D. João Lavrador em entrevista ao “Correio”
O "Correio", através dos jornalistas Miguel Cotrim e Mirla Rodrigues, entrevistou D. João Lavrador, nomeado Bispo Auxiliar do Porto. D. João fala com carinho das gentes da sua terra natal, "generosas e cheias de espírito de fé", do seu trabalho pastoral ao longo de vinte e sete anos em diversos sectores diocesanos, e do que espera do seu novo campo de apostolado, afirmando o desejo de ir para o Porto "conhecer e aprender" com o povo de Deus daquela Diocese. E não esconde as saudades que, por certo, vai sentir de Coimbra.
No entanto, a Diocese de Coimbra estará em festa no próximo dia 29 de Junho para a sua ordenação episcopal que terá lugar na Sé Nova às 16 horas.
Correio de Coimbra (CC) – Como reagiu a esta nomeação?
D. João Lavrador (JL) -Há dois sentimentos que me invadem a alma neste momento em que Jesus Cristo por intermédio do Santo Padre me chama para uma nova tarefa na Igreja. O primeiro é de surpresa. Tenho sentido vivamente o que a Revelação Bíblica nos refere acerca do chamamento que Deus foi dirigindo, ao longo da História da Salvação, a homens concretos, situados no seu tempo, mergulhados nas suas ocupações, mas ansiosos pela revelação de Deus ao Seu Povo. Todos eles sentem a surpresa do chamamento divino. É algo de parecido, o que se passa comigo. Esta surpresa do chamamento de Deus insere-se no conjunto da experiência de vida sacerdotal. Fui sendo chamado a funções que se revelavam para mim surpreendentes, não só porque me exigiam o avaliar das minhas (in)capacidades, como me abriram para um desprendimento pessoal, de modo a que se revelasse visivelmente a Graça divina. O segundo sentimento é de confiança. Tenho a certeza absoluta de que o chamamento de Deus vem sempre acompanhado pela Graça divina de modo a que a resposta a dar e o desempenho da missão a que somos chamados, como diz S. Paulo, é uma obrigação que nos é oferecida, exigindo de nós fidelidade. Esta confiança estende-se também à Igreja que vou servir, a Diocese do Porto. Sei que vou encontrar uma Comunidade diocesana que vive a corresponsabilidade eclesial e que está verdadeiramente a caminhar nos dinamismos da comunhão eclesial.
CC -A escolha do lema episcopal "Tu Segue-me" tem algum significado especial?
JL – O lema que escolhi não é novo. Acompanha-me desde o momento em que me coloquei inteiramente disponível para o ministério sacerdotal. Foi com o olhar e o coração colocados neste diálogo de Jesus Cristo, sintetizado neste convite, que tenho caminhado ao longo destes vinte e sete anos de vida sacerdotal, correspondendo, apesar das minhas limitações, às exigências do ministério presbiteral. Julguei que seria importante continuar a contemplar o mesmo diálogo amoroso de Jesus Cristo. Mas, não posso deixar de referir o contexto bíblico e vivencial em que este episódio se dá: estamos perante Jesus Cristo ressuscitado, vivo nos sinais da refeição pascal, a Eucaristia, centro e cume de toda a vida da Igreja, inseridos num diálogo muito intimo e carinhoso de Jesus que interpela Pedro, e cada um de nós, sobre a capacidade de amar. Uma capacidade que não se limita ao que é humanamente possível, mas, ao repeti-lo três vezes, quer dizer-nos(me) que está atento à capacidade do coração humano de se abrir ao amor infinito de Deus. E, é a partir desta resposta «Tu sabes tudo, Tu sabes que eu Te amo», que Jesus confirma o serviço: «apascenta as minhas ovelhas». Coloca-nos(me) na dimensão e participação dEle que é o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Mais ainda, no mistério do chamamento pessoal, coloca-se o assombro que dá o saber que o convite é muito pessoal: «És tu». E perante as perguntas de que muitos outros poderiam ser, Jesus interpela e convida de forma muito directa: «Tu Segue-Me». Eis porque humildemente escolhi este lema para a minha vida de Bispo Auxiliar do Bispo do Porto.
CC – E sobre o título que o Papa lhe concedeu que significado tem?
JL - Pelo Santo Padre fui designado Bispo titular de Luperciana. Esta diocese já extinta situa-se em Cartago, norte de África. Embora saiba que não é uma diocese com Povo de Deus, é emblemática pelo facto de se situar no mesmo território de grandes Padres da Igreja, como sejam S. Cipriano de Cartago e Santo Agostinho, grandes vultos de Santidade e de Sabedoria. Imploro que eles assistam este seu pobre conterrâneo.
"Para mim é muito gratificante poder auxiliar o Senhor Dom Manuel Clemente, Bispo do Porto"
CC - Vai ser auxiliar de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto. Qual é a diferença de um bispo e de um bispo auxiliar?
