Tempos de mudança
Não é novidade para ninguém que vivemos tempos de mudanças profundas. Tão profundas, tão rápidas e tão radicais que quase não damos por elas. É como se estivéssemos no "olho do furacão", aparentemente parado mas com tudo à sua volta em caótica agitação.
Mas nós, enquanto cidadãos e enquanto cristãos, não podemos ficar indiferentes a tal situação. A recente Carta Pastoral do Cardeal Patriarca (18.Maio) abre com um conjunto de observações que bem podem servir de regras que podem pautar a nossa conduta neste tempo de mudanças. De um modo muito simples enumeraria algumas delas:
- "a Igreja, para continuar a ser fiel à sua missão de enviada ao mundo, precisa de mudar, de se adaptar às exigências dessa missão. O desafio à mudança aparece como exigência da fidelidade da Igreja: o pôr-se em dia para a missão tornou-se a palavra de ordem" (2);
- "a Igreja não muda porque o mundo muda; a Igreja muda para poder ser mensageira da esperança num mundo em mudança. Este não lhe é indiferente, pode mesmo sugerir-lhe, no ritmo alucinante da aventura humana, sinais para a adaptação da Igreja à sua missão (3);
- a Igreja precisa de estar atenta às mudanças dentro dela própria, sugerida pela sua missão no mundo, não para copiar as mudanças do mundo, que, por vezes tem mesmo de denunciá-las, mas por causa da sua verdade interna e do imperativo da sua missão" (3);
- a Igreja na realização da sua missão no mundo através de lutas frontais com poderes estabelecidos da sociedade, até porque tais reacções não estão isentas do que resta de uma lógica de poder na sociedade. Ela não pode cruzar os braços e renunciar à sua mensagem, mas deve fazê-lo por outro caminho: o da fidelidade interna a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho e o do serviço à sociedade, à pessoa humana. A autenticidade do seu serviço à humanidade deve impor-se por si, e não por mera lógica de poder (4).
Este é um verdadeiro programa de pastoral e de evangelização. São pressupostos que as comunidades e os cristãos têm de assumir nestes tempos fortes de mudança. Mas exigem uma reconversão de métodos e de estilos de vida, um olhar novo sobre a realidade da Igreja e da sociedade.
O problema grave a exigir solução imediata é se as comunidades cristãs e os seus membros estarão disponíveis para as necessárias transformações e capazes de assumirem um novo sentido da vida, individual e colectiva, que decorre do encontro com a Pessoa de Jesus Cristo.
É que, infelizmente, os cristãos, na sua grande maioria, foram buscar a "chave da interpretação da vida e da história na mudança da sociedade e não no Evangelho e na fé como fonte de uma compreensão global da existência" (4). E as consequências foram inevitáveis: progressiva ruptura entre a fé em que se acredita e o estilo de vida que se pratica; incapacidade de fazer uma leitura teológica e profética dos sinais dos tempos; perda de espaço da Igreja na sociedade como fonte inspiradora de valores da humanidade.
Esta conversão dos cristãos aos critérios do mundo em detrimento do Evangelho têm causas que devem ser analisadas e combatidas na sua raiz, sob pena desta "via sacra" continuar. Apontaria duas ou três, que, no fundo, se resumem a uma única: analfabetismo religioso.
Poucos são os cristãos que lêem a Bíblia. Menos os que a meditam e procuram tirar dela os ensinamentos perenes que devem nortear a nossa vida. Quem aprofunda a Pessoa de Jesus Cristo e a sua mensagem libertadora? Como se põe em prática as palavras de Bento XVI de que "no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (DCE 1)? Quem procura perceber "esta medida alta da vida cristã comum" (NMI 31) que são as Bem-aventuranças?
Quantos cristãos leram e meditaram os documentos do Concílio Vaticano II, a "Carta magna" da Igreja nos tempos actuais? Quantos leram, meditaram e procuram pôr em prática os ensinamentos da doutrina social da Igreja que propõe as consequências directas da mensagem cristã "na vida da sociedade e enquadra o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de Cristo Salvador" (CA 5)? E quem os ajuda a fazer esta leitura, esta meditação, este aprofundamento da fé e a sua aplicação pública concreta?
Armados com este analfabetismo, os cristãos perdem a sua identidade e tornam-se incapazes de testemunhar este património de valores humanizadores e humanizantes que tanto marcaram os primeiros séculos da Igreja. E nós estamos muito mais perto do que imaginamos das condições degradantes que levaram à queda do império romano!
Sem identidade, não há mudança de vida, que torne os cristãos diferentes do cidadão comum: hedonista, consumista, insolidário, ignorando o bem comum, marginalizando os excluídos da sociedade. É como se a sociedade "convertesse" os cristãos em vez de serem os cristãos a "converter" a sociedade.
E esta é a maior traição que podíamos fazer a Jesus Cristo e ao seu Evangelho.
José Dias da Silva
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