O BISPO, CONSTRUTOR NA UNIDADE E NO TESTEMUNHO
Homília na ordenação episcopal do Sr. D. João Evangelista Pimentel Lavrador
29 de Junho de 2008
Hoje, por graça de Deus e para alento da nossa fé, contemplamos com os olhos nesta secular Catedral de Coimbra, o que os ouvidos acabaram de escutar: Eu “edificarei a minha Igreja”.
Jesus, construtor divino e Ele mesmo “pedra angular”, talhou na rocha de Israel e preparou com a sua palavra, o seu exemplo e a força do Espírito Santo, as primeiras pedras para o alicerce da construção: os doze Apóstolos. Um deles, o discípulo amado, afirmou-o lapidarmente no seu texto do Apocalipse: a cidade santa”tinha doze alicerces e sobre eles os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro”.
Hoje, uma nova pedra vai ser talhada e aparelhada!
As pedras do alicerce hão-de ser grandes e solidamente ajustadas, já que delas depende a firmeza da construção. Sólidos e bem unidos hão-de ser também aqueles que, de quando em quando, se colocam no muro a levantar; essas somos nós, os Bispos, que ao longo de dois mil anos tivemos e temos por missão dar coesão e beleza ao edifício da Igreja, morada de Deus e casa de seus filhos.
Assim, é à semelhança dos doze Apóstolos que hoje nós, seus continuadores, havemos de nos aparelhar para desempenharmos a missão a que fomos chamados.
É meu propósito tomar da palavra de Deus agora escutada e do exemplo de Pedro e de Paulo tema para breve reflexão sobre duas virtudes que hoje hão-de ser cultivadas por nós, Bispos, e de tal modo cuidadas que se tornem evidentes no zelo da construção: refiro-me à unidade e ao testemunho.
“Edificarei a minha Igreja”, prometeu o Senhor Jesus Cristo; e indicou o alicerce: “Sobre esta pedra”, que é Pedro. Paradoxalmente, promete construção divina sobre alicerce humano!
Hoje, como ontem, o Sucessor de Pedro é um homem, sujeito ao tempo e à escola que o formou, devedor à idade e às marcas do seu temperamento… Quantas vezes escutamos opiniões e críticas, tão frequentes agora na opinião pública, porventura justas e perspicazes, mas que, emitidas sem o resguardo da fé, podem minar aquela unidade que queremos manter neste Colégio Episcopal, em que entra agora o novo Bispo.
Praza a Deus, Senhor D.João, que sinta connosco o cultivo da unidade entre as nossas Igrejas e, dentro de cada uma delas, o cuidado dessa mesma unidade pela qual Jesus rezou na Ceia. Esta unidade constrói-se sobre rocha humana, mas a assistência do Espírito Santo comunica ao barro a firmeza inabalável que é maravilha de há vinte séculos!
E como é edificante relembrar neste dia em que a Igreja, e com toda ela também a Diocese de Coimbra, inauguram o Ano Paulino, como é edificante relembrar o exemplo do Apóstolo Paulo que, confessando ter discordado de Pedro, cuidou de subir a Jerusalém para o conhecer, mais tarde com ele acertar caminhos e, provavelmente companheiro em Roma nos dias de perseguição de Nero, com ele se irmanar no testemunho do martírio!
O testemunho do Bispo é justamente o outro ponto da minha meditação.
O Decreto Conciliar “Christus Dominus”, que orienta a nossa tarefa de pastores, sintetiza magistralmente essa labuta nesta frase lapidar:”Apliquem-se os Bispos ao seu múnus apostólico como testemunhas de Cristo diante de todos os homens”.
E o texto discorre sobre o modo de prestar esse testemunho através da convicção com que ensinamos, da piedade com que presidimos à celebração dos mistérios sacramentais, da entrega incansável com que acompanhamos os nosso presbíteros e servimos as ovelhas do rebanho.
De verdade, toda essa entrega apenas se torna testemunho de Cristo na medida em que for resultante do amor, da paixão por Aquele que nos disse: “Fui eu que vos escolhi”. E haverá maior prova de amor do que “dar a vida por Aquele que se ama”?
Hoje temos perante nós o testemunho do martírio de Pedro e de Paulo. Deram a vida! Pedro, que, libertado da prisão de Jerusalém, havia de morrer na capital do Império para que o seu testemunho ganhasse a força que ainda lhe sentem os milhões de visitantes do seu túmulo! Deu a vida S.Paulo, que no seu testemunho amoroso há pouco escutado, antevia a morte dizendo:”Estou a ser oferecido em sacrifício”!
Que martírio é hoje o de um Bispo? Que males nos fazem agora sofrer, de modo a testemunharmos na paciência de uma imolação, a paixão por Deus e por seu Filho Jesus?
Não receamos a prisão, não nos apoquenta a fome, habituámo-nos às criticas, já não nos entristece a impossibilidade de levantarmos edifícios proveitosos, como igrejas ou seminários, e até à míngua de sacerdotes nos habituámos já… Afinal, que martírio é hoje o de um Bispo, martírio partilhado aliás pelos nossos queridos padres, diáconos e consagrados, vivido também por vós, muito amados irmãos leigos?
Penso que nos dias que correm e nestas terras da Europa em que vivemos, o martírio poderá chamar-se “despojamento”. Mostra-nos o Espírito Santo que urge sermos o que somos: comunidade de crentes. “Edificarei a minha Igreja”, disse o Senhor. E a sua obra de construção é converter-nos, de tal modo que sejamos no meio da sociedade presente a luz de que ela necessita para cada um se torne filho de Deus; converter-nos, para que nos tornemos o sal dos valores eternos que dê sabor de felicidade à vida particular e colectiva do nosso século. Este é o labor da construção. Tudo o mais, organizações, edifícios, planos pastorais, meios humanos…tudo é útil, necessário, por vezes, mesmo imprescindível. Mas tudo isso não passa de andaimes de apoio para construir comunidades de fé, onde floresçam santos. E é tão difícil construir com Deus sem nos encantarmos com os nossos andaimes!
Será este, porventura, o sacrifício que hoje Deus espera de nós e nos torna irmãos de Pedro e de Paulo no testemunho do seu martírio?
Senhor D.João Lavrador: Na festa grande deste dois Apóstolos, a sua alma está generosamente disposta para o sacrifício daquela fidelidade que lhe vai ser lembrada quando receber o seu anel episcopal: “Sê fiel à Igreja e guarda-a como esposa santa de Deus”.
Que esta generosa fidelidade se torne ao longo de uma vida pastoral, o seu primeiro testemunho. E se tiver de experimentar o que reza o salmo, dito dos lavradores que semeiam –“À ida vão a chorar” – que o Senhor Deus o recompense e lhe pague a sua persistente dedicação à Diocese de Coimbra com as alegrias que se cantam no mesmo salmo, referidas aos que são evangelistas: agora “vêm a cantar, trazendo os molhos de espigas”. Que Deus lhe conceda e à nossa irmã Diocese do Porto uma colheita abundante.
+Albino Mamede Cleto, Bispo de Coimbra
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