JL - O próprio nome indica que um Bispo que está a presidir à comunidade diocesana como sucessor dos apóstolos tem uma responsabilidade própria pelo facto de ser o «Pai», o que preside, é Ele verdadeiramente o Apóstolo colocado na Igreja particular. Quando as dimensões da diocese ou os muitos trabalhos pastorais o exijam, pode ser dado ao Bispo diocesano um ou vários Bispos Auxiliares. Fazem um todo com o Bispo diocesano, colaboram com ele, segundo as suas orientações, e, como próprio nome indica, auxiliam o Bispo diocesano na sua missão de Apostolo. É isto que vou fazer, o que para mim é muito gratificante poder auxiliar o Senhor Dom Manuel Clemente, Bispo do Porto, e participar do mesmo colégio episcopal com o Senhor Dom João Miranda e Senhor Dom António Taipa, ambos bispos auxiliares do Porto.
CC – O que vai mudar na sua vida a partir de agora?
JL – Com o chamamento ao ministério episcopal, naturalmente, há algo que vai mudar. Desde logo, estou consciente que para bem servir a Diocese do Porto tenho de a conhecer, de a amar e de me integrar nela. Para isto, conto com todos os que são a Igreja viva do Porto, sacerdotes, religiosos(as), consagrados e leigos. Tenho de apresentar os sinais próprios de quem está para servir, dando um testemunho verdadeiro de Jesus Cristo, e facilitando, mesmo nos gestos, o diálogo verdadeiro, sério e franco com todos os residentes na diocese do Porto. Este deslocar físico que me é exigido corresponde a algo mais profundo que o deslocar todo o ser para amar e servir um novo Povo de Deus.
CC – O que espera da Diocese do Porto?
JL – Antes de mais vou conhecer e aprender com aqueles que já enumerei e que são o Povo de Deus da Diocese do Porto. Pelo que conheço é uma Diocese muito dinâmica e activa, empreendedora e lúcida, apostada num grande projecto de nova evangelização, nos tempos mais próximos. E, acima de tudo, uma Diocese que tem à sua frente o Senhor Dom Manuel Clemente que não precisa de palavras para se descreverem as suas notáveis qualidades humanas e apostólicas. Como já disse acima, vou para servir à maneira de Jesus Cristo, e para integrar dinamismos de corresponsabilidade e comunhão, por isso, quero estar aberto às interpelações que a Igreja do Porto me queira fazer.
CC – Que trabalho espera vir a desenvolver?
JL – Ainda não sei. Estou disponível para todo o trabalho que o senhor Dom Manuel Clemente me queira encarregar. Mais concretamente só depois de integrar a Equipa Episcopal do Porto poderei saber onde poderei colaborar na evangelização do Povo de Deus e no diálogo com a sociedade do Porto.
"Evidentemente que vou sentir saudades deste Povo Santo de Deus, de todas as pessoas com quem colaborei e que me ajudaram a crescer…"
CC – Vai-lhe custar deixar a Diocese de Coimbra? Que sector lhe custará mais abandonar?
JL – Somos humanos. Evidentemente que vou sentir saudades deste Povo Santo de Deus, de todas as pessoas com quem colaborei e que me ajudaram a crescer: o Senhor Dom Albino, o Senhor Dom João Alves, a quem estou muito grato por tudo o que me ofereceram durante o meu ministério presbiteral; aos sacerdotes, tão sacrificados, generosos e que me deram sempre um exemplo extraordinário de zelo apostólico e de comunhão presbiteral; aos religiosos e religiosas, consagrados e consagradas, de quem muito aprendi a servir a Igreja diocesana sempre na dimensão universal e com dinamismos próprios de cada carisma que são uma riqueza para a Igreja; aos leigos responsáveis, e são tantos e tão generosos; ao seminário a quem servi e ao ISET onde leccionei; a tantos homens e mulheres com responsabilidades na cultura, no ensino e na condução da sociedade, com quem aprendi a dialogar com lealdade e franqueza. A todos a minha gratidão. Quanto aos sectores, apenas tenho a dizer que fui um privilegiado porque praticamente quase todos os sectores da vida diocesana me deram a possibilidade de os servir. Apesar das minhas limitações e de certamente não ter correspondido às expectativas colocadas, estou consciente de que dei o melhor de mim próprio. Neste sentido, apoiado na misericórdia divina e na compreensão de todos os diocesanos de Coimbra, parto com a felicidade do apóstolo de quem se pode dizer «a minha palavra e a minha pregação não consistiram em discursos persuasivos da sabedoria humana, mas na manifestação do Espírito e do poder divino, para a vossa fé se não apoiar na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus» (1Cor. 2, 4).
CC – Que balanço faz do trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos?
