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24 de janeiro de 2007

Fé e Compromisso

MUDAR DE VIDA POR AMOR

José Dias da Silva

Vai ser brevemente publicado o IV Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, que é constituído por 2500 cientistas e coordenado pela ONU.
Do resumo publicado podem tirar-se já algumas conclusões. Está provado que a culpa é nossa, é do nosso comportamento diário; que, mesmo que parássemos agora, os efeitos do que já fizemos vão durar cerca de um século. E sobretudo que é absolutamente necessário mudarmos não só os nossos hábitos individuais, mas também colectivos. Segundo alguns, até teremos de renunciar ao chamado "desenvolvimento sustentado", fazendo uma "retirada sustentada" (Lovelock) que permita reduzir drástica e imediatamente as emissões de gases de estufa, porque "é necessário reduzir em 70% as emissões de CO2 até meados deste século".
Perante tais números é absolutamente urgente que tomemos consciência desta realidade e nos disponhamos a fazer alguma coisa. A tarefa é enorme, pois é planetária. Mas não podemos deixar-nos vencer pela sua enormidade e urgência.
A primeira atitude é tomar consciência efectiva desta realidade e da necessidade de a transformar. Estudos recentes mostram que alguma coisa está a mudar: o clima é a segunda preocupação dos europeus logo a seguir ao desemprego e 93% consideram que é preciso fazer alguma coisa. Não se sabe é quem deve fazer essa "alguma coisa": cada um de nós ou… só os outros?!
Já aqui referi várias vezes esta urgência e necessidade. Volto a insistir. Hoje a cidadania passa por compromissos planetários. Mas já não se trata apenas de cidadania. Trata-se de sobrevivência. Olhando a história, encontramos notícias de impérios e civilizações que desapareceram, possivelmente porque não souberam ou não quiseram dar as respostas adequadas aos desafios que lhes foram surgindo. Mas hoje o problema é muito mais grave. Não se trata de um império poder desaparecer. É a própria humanidade, no seu todo, que está gravemente ameaçada. A história ensina-nos que a vida tem muita força e resistiu a todas as crises desde que apareceu na Terra há mais de 3,5 mil milhões de anos. Portanto, poderemos dizer que não é a vida que está em perigo. O que está em perigo é a humanidade, é o género humano. Se não tivermos juízo poderemos mesmo ser eliminados da face da terra.
A responsabilidade é de todos, ricos e pobres, continentes do Norte e do Sul.
Mas gostaria de recordar a dupla responsabilidade dos cristãos. Já somos bem responsáveis como cidadãos, construtores ou destruidores do futuro. Mas há uma segunda responsabilidade que decorre da nossa condição de crentes e isto numa dupla exigência: o mandato originário de cuidar do mundo e o mandamento novo da caridade fraterna.
No relato bíblico, a criação do homem, como imagem de Deus, inclui a bênção divina e o mandato à fecundidade e à soberania sobre toda a criação, com a obrigação de cultivar e guardar a terra (Gn 2,15). Dizem os especialistas que os dois verbos hebraicos correspondentes a cultivar, abad, e a guardar, shamar, carregam consigo uma conotação religiosa: abad indica o serviço cultual e a relação com Deus e shamar exprime quer a fidelidade de Deus que "guarda" Israel quer a fidelidade do homem que "guarda" os mandamentos do Senhor.
Portanto, "cultivando" e "guardando" a natureza, o homem cumpre um dever de religiosidade, realiza um acto de culto: em concreto, reconhece Deus nas suas obras e rende-lhe louvor. Respeitar e preservar a natureza, para o crente, não é tanto e apenas um dever de consciência e de sabedoria, como deve ser para todos os cidadãos, mas é sobretudo a expressão lúdica e coerente da fé em Deus, criador e ordenador de todas as coisas. Por isso, esta preocupação torna-se um grande acontecimento "religioso", de louvor ao nosso Deus.
Por outro lado, a defesa do mundo em que vivemos torna-se também uma exigência do mandamento do amor, que caracteriza os discípulos de Cristo. Proteger a natureza, cuidar da qualidade de vida torna-se uma forma indispensável de amor ao próximo: ao próximo no espaço, mas também ao próximo no tempo. As gerações futuras estão absolutamente dependentes do nosso comportamento. E agora vivemos um momento político que nos ajuda a entender bem esta situação. O que se pede aos cristãos, a começar pelos bispos, é que alarguem o âmbito do seu esforço pela defesa da vida. Se é um argumento de peso a afirmação de que o embrião/feto é o mais desprotegido dos seres vivos, não é de todo verdadeiro. Mais desprotegidas estão as gerações que ninguém consegue ver através de uma ecografia. É pois tempo de dedicarmos tanto esforço e dedicação à defesa dos que virão não só daqui a dias ou anos, mas também aos que hão-de vir daqui a décadas. Também estes devem ser amados com a mesma força e a mesma preocupação e carinho.
Protegermo-nos, a nós e aos nossos irmãos do futuro, é uma exigência que resulta do cruzamento dos dois amores: a Deus, que nos mandatou para, em seu nome, cuidarmos da natureza; ao próximo, com quem o nosso Deus quis identificar-se.
De novo nos confrontamos com o amor a Deus e o amor ao próximo, os dois mandamentos, que como tenho vindo a recordar, são, os dois num só, o maior mandamento que os cristãos são chamados a viver.

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