos troncos lisos, logo robustecidos, ornados de folhagens, flores e frutos, e substituindo, também, a superfície lisa, das listras, por torçais e galões enxadrezados.
Outorgados pelo século XV, qualquer destes motivos continua sendo mantido nas produções de Quinhentos e Seiscentos, em sucessivas cópias dos primeiros padrões, enriquecidos em tecidos lavrados, ou, reinterpretados com abundância crescente, depois inserindo coroas heráldicas, nos pontos de tangência dos arcos, bem assim as albarradas, frequentes nas sedas, veludos e damascos, a partir do século XVI, sem esquecer as alcachofras, de farta florescência, perfil bulboso, cápsula bem orbicular, aberta de gomos, inferiormente, formando típicos motivos italianos, em breve secundados por outros, como pinhas e romãs.
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