Um ano para mostrar o que somos
Por José Dias da Silva
No começo deste ano, que todos prevêem difícil, veio-me à memória uma velha anedota. O comandante do quartel jogava xadrez com um alferes quando entraram em desacordo quanto a uma jogada. O comandante chamou um soldado, o campeão de xadrez, para dar a sua opinião. Mal chegou, mesmo sem olhar o tabuleiro, deu razão ao alferes. E explicou: "Todos os que aqui estão sabem jogar xadrez. Se ficaram calados, é porque o meu comandante não tem razão".
Esta poderia ser uma parábola do medo, com que se debatem muitos portugueses. Há muitos medos que vêm de fora de nós. Mas eu queria falar dos nossos medos interiores: o medo de tomar posição, porque posso ser penalizado; o medo de não participar porque posso ser criticado por tomar uma posição diferente; o medo de exigir direitos legítimos só porque podemos sofrer represálias e que leva a agradar aos chefes, mesmo que isso nos "custe a alma": estar de bem com o poder é uma tentação irresistível.
Hoje, há muita gente com medo. E o medo tem vários efeitos nefastos: pode gerar pânico e gestos de irracionalidade; cria irresponsabilidade, mostra-nos os outros mais como inimigos do que como colegas de caminhada; tira-nos a coragem para intervir, paralisando-nos e impedindo-nos de lutar pelo que é justo.
Na situação em que nos encontramos, todas as forças são poucas para a combater. Daí que a primeira atitude é vencer este nosso medo paralisante e oportunista. Só com coragem e determinação seremos capazes de nos assumir como autênticos cidadãos, prontos a participar, a tomar posição, a dar o nosso contributo.
Precisamos também de derrotar o desânimo, esse filho primogénito do medo, e fortalecer a confiança num futuro que todos, mas mesmo todos, em conjunto, somos capazes de melhorar: acreditar nas nossas potencialidades individuais mas também colectivas e juntarmo-nos mesmo com os que nem sempre pensam como nós. Porque neste momento, apesar das diferenças, todos concordamos numa coisa: é preciso vencer esta crise, para que ela não nos vença a nós. E este sentimento comum tem de ser mais forte que as nossas diferenças, às vezes mais superficiais e imediatas que reais e profundas.
O tempo de crise é sobretudo um tempo de agir, lealmente e sem segundas intenções: cada um deve ver o que pode fazer pelo seu país e fazê-lo espontaneamente e com dedicação. Dizia Paulo VI: "Seria bom que cada um procurasse examinar-se para ver o que é que já fez até agora e aquilo que deveria fazer. Não basta recordar os princípios, afirmar as intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias proféticas; estas palavras ficarão sem efeito real se não forem acompanhadas, para cada um em particular, de uma tomada de consciência mais viva da sua própria responsabilidade e de uma acção efectiva. É por demais fácil alijar sobre os outros a responsabilidade das injustiças se se não dá conta ao mesmo tempo de como se tem parte nelas e de como a conversão pessoal é algo necessário, primeiro que tudo o mais" (OA 48).
Esta situação vai-nos obrigar a mudar de hábitos. E de modo doloroso, porque exige a alteração de "estilos de vida, de modelos de produção e de consumo, de estruturas consolidadas de poder" (CA 58). Já tínhamos a obrigação cristã e cívica de o fazer devido às nossas escandalosas desigualdades sociais. Mas agora é ainda mais premente e torna-se, até moralmente, inevitável o "nivelar por baixo". Os que mais têm devem aceitar e, se necessário serem obrigados, a perder privilégios, mordomias e até "direitos adquiridos" para que a distribuição seja mais equitativa e diminua o número de carenciados. Aos que têm possibilidade compete-lhes investir, não só em função do lucro, sempre necessário, mas sobretudo da criação de emprego. As chefias devem rentabilizar ao máximo os recursos humanos e técnicos e garantir uma gestão rigorosa e transparente. Os trabalhadores devem agir com honestidade e criatividade. Os desempregados, os que mais sofrerão com a crise, devem ser especialmente apoiados pelo Estado, com políticas adequadas, pelas comunidades (e as cristãs de um modo especial), com um apoio digno às "pequenas" situações locais, pelas famílias, com gestos de solidariedade e de hospitalidade; mas não podem ficar à espera destes apoios e viverem à sua custa: os apoios devem servir de incentivo para que aproveitem as oportunidades e tentem também eles soluções próprias. Os cidadãos, em geral, não vivam para ter cada vez mais, evitem gastar para lá do que podem, socorrer-se da cunha, alimentar a economia paralela, verdadeiro cancro da sociedade e tão lesiva do bem comum, praticar pequenos esquemas tão "normais" que nem notamos a sua natureza fraudulenta ou até corrupta. Sim, porque a corrupção não acontece só nas grandes traficâncias que os jornais vão denunciando. Acontece também em milhões de muitas das nossas pequenas decisões e acções anónimas.
