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18 de janeiro de 2007

Entrevista




Padre Pascoal dinamiza
Centro de Espiritualidade de S. Tiago
Dando voz e corpo a uma vontade que sente desde que foi ordenado, o padre Fernando Pascoal, inicia agora o projecto do Centro de Espiritualidade de Santiago, que pretende proporcionar a quem o procurar encontros próximos e pessoais de crescimento na fé e de descoberta de que somos "obra maravilhosa de Deus". Para este padre, saído agora da paróquia de Santa Cruz, este deve ser um caminho da diocese e da Igreja e cada cristão deve ser acolhido e escutado para que, através de uma experiência forte e única, possa sentir-se filho de Deus. Falando de desafios e de contacto com os outros, recorda o que viveu como capelão da penitenciária e o trabalho que partilha ainda com as Irmãs Adoradoras, no acompanhamento a mulheres presas à rua e à prostituição. Pede à Igreja que seja capaz de estar atenta e de entrar nos mundos marginais, onde Cristo está também presente. Do seu tempo com os jovens na pastoral juvenil e universitária, resta ainda a sua presença no movimento dos Convívios Fraternos. Acredita que "todas as pessoas têm necessidade de viver felizes e, sendo jovens ou não, a única coisa que realiza alguém é a experiência de Jesus Cristo".

ENTREVISTA de Lisa Ferreira (Correio de Coimbra)

Inicia agora um novo projecto: o Centro de Espiritualidade de Santiago. O que será e como funcionará este Centro?
O funcionamento do Centro vai depender um pouco das pessoas que forem surgindo e do que elas forem pretendendo. O que tenho na ideia não é uma coisa nova e esta realidade está dentro de mim praticamente desde que sou padre, ainda que a tenha sentido com mais força nos últimos dez, doze anos. Deus chama-me a viver o meu ministério de presbítero muito num caminho de ajudar as pessoas a crescer, partindo da sua dimensão humana e procurando chegar à descoberta de que são obra maravilhosa de Deus. O Centro surge para que as pessoas, que no seu dia-a-dia não fazem uma experiência forte de Deus, possam descobrir-se como filhos d’Ele. Ali têm essa possibilidade através de algumas acções. Vou estar presente na igreja de Santiago para poder acolher e escutar, fazendo também algumas propostas de oração. Outras acções vão depender de quem aparecer e do interesse que houver na formação humana e espiritual numa linha de chegar a um encontro profundo com Deus. No princípio, a ideia é a de um acompanhamento individual mas, depois, com o avançar do tempo, pode seguir-se para um trabalho em pequenos grupos também.

A diocese já precisava deste Centro?
Eu estou cada vez mais convencido de que não só a diocese mas toda a Igreja deve caminhar neste sentido. Se queremos ter cristãos a sério, devemos ir por aqui. Eu partilhei com o Sr. D. Albino um pouco deste sonho e ele foi sempre muito aberto e esteve sempre pronto a acolher-me. Quando fui para Santa Cruz, já foi um pouco nesta perspectiva mas a realidade da paróquia não permitiu que as coisas fossem nesse sentido. Por isso nasce agora este Centro.
"Há um grupo muito grande de pessoas que me procuram para conversar e também para viver o sacramento da reconciliação."

Há muitas pessoas que procuram este tipo de acompanhamento e de crescimento na fé?
Há um grupo muito grande de pessoas que me procuram para conversar e também para viver o sacramento da reconciliação. Hoje há poucos padres e estes têm um grande número de ocupações. Falta-lhes tempo para acolher, escutar e esse é um trabalho essencial. As nossas igrejas ainda têm bastante gente nas eucaristias mas é importante dar espaço às pessoas e ajudá-las para que sejam de verdade homens e mulheres felizes, plenamente.

Como funcionará o Centro?
O Centro vai estar aberto à tarde, precisamente para que, de manhã, eu tenha tempo para rezar e preparar outros trabalhos. À segunda e à sexta abre às 12h30 com a celebração da eucaristia. Nos outros dias abre só às 13h. Ao Sábado e ao Domingo não abrirá. Como tenho outras actividades e outros trabalhos e como a maior parte do tempo não poderia lá estar, será assim para já. Depois se verá.

