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11 de julho de 2008

Nos caminhos da serra

Por A. Borges de Carvalho


As serras da Pampilhosa foram em tempo um outro mundo. Sem comunicações, sem transportes, o isolamento era quase total. Era quando as viagens de terra para terra se mediam por horas de caminho!
Entretanto, as populações da serra guardavam estilos de vida que pareciam herdados de qualquer paraíso terreal: a simplicidade no viver, a delicadeza nas relações, a ajuda mútua, a intimidade familiar que assentava no respeito, na educação e na Fé. Todos esses valores germinavam nas funduras dos montes onde à volta dos regatos semeavam e colhiam os escassos bens da terra. Parece ter andado por ali Rousseau com a sua teoria do homem naturalmente bom que a sociedade havia de corromper.
Quando puderam, os homens transplantaram-se para a capital e foram eles que deram vida aos bairros onde ainda hoje convivem porta com porta, como Alfama, o Castelo, Santa Engrácia. S. Vicente deixou de ser de Fora para integrar esses imigrantes que por lá se alistavam, ora na estiva, ora na estação como moços de fretes e almeidas. Mas sempre gente que se dava ao respeito e eram tratados da mesma maneira. Por eles, os tribunais podiam fechar!
Nas aldeias ficavam as mães, tratando das leiras e carregando com os filhos que, anualmente os maridos lhes confiavam. Alguns não vingavam que o trabalho era duro e a assistência do concelho, que é dela? Só o dr. Barateito, depois o dr. Afonso iam socorrendo como podiam os pedidos de socorro que choviam de toda a parte. Era, de facto, uma miséria imerecida.
Mensalmente, abasteciam-se no mercado da Pampilhosa e todos os anos peregrinavam até à feira do Montalto em busca de ferramentas, pipos e roupas.
À noite as mães rezavam pelos que morte levou e pelo regresso do pai, enquanto os pequenos a toscanejar com sono e apoquentados pelo fumo das lareiras treinavam para os martírios que a vida futura lhes havia de trazer.
E sempre sem manifestações ou revoltas. O que tinham de melhor deram-no aos da planície: a energia da barragem de Santa Luzia! E eles por lá ficaram às escuras ainda por muito tempo!
E que deu mais a serra? Deu homens e mulheres nascidos nesses berços de exclusão que vieram a honrar e a enriquecer os caminhos de Portugal. Foi no campo da Igreja onde mais brilhou a inteligência e a bondade dos filhos da serra. Lembremos o Cónego dr. Urbano Duarte, o Cónego dr. Brito Cardoso, os Bispo D. João Campos Neves, o Arcebispo Primaz de Braga, D. Eurico Nogueira e tantos outros.
E dos que ficaram por lá só encontramos gigantes que apostaram tudo e se empenharam em ser guias espirituais e companheiros solidários daqueles condenados da terra. O padre Alfredo, de Fajão, o padre Luciano, do Cabril, o padre André, do Colmeal, que atravessaram as serras para dar o "pasto espiritual" aos fregueses prestes a partirem para a outra vida. Não olhavam às tempestades, às invernias que os deitavam abaixo a eles e às cavaletas em que se transportavam. No Verão, com calor abrasador, fiéis ao jejum eucarístico, nem água podiam beber! Mas lá iam celebrar a missa dominical ou a festa do padroeiro.
Ainda anda por aí um dessa raça de Homens de Deus, totalmente devotado aos irmãos. Refiro-me ao padre José Salvador de Almeida. Oitenta e seis anos, sem qualquer espécie de privilégio a não ser com a única exigência de servir! Incarnou nele a Bondade, a Solicitude e a Misericórdia de Deus. Uma vida longa doada à serra, sem desistências. Não se lhe conhecem desânimos nem lamentações. Quem o conhece, venera-o como um pai e segue-o como pastor solícito e afável que ele é!
O padre Salvador tem uma maneira de abençoar! É um abraço bem apertado, bem forte que deixa jorrar amizade e carinho. Ainda há dias os drs. Raul Caçador e Manuel Campos se cruzaram com ele no Cabril e vinham espantados com a sua simplicidade, o seu acolhimento e o seu abraço que acorda para a verdade quem nunca a tenha experimentado. Os ossos rangem! Os braços estalam e faíscam centelhas de raios dum coração que se abre para o outro coração.
Ouço dizer que por estes dias, muitos vão ao seu encontro nos caminhos da serra para lhe dizerem quanto o veneram e estimam. Vou também. Destes santos, já se encontra pouco!

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