Os tempos de crise podem empurrar-nos para o desânimo, o cruzar de braços, o "salve-se quem puder"ou estimular a criatividade, a vontade de vencer, o compromisso sério, a solidariedade. A escolha está condicionada pelo comodismo, hedonismo e o medo de perder a vida fácil a que a abundância nos habituou.
A escolha sempre compete a cada um. Mas as consequências, essas, quem as sofre são todos os outros.
Esta poderia ser uma parábola do medo, com que se debatem muitos portugueses. Há muitos medos que vêm de fora de nós. Mas eu queria falar dos nossos medos interiores: o medo de tomar posição, porque posso ser penalizado; o medo de não participar porque posso ser criticado por tomar uma posição diferente; o medo de exigir direitos legítimos só porque podemos sofrer represálias e que leva a agradar aos chefes, mesmo que isso nos "custe a alma": estar de bem com o poder é uma tentação irresistível.
Hoje, há muita gente com medo. E o medo tem vários efeitos nefastos: pode gerar pânico e gestos de irracionalidade; cria irresponsabilidade, mostra-nos os outros mais como inimigos do que como colegas de caminhada; tira-nos a coragem para intervir, paralisando-nos e impedindo-nos de lutar pelo que é justo.
Na situação em que nos encontramos, todas as forças são poucas para a combater. Daí que a primeira atitude é vencer este nosso medo paralisante e oportunista. Só com coragem e determinação seremos capazes de nos assumir como autênticos cidadãos, prontos a participar, a tomar posição, a dar o nosso contributo.
Precisamos também de derrotar o desânimo, esse filho primogénito do medo, e fortalecer a confiança num futuro que todos, mas mesmo todos, em conjunto, somos capazes de melhorar: acreditar nas nossas potencialidades individuais mas também colectivas e juntarmo-nos mesmo com os que nem sempre pensam como nós. Porque neste momento, apesar das diferenças, todos concordamos numa coisa: é preciso vencer esta crise, para que ela não nos vença a nós. E este sentimento comum tem de ser mais forte que as nossas diferenças, às vezes mais superficiais e imediatas que reais e profundas.
O tempo de crise é sobretudo um tempo de agir, lealmente e sem segundas intenções: cada um deve ver o que pode fazer pelo seu país e fazê-lo espontaneamente e com dedicação. Dizia Paulo VI: "Seria bom que cada um procurasse examinar-se para ver o que é que já fez até agora e aquilo que deveria fazer. Não basta recordar os princípios, afirmar as intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias proféticas; estas palavras ficarão sem efeito real se não forem acompanhadas, para cada um em particular, de uma tomada de consciência mais viva da sua própria responsabilidade e de uma acção efectiva. É por demais fácil alijar sobre os outros a responsabilidade das injustiças se se não dá conta ao mesmo tempo de como se tem parte nelas e de como a conversão pessoal é algo necessário, primeiro que tudo o mais" (OA 48).
Esta situação vai-nos obrigar a mudar de hábitos. E de modo doloroso, porque exige a alteração de "estilos de vida, de modelos de produção e de consumo, de estruturas consolidadas de poder" (CA 58). Já tínhamos a obrigação cristã e cívica de o fazer devido às nossas escandalosas desigualdades sociais. Mas agora é ainda mais premente e torna-se, até moralmente, inevitável o "nivelar por baixo". Os que mais têm devem aceitar e, se necessário serem obrigados, a perder privilégios, mordomias e até "direitos adquiridos" para que a distribuição seja mais equitativa e diminua o número de carenciados. Aos que têm possibilidade compete-lhes investir, não só em função do lucro, sempre necessário, mas sobretudo da criação de emprego. As chefias devem rentabilizar ao máximo os recursos humanos e técnicos e garantir uma gestão rigorosa e transparente. Os trabalhadores devem agir com honestidade e criatividade. Os desempregados, os que mais sofrerão com a crise, devem ser especialmente apoiados pelo Estado, com políticas adequadas, pelas comunidades (e as cristãs de um modo especial), com um apoio digno às "pequenas" situações locais, pelas famílias, com gestos de solidariedade e de hospitalidade; mas não podem ficar à espera destes apoios e viverem à sua custa: os apoios devem servir de incentivo para que aproveitem as oportunidades e tentem também eles soluções próprias. Os cidadãos, em geral, não vivam para ter cada vez mais, evitem gastar para lá do que podem, socorrer-se da cunha, alimentar a economia paralela, verdadeiro cancro da sociedade e tão lesiva do bem comum, praticar pequenos esquemas tão "normais" que nem notamos a sua natureza fraudulenta ou até corrupta. Sim, porque a corrupção não acontece só nas grandes traficâncias que os jornais vão denunciando. Acontece também em milhões de muitas das nossas pequenas decisões e acções anónimas.
Os tempos de crise podem empurrar-nos para o desânimo, o cruzar de braços, o "salve-se quem puder"ou estimular a criatividade, a vontade de vencer, o compromisso sério, a solidariedade. A escolha está condicionada pelo comodismo, hedonismo e o medo de perder a vida fácil a que a abundância nos habituou.
A escolha sempre compete a cada um. Mas as consequências, essas, quem as sofre são todos os outros.
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