Foi capelão da penitenciária durante algum tempo...
Já deixei de ser capelão na penitenciária há um ano e meio e tenho estado agora como pároco em Santa Cruz. Vou ainda celebrar à prisão. A minha experiência ali tem muito a ver com a realidade do contacto pessoal e foi bonita e gratificante ainda que muito própria. Naquele espaço estão perto de 700 homens presos. Não podemos esquecer-nos, e a sociedade e o sistema de justiça procuram dizer-nos isto, que uma prisão deve ser para ajudar uma pessoa a refazer a sua vida. Sabemos, no entanto, que a realidade concreta não passa por aí e há ali dentro todo um envolvimento que nem sempre ajuda. Eu penso que, por muito grandes que os disparates que se fizeram sejam, a pessoa é sempre alguém a salvar ainda que possamos condenar um acto ou uma atitude. A Igreja diz isto e Jesus Cristo também. Nem sempre é fácil aceitar um caminho de mudança e esta dificuldade existe não só nestes presos mas também em nós próprios. No fundo, isto também passa pela experiência que fazemos de Deus, que nunca deixa de nos amar mesmo quando fazemos coisas erradas. Ele está sempre a amar e a oferecer. Às vezes é preciso também reconhecer que precisamos de ajuda. O que não podemos é desistir mesmo quando parece que do outro lado não há reconhecimento da nossa entrega, da nossa capacidade de amar. E este é o grande desafio que o Senhor nos faz.~

É mais difícil chegar até estes homens por estarem desligados do mundo?
Às vezes pode haver a sensação de que eles nunca se reconhecem culpados mas eu nunca senti isso tanto assim. Ali todos reconheceram a sua culpa ainda que me dissessem, por exemplo, que, cá fora, há outros piores do que eles. O que é preciso é alguém que os acolha e com quem eles se abram. Claro que eram muito poucos os que falavam comigo e ainda menos os que participavam na eucaristia. Mas os que estavam, falavam ainda que, às vezes, me procurassem só para dizer alguma coisa ou até para pedir algo. É um lugar muito próprio.
Tem também um contacto próximo e de trabalho com as Irmãs Adoradoras cá em Coimbra.
Como nasceu esta proximidade?
Agora, o meu contacto é, praticamente, pela celebração da eucaristia, normalmente uma vez por semana, com as irmãs. Há uns anos atrás, quando estive na equipa do seminário, a minha colaboração com elas era grande. Estão muito atentas ao mundo da prostituição e, este ano, já consegui ir uma noite para a rua com a Irmã Martinha e mais uma ou duas voluntárias. O meu contacto com as Adoradoras surgiu quando ainda vivia no Justiça e Paz, no início da minha vida de padre. Colaborava na paróquia de S. José e celebrava a missa das 9h. Nessa altura, uma destas religiosas começou a confessar-se comigo. A partir daí, com a irmã Júlia, que agora está em Espanha, comecei a ir a casa delas e, desde a altura em que estive na equipa formadora do seminário, convidam-me para celebrar a eucaristia com elas e para as ir ajudando. Fui conhecendo a fundadora delas, a Santa Maria Micaela e sinto-me muito amigo e irmão desta mulher profundamente apaixonada por Jesus Cristo e por Jesus Cristo na Eucaristia e presente na mulher que é explorada, seja ela qual for. Para Santa Maria Micaela, o mundo é um sacrário e ela disse que daria a vida por uma dessas raparigas. E dá-a, de facto, quando morre, vitima de cólera, para ajudar as suas irmãs e estas raparigas. Esta mulher encanta-me por este sentido de Cristo que ela adora no sacrário e que ela comunga todos os dias. Na altura em que ela viveu, na primeira metade do século XIX, isto era extraordinário. E esta mulher tem depois um grande sentido da libertação humana e, concretamente, da necessidade de libertar estas mulheres exploradas que ela ajuda. Ela, que é tão dos tempos actuais, é muito pouco conhecida.

