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24 de janeiro de 2007

Os sinais pouco visíveis do referendo


Jorge Cotovio

Olhar o próximo referendo nos seus aspectos menos visíveis, subterrâneos, não é tarefa fácil. São percepções que se têm, são impressões e até podem ser especulações. Também podem ser puros disparates. Mas assumo-os.
Quanto a mim, o que contará menos para os movimentos defensores do "Sim" é a despenalização das mulheres que abortam. Isto não passa de um subterfúgio para atingir outros fins. Se não vejamos:
1. A pergunta é uma falácia. Mistura, habilmente, questões axiológicas fundamentais – o valor da Vida –, com questões do direito penal – a (des)penalização do aborto, sem qualquer entrave, até às dez semanas. Como as questões estão intimamente associadas, quem responder "sim", querendo só despenalizar as mulheres que abortam, está implicitamente a dizer que concorda com a morte – melhor, o assassinato – daquele ser (humano, pois claro!) que terá, no máximo, 9 semanas, 6 dias, 23 horas, 59 minutos e 60 segundos.
Generosos e compreensivos como normalmente somos, facilmente nos sensibilizamos com estas situações que, ademais, no nosso entendimento, atingem, sobretudo, os estratos sociais mais desfavorecidos (estaremos certos nesta percepção? julgo que não). E se passarem umas horas ou uns dias ou umas semanas das 10 semanas, então já concordaremos que as mulheres sejam condenadas (a questão de fundo continuará em aberto)?

2. Estão questões políticas em jogo. Não tenho dúvidas. Os pequenos partidos procuram protagonismo, tempos de antena, visibilidade. Os outros partidos, procuram, cada qual a seu jeito, tirar os dividendos possíveis. O partido do governo, procurará, inclusive, legitimidade para, posteriormente, regulamentar a seu belo prazer, já que possui maioria parlamentar.

3. Estão questões religiosas em debate. Quer queiramos quer não (e eu sou daqueles que defende que o aborto não é uma questão eminentemente religiosa, mas "civilizacional", ética, humana), a eterna discussão em torno desta problemática tem, por trás, razões religiosas. Sobretudo os pequenos partidos que apoiam o "sim" querem atingir (e minar) a Igreja Católica e todo o tipo de sociedade que ela configurou ao longo dos séculos. Os novos políticos – até para ganharem novos adeptos, se possível jovens – hão-de, constantemente, inventar assuntos polémicos que colidam com os valores e hábitos tradicionais do povo português. Tudo sob a bandeira da modernidade. Foi a despenalização do aborto para casos ditos "extremos" (começada em 1984 e alargado o seu âmbito em 1995 e 1997), depois o referendo de 1998 que não resultou, depois a liberalização da "pílula do dia seguinte", agora mais esta tentativa e, se resultar, daqui a meia dúzia de anos (ou menos) a liberalização até às 20 ou mais semanas. Foi a questão dos crucifixos nas escolas. Foi a facilidade de se conceder o divórcio (agora até pela NET). É a eutanásia. É a procriação medicamente assistida e os embriões excedentários. É o casamento de homossexuais e a possibilidade de estes adoptarem crianças. Será o debate em torno das barrigas de aluguer. Será, depois, a substituição de "pai" e "mãe", no BI, por "progenitor A" e "progenitor B". E assim por diante. Ou seja, pretende-se romper com modelos e estruturas societárias tradicionais, designadamente a família, desacreditando e deslegitimando a Igreja Católica que, quer concordemos quer não, esteve na base da sua implantação e consolidação. Sem estes pilares fundamentais – o maior dos quais será o respeito pela vida humana –, a sociedade tenderá, facilmente, para o laicismo, para a dispensa dos valores espirituais, religiosos, cristãos. Emergirá, então, o homem-light – o cidadão que, sem pontos de referência, vive num grande vazio moral, não é feliz (ainda que tenha materialmente tudo), muito mais vulnerável aos sermões dos pseudo-intelectuais e pseudo-políticos e às tentações da era do consumo.

4. Este tema provoca contradições. E muitas. Só algumas como exemplo: confronta o código deontológico dos médicos (e a Ordem respectiva já alertou para o assunto); confronta o direito penal, por ser um atentado contra a vida; confronta o cidadão comum que vê parte dos seus impostos a serem aplicados nestes actos, quando não há dinheiro para questões essenciais; confronta a Igreja que, possivelmente, verá parte dos seus fiéis a pender, mesmo de forma indirecta, para a liberalização do aborto.
Sejamos astutos. Abramos os olhos. Pelo menos nós, os humanistas, os cristãos que batemos com a mão no peito, que rezamos, que temos imensa devoção por João Paulo II e ocultamos o que ele disse a este respeito em tantas ocasiões, especialmente em "O Evangelho da Vida".
Mas não fiquemos só pelo "Não". Abramos, também, o nosso coração, as nossas mãos, a nossa (pouca) disponibilidade às mães solteiras, às esposas que arriscaram ter mais um filho sob imensas dificuldades e tensões, às mulheres que sofrem traumas pós-aborto. Amparemo-las. Amemo-las. Colaboremos com as estruturas que apoiam a Vida, muitas das quais pertencentes a movimentos da Igreja Católica. E procuremos dar o nosso testemunho convincente aos adolescentes e jovens que povoam (cada vez menos) as nossas catequeses e escolas, aos noivos que se preparam para o matrimónio, aos casais novos, tão vulneráveis a tentações hedonistas. Lutemos por mais justiça social, por maior apoio estatal às famílias. Promovamos a vida, em todas as circunstâncias. E rezemos.
Sem esta nossa colaboração, sem estes pequenos contributos, o NÃO ficará incompleto.

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