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19 de novembro de 2008

Compreensão mútua precisa-se


Vivemos neste momento no nosso país uma atmosfera crispada, de confrontos aparentemente irredutíveis, de acusações onde até a mentira pode servir de arma de arremesso. Assistimos a grandes manifestações de professores. Os alunos, apanhando a boleia, também resolveram manifestar-se: alguns, entrevistados na televisão, não sabiam bem por que estavam ali; mas pelo menos era uma festa viva e colorida. Mas há também, a outro nível, mas não menos importante, o caso do BPN, a posição do Banco de Portugal. E, embora com menos exposição, poder-se-iam apontar outros exemplos.
No meio disto tudo há quem tente, de modo inconsciente, transmitir a ideia de que este país se está a tornar um saco de gatos. Começamos a ter a sensação de que estamos a entrar em becos sem saída e em que qualquer episódio serve para incendiar mais a fogueira. Um clima deste não só impede a lucidez dos intervenientes mas coloca também a maioria dos cidadãos sem saber o que é que é verdadeiro ou inventado.
Claro que com o ruído que se faz à volta destas situações pode ficar a ideia de que todos os portugueses estão a viver estes problemas, com o dramatismo dos intervenientes. Ou que a vida parou para ver o que vai acontecer. Mas a verdade é que milhões de portugueses continuam a ter de sair de suas casas às sete da manhã ou mais cedo e regressar às sete da noite ou mais tarde para assegurarem o seu sustento e que mal terão tempo para se incomodarem estes problemas. Continuamos a ter milhões de pessoas no patamar da pobreza, que se se mobilizassem e se organizassem numa manifestação reduziriam a um passeio de fim de tarde a manifestação dos professores. Continua a haver centenas de milhares de cidadãos que não têm uma sopa para comer não fosse a intervenção de muitas instituições e muitos voluntários. Continuamos com milhares de pessoas desempregadas, cuja vergonha da inutilidade e o stresse da angústia de não ter de dar de comer aos filhos, passa ao lado do nosso direito à indignação. Continuamos a ter doentes nos hospitais e nos "asilos" porque os familiares não os querem em casa.
É, por isso, urgente que todos, especialmente os não directamente envolvidos nestas questões mais ruidosas que, sendo objectivamente sérias, não são os únicos problemas graves com que nos debatemos, não nos deixemos contaminar por este clima e não percamos a noção de que há problemas pessoais, certamente bem mais graves, do que aqueles que a comunicação social sempre ávida de sangue pretende mostrar.
É certo que estas crises mais vistosas estão a gastar energias e forças que podiam ser utilizadas em problemas humanos mais graves e nos estão a arrastar para um plano inclinado, no qual é necessário inverter a marcha. Porque não tenhamos ilusão: nestas crises mais vistosas, ninguém sai vencedor "trucidando" o adversário.
Vivemos sobretudo uma crise de cidadania. Todos sabemos que este conceito e esta vivência não entraram ainda nos hábitos dos portugueses. Cada um, salvo algumas excepções, é ainda religiosamente fiel ao lema "cada um por si e Deus por todos". Estamos a perder a consciência de que somos antes de mais portugueses, onde todos, na diversidade dos seus talentos, condições de vida e azares da história, têm iguais direitos e deveres. Que ao lado das nossas lutas legítimas e pelas quais devemos lutar lealmente, há muitas outras que devem ser levadas a cabo por todos nós mesmo que não nos digam directamente respeito. Sobretudo quando as vítimas são incapazes, vivem pior que nós e são tratadas à margem não só da sociedade como das nossas preocupações. Embora as coisas pareçam atingir um ponto de não retorno no caso das escolas, poderá ainda haver saída se todos se dispuserem a dialogar seriamente sem olhar para o(s) outro(s) como um inimigo a abater, se houver capacidade de chegar a soluções razoáveis e realistas, mudando o que está mal e valorizando o que há de bom. Nestes casos todos têm de fazer um esforço para resistir ao orgulho e à "vergonha" de ceder, de não perder a face, de não recuar reconhecendo o que está errado. Não podem cair na tentação do ódio ao outro, porque certamente todos, embora cada um à sua maneira, estão certamente interessados em melhorar a escola e torná-la um espaço onde se ensine e se prepare bem os futuros cidadãos e onde se possa viver em paz e com a consciência do dever cumprido. Isto vai exigir muita compreensão mútua e também algum sacrifício, mas os alunos, aqueles que devem ser o grande critério para todas estas lutas, merecem que se faça esse esforço.
Somos membros de um país com uma longa história, que passou por tudo e sobreviveu. Sempre houve crises e continuará a haver. Muitas foram resolvidas à espadeirada e todo o país perdeu. Outras foram solucionadas doutro modo: pelo diálogo, pela compreensão mútua, sem ver no outro só segundas intenções e tendo como preocupação primeira o bem de terceiros e não só o de cada uma das partes. No entanto, enquanto cada um puxar para o seu lado esquecendo-se de dar prioridade ao bem comum, que ainda mal passa de um conceito vazio e abstracto, dificilmente mudaremos as coisas.
Se realmente estamos interessados em ter um país mais desenvolvido, justo e solidário temos todos de dar o nosso contributo por pequeno e anónimo que ele seja.


José Dias da Silva

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