Que trabalho, concretamente, realizam estas irmãs?
Fundamentalmente, promovem e ajudam a mulher a crescer, principalmente a que é vítima da prostituição. Acompanham também os filhos destas mulheres. É uma área da pastoral que sempre me entusiasmou muito embora o meu contacto agora seja menor. Infelizmente a Igreja nem sempre está muito atenta nem é muito capaz de se inserir nestes mundos porque é difícil e pelas conotações associadas a um padre, uma freira ou mesmo um cristão que entram neles. Não só na prostituição mas também noutras áreas mais marginais. Por outro lado, este trabalho exige uma experiência grande de Deus e uma experiência humana e espiritual sólida para que depois não se resvale no contacto com estas pessoas, muito debilitadas e carentes. Mas este é um trabalho muito bonito e mesmo muito interessante. A irmã Júlia dizia que Jesus Cristo nasceu e morreu nas margens da cidade. A Igreja deve viver muito esta realidade não rejeitando ninguém, à semelhança de Cristo, sempre próximo dos pecadores. Neste momento, são só três as irmãs que estão aqui em Coimbra. Elas estão espalhadas em muitos países. Na Europa, estão em Espanha, Portugal e Itália e ainda em Inglaterra e França. Estão na América Latina em muitos países, na Índia, no Japão e também no Norte de África.

Está ligado também ao movimento dos Convívios Fraternos cá em Coimbra. O que é que continua a chamar os jovens para a Igreja?
É a experiência de Jesus Cristo. Todas as pessoas têm necessidade de viver felizes e, sendo jovens ou não, a única coisa que realiza uma pessoa é a experiência de Jesus Cristo, seja a que nível for. E este é o grande desafio da acção da Igreja. Muitas vezes o que não sabemos é entrar em diálogo e não estamos no mesmo comprimento de onda que as pessoas em geral. Há uns tempos, contou-me um padre que uma senhora, que até nem era baptizada, dizia que podem saber-se todos os dogmas e pode saber-se muita doutrina mas quem não se encontrar com Cristo não se encontra com a verdade. Esta é a única realidade que pode dar sentido à vida de cada homem e cada mulher e é por ela que podemos aperceber-nos do amor infinito que o Pai nos tem.

Esteve algum tempo em Santa Cruz. O que melhor caracteriza esta paróquia?
É uma paróquia muito singular na diocese. Há a realidade paroquial e depois há a realidade de santuário, na Igreja de Santa Cruz, que é lugar de passagem de pessoas da cidade, de toda a diocese, de todo o país. Cheguei a ter ali pessoas de Tomar, de Santa Maria da Feira, de S. João da Madeira que se vinham confessar regularmente. Aquele espaço torna-se um local central também, a nível cultural, pela arte, pelo facto de termos ali D. Afonso Henriques e D. Sancho e, numa vertente religiosa, o S. Teotónio, os Mártires de Marrocos e outras relíquias. Por estar na Baixa, torna-se ainda local de encontro. A paróquia tem este grande desafio que vem no sentido do acolhimento a todas estas pessoas. O padre Zé passava ali dias inteiros a receber as pessoas e o mesmo acontecia comigo. A igreja está no extremo sul da paróquia. Esta estende-se para norte, para o Monte Formoso, S. Miguel, Ingote, Loreto e um pouco para nordeste, para a zona do Montarroio e da Conchada. Em certas zonas (a Conchada, Monte Formoso, S. Miguel e Loreto) há um contacto pastoral mas não há uma relação muito próxima já que são os padres dehonianos a ir a estes lugares. O que me fez pedir ao D. Albino para sair de Santa Cruz foram os encargos com os serviços paroquiais a nível pastoral, legal e administrativo que me faziam não ter tempo para me dedicar às pessoas. No Centro, ainda que esteja na paróquia de S. Bartolomeu, não vou estar ligado a ela a nível pastoral e vou ter, desta forma, disponibilidade para as pessoas que queiram conversar ou reconciliar-se. A igreja de Santiago, porque é uma igreja românica atrai muita gente e está num lugar central.

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