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17 de junho de 2008

Inventariação da Paróquia de Santa Clara


Devido a vários e sucessivos impedimentos, resultantes de funerais, só no dia 16 deste mês foi possível concluir a inventariação da paróquia de Santa Clara, a que se reportam 60 fichas e numerosas fotografias, uma tarefa continuamente acompanhada pela incansável disponibilidade do senhor Frederico Jorge Marques Ferreira.
Criada a freguesia, no seguimento da reorganização levada a efeito, em 1854, por Dom Manuel Bento Rodrigues, foi-lhe dada, por sede, a igreja do antigo convento de São Francisco, porém, perante a demasiado onerosa conservação do imóvel, Dom Manuel Correia de Bastos Pina autorizou a transferência da matriz para a capela de Nossa Senhora da Esperança, em 1872, local onde permanecera sediada até que as funções paroquiais passaram a ser exercidas na capela de Nossa Senhora da Conceição, na ladeira, e, ulteriormente, na igreja do novo Mosteiro de Santa Clara, visto o pároco ser capelão da Confraria da Rainha Santa, como tal ali residir e os espaços de culto concederem melhores condições, tudo por benevolência da Mesa desta reconhecida instituição.
É a única paróquia que, na diocese, está constituída e funciona sem igreja matriz, pelos referidos motivos, apesar de, ultimamente, ter surgido a ideia impositiva de reabilitar a dita igreja conventual franciscana, só por mero capricho, uma vez que a comunidade paroquial sempre a recusara e os párocos a têm manifestado, dado necessitarem de um milhão de contos para ficar capaz de um culto condigno. Além do encargo exorbitante, isso é descabido porque estão bem servidos e porque muitas infraestruturas pastorais, alcançadas em sacrificios comuns, tem sido alienadas, recentemente.
Há, naquela concepção, um pouco de entranhado vício de considerar, exclusivamente, como uma iluminação de alumbrados, a vontade própria, desta sorte menosprezando a sintonia local, que partilha a mesma repulsa contra quem aparece ofuscado por veleidades tardias de imperialismo eclesiástico, de congeminências líricas; sacrificando o pundonor, nas aras da razão esclarecida, entrou em delírio unívoco e, decidindo contra o aberto desfavor das reclamações populares, mantém leituras genialmente efabuladas, para teimar numa obra da ambição e da habilidade manobreira. Um alto devanear, típico da cegueira persistente, porque tudo demonstra a inanidade de tal contundência, o que permite concluir que o ensejo é, de todo, inevitável, senão para mausoléu episcopal.
A população densa, mas, dispersa pelos principais núcleos formados nas imediações de capelas, instituídas sob patrocínio das religiosas clarissas, perpetua arreigadas tradições cristãs, incutidas a partir da experiência da fé, da devoção à Rainha Santa Isabel e beneficiando desse fecundo influxo conjunto.
Por isso, enquanto gerações de profundos crentes convictos têm assegurado a excelsa memória da Padroeira de Coimbra e, num dinamismo plurifacetado, impedido aqueles que logravam, com atrabiliária conduta, comprometer o senso espiritual dos fiéis, também estes, nos lugares limítrofes, conservam o legado patrimonial, advindo de tempos recuados, como evidenciam as antigas capelas dos aldeamentos originais, cuja remota presença está, sobejamente, testemunhada nos enterramentos pré-históricos, efectuados na gruta-necrópole dos Alqueves, com abundantes materiais osteológicos humanos, líticos e cerâmicos, a concederem um vislumbre bastante rico do povoamento e da cultura existente, a partir do espólio inumado.
Graças à acérrima firmeza, com que souberam defender-se da parasitagem estatizante, os honrosos promotores da utilitária salvaguarda do património religioso, conservado nas capelas de jurisdição paroquial, velam por variados bens, tão sugestivos quão indicativos do elevado valor com que estavam dotados aqueles periféricos centos de culto, particularmente situados no Bordalo, em Cruz dos Morouços, e na linha da cumeada do Monte da Esperança, onde os mesmos artistas do mosteiro edificaram a capela sucessora da precedente, manuelina; ficava no local do novo mosteiro, pelo que foi mudada, por mando régio, e conservando a notável escultura de Nossa Senhora da Esperança, obra de Diogo Pires, o Velho, datada dos séculos XV – XVI.
No conjunto averiguado, sobressaem belíssimas imagens de Quatrocentos e de Quinhentos, em calcário, algumas seicentistas, em terracota, e várias setecentistas, em madeira estofada; painéis azulejares hispano-árabes, coevos aos Descobrimentos, e amarelos e de florões azuis, do século XVII, a cuja centúria pertencem trabalhos de marcenaria, conjugada com aplicações metálicas, de latão e bronze, igualmente usados em diversos utensílios, a par de boas produções em estanho, já da fase barroca, com outros valores em prata.
Também a epigrafia ganha destaque, nas inscrições e nas datas gravadas, em pedra, transmitindo importantes informações, alusivas a factos ocorridos e aos empreendimentos assumidos, alguns dos quais, prescindindo das cronologias numéricas, denotam, no primor formal (da madeira) e na fina delicadeza das escolhidas policromias brilhantes, uma exactíssima caracterização das ricas jarras balaustriformes, em porcelana chinesa, da dinastia Qing, período Kangxi, da família rosa.
O sector do livro antigo está representado mediante diferentes volumes, de média e grande dimensão, ornados e encadernados, para servirem e durarem séculos, mantendo a qualidade deposta na feitura e reivindicando, no venerando silêncio da longínqua idade, a igual superioridade de sempre, testemunhando a reles miserabilidade do consumismo actual, incentivado pela ganância lucrativa, defraudando, técnica e materialmente, quem se iluda com as recentes artimanhas gráficas, impregnadas de balofos artificialismos modernos, do tipo folheie e jogue fora (uma diarreia pesudo-livresca).
Embora singelas, as construções arquitectónicas têm solidez, beleza, carácter, ambiente, funcionalidade, servem finalidades de recolhimento orante, de intimidade plenificante, de dignificação, sendo verdadeiro o elevado teor de mundividência religiosa que condensa certezas intemporais.

José Eduardo Reis Coutinho

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