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12 de junho de 2007

Entrevista a Frei Domingos Celebrin

A religião vive mas a fé está a definhar


Na altura em que decorrem as festas de Santo António dos Olivais, o "Correio" falou com Frei Domingos Celebrin, responsável por esta paróquia, que falou da presença dos franciscanos em Coimbra, no local onde Fernando de Bulhões nasceu como António. O Santo é, este ano, comemorado como o "defensor dos direitos humanos". Lamentando o desaparecimento do tipo de fé que "toca na carne" e afirmando que, "hoje, é difícil ser cristão", sublinha a importância de regressar às origens de um cristianismo feito de contacto com as pessoas, nascido nas casas e na proximidade.



Entrevista de Lisa Ferreira



Estava previsto que as festas de Santo António se realizassem em anos ímpares, quando não se realizassem as festas da Rainha Santa. Mas, todos os anos, a paróquia tem organizado estas festividades em colaboração com a junta de freguesia. Porquê?
A festa realiza-se todos os anos e a procissão realiza-se já desde 2002. Mas surgiu a ideia, em 2005, de retomar uma antiga tradição de levar o Santo a Santa Cruz e ir buscá-lo no dia seguinte. Quando se pensou nisto, a ideia era fazer esta grande procissão de dois em dois anos, mas ela acabou por só acontecer dessa vez. O hábito foi retomado pelo Frei Eliseu e, agora, vamos caminhando devagarinho porque realizar a procissão até Santa Cruz exige muitos esforços. Nós temos uma vida normal paroquial e não podemos estar cinco ou seis meses a preparar somente uma procissão. É demasiado grande… O conselho pastoral decidiu, então, que, num ano, é tudo mais pequeno e, no ano seguinte, com a colaboração da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia, realiza-se uma procissão um bocadinho maior mas também muito simples. Este ano, quisemos dar-lhe igualmente um sentido de cidade e ela irá passar dentro dos hospitais. Quanto ao resto dos festejos, vamos inaugurar uma pequena travessa dedicada a Santo António, por exemplo. No Dia da Comunidade, a que damos muito relevo, será distribuído o pão de Santo António, um pão muito pequenino, colocado num saquinho. A ideia deveria ser a das pessoas darem qualquer coisa para os pobres segundo a história que deu origem a esta tradição: uma senhora foi ter com Santo António porque o seu filho estava a morrer e o Santo curou a criança, tendo a senhora dado o peso da criança em pão ao Santo para que ele chegasse aos pobres. Nós, hoje, damos um pequeno pão e as contribuições dadas pelas pessoas são depois entregues à Caritas paroquial para chegarem aos que precisam. Depois, neste dia, durante toda a tarde, há um convívio e o encerramento da catequese com a participação das crianças e dos jovens. No final, há um torneio de futebol que se realiza no Centro de Reabilitação Social. Costumamos fazer algumas iniciativas como Centro e agora, que já não existe tanto um regime duro de prisão, é mais fácil entrar e estar com eles.
Santo António é cidadão de Coimbra?
Esta ideia foi lançada e fortalecida nos anos passados. Aqui Fernando de Bulhões tornou-se António. Podemos dizer que em Lisboa nasce Fernando e em Coimbra nasce António. E é um cidadão de honra. Mesmo que depois tenha escolhido um trabalho diferente na sua vida, a formação que teve com os cónegos regrantes em Santa Cruz moldou-o definitivamente. O homem que se manifesta ao mundo anos depois é fruto da formação que teve aqui, de uma riqueza humana extraordinária. Podem explicar-se assim o grau de cultura extraordinário dos seus sermões que deixam também uma marca da sua personalidade.
Porquê o tema "Santo António, defensor dos direitos humanos" para a festa deste ano?
Porque ele o foi, de facto. A Carta que consagra os direitos humanos surge em 1948, claro, mas se repararmos nalgumas acções da vida de Santo António, acerca das quais temos documentos históricos, e se analisarmos alguns dos seus sermões, podemos dizer que ele é um inventor dos direitos humanos. Com palavras duríssimas vira-se contra os usurários, contra os que aprisionavam políticos e adversários, e contra os Bispos e padres que, com o seu poder e cultura, dominavam o povo. E não se fica pelos sermões, dando passos concretos. Ele interessava-se pelas pessoas e intervinha politicamente. O que queremos realçar é esta faceta praticamente desconhecida de Santo António. Costumo dizer que ele é o santo mais famoso de todos e também o mais desconhecido.
Como frades franciscanos italianos têm a vosso cargo algumas das paróquias da diocese de Coimbra. Como surge a vossa presença aqui?
A família franciscana, hoje, em Portugal, tem três ramos, todos com presença em Coimbra: os frades menores, que, aqui, são conhecidos simplesmente como os franciscanos e que estão na Av. Dias da Silva; os frades menores Capuchinhos e, finalmente, os frades menores Conventuais, que somos nós. O nosso hábito religioso é preto. Nós saímos de Portugal, na sequência das várias expulsões, em 1678, penso, e regressámos em 1974. Este ano marca o regresso da nossa presença jurídica porque os frades regressam, a título pessoal, encarregados pelo provincial e depois de acordos com o Bispo de Coimbra, em 1968. Regressámos para voltar ao sítio onde Santo António se tornou frade. Aqui havia um outro pároco e, por isso, tomámos conta de uma paróquia aqui próxima, Nossa Senhora de Lurdes. Depois, o bispo entregou-nos o serviço da paróquia de Santo António dos Olivais.
Qual é a diferença entre os três ramos de franciscanos?