JL – É muito difícil fazer um balanço do trabalho pastoral, apesar de ser necessário fazer frequentemente avaliação para corrigir e para encontrar novos caminhos de evangelização. Além disso, o trabalho pastoral é sempre fruto de tantas colaborações e de tantos dinamismos, uns humanos, outros que superam os humanos porque pertencem ao mandato de Jesus Cristo que promete o Consolador, o Espírito da Verdade, que conduz a história dos homens e dinamiza a acção apostólica da Igreja. Mas, tenho a consciência de que a Igreja diocesana de Coimbra, no seu conjunto, e é isto o que mais importa, está a crescer e está a saber acertar com as exigência que o Espírito lhe vai colocando. Sectores como as vocações, seminários, pastoral universitária, apostolado dos leigos, dinamização dos diversos ministérios, o impulso da caridade, a valorização litúrgica, a formação do clero e dos leigos, a formação de catequistas, os jovens, é todo um trabalho que está a dar os seus frutos e outros mais abundantes virão no futuro.
CC – Fez um trabalho importante no sector universitário, nomeadamente no CADC e no Instituto Justiça e Paz. Tendo em conta a sua experiência, é importante que a Igreja continue a apostar nesse sector?
JL – Naturalmente que o domínio da cultura superior, ou o que poderíamos chamar de pastoral da inteligência, é fundamental para a pastoral diocesana. A nobreza do ser humano está na sua capacidade de amar lucidamente a Deus e ao seu irmão, mas fá-lo na grandeza da sua inteligência e da sua racionalidade. Por isso, este sector, sem preconceitos de elitismo, merece uma atenção privilegiada da Igreja Diocesana. Claro que este âmbito da actividade apostólica da Igreja se situa nas exigências do Apostolado dos leigos, seja individual, seja associativo. Julgo que já alguns passos importantes se deram e novos se devem dar para que os dinamismos do Espírito presente na história, para que a renovação conciliar, entendida na sua profundidade, e as exigência do tempo presente, sejam tidos em conta na evangelização dos homens e das mulheres de hoje, nomeadamente daqueles que irão ter responsabilidades na condução da sociedade, nos diversos domínios de actuação pública.
CC – Outro aspecto importante a ter em conta é a passagem de testemunho. Como vai decorrer esse processo? Quem o irá substituir nas suas funções?
JL – Todas essas questões que me coloca não me dizem respeito, mas são da inteira responsabilidade do Senhor Bispo de Coimbra. Estarei disponível para ajudar a integrar aquele que vier. Não lhe darei qualquer orientação específica, porque cada um tem a sua forma própria de orientar a vida pastoral de que está encarregado. Pertencerá ao novo indigitado para estas áreas de vida pastoral dialogar com os leigos que orientam os diversos sectores de actividade, associações de leigos e movimentos, assim como diversos consagrados que colaboram, para encontrarem, em diálogo comum, os melhores caminhos de evangelização para o meio universitário.
CC – Foi o último padre que a paróquia de Seixo de Mira deu à Igreja, e é o segundo bispo do concelho de Mira a ser nomeado. É uma alegria especial para a comunidade local?
JL – Eu comungo desta alegria e estou muito grato à minha paróquia de origem, às suas gentes simples, generosas e cheias de espírito de fé, que muito me deram ao longo destes cinquenta e dois anos de vida. Estou muito grato à minha família de quem recebi a vida, a educação na fé e o acompanhamento permanente, sentindo comigo as alegrias do serviço sacerdotal. Eu sei que a minha paróquia e a minha família irão continuar a acompanhar-me nesta nova missão que me está destinada. A mesma palavra de gratidão vai dirigida ao concelho de Mira, que sendo pequeno em território é grande nas suas gentes. É para mim fonte de alegria pertencer a este povo gandarez. Conto com o Senhor Dom Manuel Pelino, amigo de longa data, para me ajudar já que falamos «o mesmo dialecto gandarez».
"Quero fazer em mim próprio a experiência das Bem-aventuranças, no seu conteúdo e no seu contexto."
CC – Como vê o futuro no exercício das suas novas funções?
JL – Como diz o Concilio, estamos numa época nova da história. Como todas as novas etapas da história, esta apresenta-se com interpelações aliciantes no domínio da evangelização. São muitas as dificuldades, mas estas tornam-se em causa de novas respostas evangélicas. Estou convicto que Deus continua a amar este mundo concreto e real e que ao escolher alguém para o ministério apostólico o faz saborear a beleza do Seu amor e sentir a profundidade do Seu Mistério de Comunhão divina, para o enviar em Seu nome como testemunha do Seu carinho e misericórdia para com todos, mas de maneira particular para com todos os que sofrem ou são mais esquecidos desta terra. Quero fazer em mim próprio a experiência das Bem-aventuranças, no seu conteúdo e no seu contexto. É nesta alegria, confiança e exigência que eu parto. É nesta convicção que, fazendo parte do colégio apostólico, alargo o coração para me dedicar ao bem de todas as Igrejas e da humanidade inteira.
Mais uma vez, a expressão da profunda gratidão à Diocese de Coimbra
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