Hoje, ela praticamente não existe. Historicamente, quase sempre, a diferença estava na maneira como se geria a relação com o dinheiro, o estudo e o poder. Há sempre grupos que nascem dentro de outros e hoje é assim também. Nós não temos que possuir dinheiro, nem casas e isto é algo que permanece sempre vivo apesar das reformas que possam surgir dentro das famílias franciscanas. Nós, conventuais, tivemos a última há cerca de 18 anos, em Itália. Um provincial desligou-se para voltar às origens do ideal franciscano. É bom e saudável que, de vez em quando, voltemos a interrogar-nos. Hoje em dia, em muitos lugares, vivemos em casas. Acabaram os conventos e as propriedades. Isto é fruto do tempo e da crise vocacional que sofremos hoje, mas, também, da vontade de retomar o nosso carisma, que a Igreja nos confirmou. As diferenças entre os três ramos, hoje, têm a ver com regulamentos internos como a forma de eleger o provincial, por exemplo. O estudo é igual e obrigatório para todos os que se tornam padres. Quase todos temos ou casas ou conventos e todos temos responsabilidades temporárias e que nunca são para a vida.
Sentem-se bem recebidos em Coimbra?
Sim, muito bem. Estamos também em Viseu e em Lisboa, onde estive 14 anos, e também aí somos muito bem recebidos, não só pelo povo mas também pelo clero local.
Que impressões que guarda desta paróquia que acompanha, das pessoas, da sua participação na vida da Igreja?
Diria que o povo é mais religioso do que em Lisboa e há uma frequência religiosa maior. Contudo acho que, na cidade de Coimbra, por comparação com zonas mais rurais, a prática é diferente. Nós temos também, a nosso cargo, a reitoria do Dianteiro, Casal do Lobo, Rocha Nova e há diferenças entre as pessoas que vivem nas aldeias e as que vivem aqui, na cidade. As pessoas das aldeias sentem mais a Igreja como deles. Aqui, nos Olivais, sente-se o peso de uma paróquia que está a envelhecer. Temos mais de 300 crianças na catequese e houve 63 crismas este ano, mas já não se vêem casais jovens É uma paróquia que começa a ter os primeiros sinais de envelhecimento e isso vê-se até nas pessoas que frequentam a Igreja. Há um grupo de pessoas muito activas e penso que os frades que cá estiveram nos últimos 30 anos fizeram um trabalho excepcional, fantástico. O conselho pastoral funciona, o grupo de catequistas tem colaboradores extraordinários, há o coro, o apostolado da oração. É uma paróquia viva mas sente-se já o cansaço dos anos. Sente-se a necessidade de que as pessoas voltem a conhecer-se mais, mesmo humanamente, sem esquecer a formação para que o culto seja mais vivo e se transforme em caridade. De ano em ano, vamos construindo um projecto pastoral para que haja dinamismo. Este ano, optámos por uma forma nova de evangelização que passa pela lectio divina. No começo, dentro da Igreja, a resposta foi muito morna, apareceram 30 ou 40 pessoas e decidimos, a partir da Quaresma, que ela seja feita nas casas. Criámos 6 lugares, sendo quatro casas de pessoas particulares. Assim, o número de participantes aumentou porque cada grupo tinha 10, 15, 18 pessoas. Foi uma óptima caminhada e, depois, fizemos a conclusão todos juntos. Temos a consciência clara de que é preciso encontrar formas para ir de encontro às pessoas. A Igreja não pode continuar à espera. As pessoas precisam de se conhecer e de sentir que a fé é qualquer coisa que toca na carne. Pode ser duro mas tem que ser assim.
Referiu a falta de vocações. É difícil ser franciscano?
Penso que não é difícil ser franciscano. Hoje, é difícil ser cristão. Acho que isto vale para Coimbra, para Lisboa, para Itália. A religião vive mas a fé está a definhar. Tenho um colega que diz que a religião cria escravos e que a fé cria homens livres. As pessoas, apesar de continuarem muito dentro da religião, sentem-se presas. A falta de vocações, também franciscanas, acontece porque a nossa fé está a diminuir e as escolhas de fé são difíceis hoje em dia. Quando se propõe a nossa fé a um jovem é-lhe explicado que nada é nosso. Para onde vamos, nunca nos faltará nada mas, numa sociedade onde as pessoas querem o "meu", pensar em viver um estilo de vida onde nada é nosso… é difícil. Mas isto é evangélico.
O turismo religioso tem expressão aqui?
Houve uma altura de muito afluência, o ano passado houve uma pausa e agora o movimento voltou, também pelo nascimento do Centro de Estudos sobre Santo António. O turismo religioso é, sobretudo, irlandês, sendo algum italiano, francês e espanhol. As visitas passam em Fátima, vêm agora ao memorial da Irmã Lúcia e depois a Santo António. De Portugal, em grupos organizados, não vêm muitas pessoas. Cá, Santo António é um santo popular e o que é realizado à volta dos santos populares é muito particular.
Esse tipo de devoção popular é negativo?
Existe hoje muito esta questão: como é possível utilizar a devoção popular para evangelizar? É um desafio enorme e que levanta muitas dificuldades Antes, o povo tinha fé e ela dava vida às procissões. Hoje, mantemos vivas as procissões e não há fé. Não duvido que muitas pessoas que vêm a procissão tenham fé mas tenho algumas dúvidas que possa ressuscitar-se a fé através destes ritos.
É importante utilizar uma nova linguagem?
Nós, padres, não temos nada de poderoso. Temos somente uma força que é a palavra. Temos que conseguir usar uma palavra que toque nos corações. Sem isso, estamos a fazer o quê? Ritos? Sem isso, somos apenas funcionários e fazemos uma pastoral de manutenção. Talvez o cristianismo tenha que regressar às origens para renascer e tenha que voltar a estar nas casas e perto das pessoas.

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