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21 de março de 2007

O livro de Bento XVI sobre “Jesus de Nazaré”


Manuel Augusto Rodrigues

Está para breve, precisamente a 16 de Abril, dia em que Bento XVI perfaz 80 anos, o aparecimento do livro da sua autoria, "Jesus de Nazaré. 1.ª parte: do Baptismo no Jordão à Transfiguração". Começou a escrevê-lo em 2003, como nos diz na longa introdução datada de 30 de Setembro passado (dia de S. Jerónimo, o grande padre da Igreja que tanto valorizou a Sagrada Escritura), parte da qual já é conhecida. Nessas passagens, em síntese, Jesus é apresentado como o novo Moisés, o novo profeta que fala com Deus face a face, que é o Filho, profundamente unido ao Pai.
Trata-se de um estudo que se reveste de uma importância muito grande para os tempos que correm, um livro que interessa não só aos católicos mas a todos os que se dizem seguidores do Evangelho. Que tem o cristianismo a dizer acerca das questões fundamentais do homem de hoje? Esta pergunta está ligada a uma outra: quem é Jesus de Nazaré? Foi somente uma grande personalidade ou foi algo mais? O livro de Bento XVI surge pouco tempo depois de Corrado Augias e Mauro Pesce, professor de história do cristianismo em Bolonha, terem escrito «Inchiesta su Gesù», em que o primeiro autor pergunta e o segundo responde. Segundo Pesce Jesus era um judeu que não queria fundar uma nova religião. Estava convencido de que o Deus da Sagrada Escritura queria transformar o mundo instaurando na terra o seu reino. O próprio Jesus interessou-se também pelos problemas do mundo. Por fim, nada disso sucedeu e assim adveio a condenação. Depois houve reacções várias por parte dos discípulos. Também Vittorio Messori deu à luz da estampa o livro "Ipotesi su Gesù". No fundo os dois livros apresentam a pessoa de Jesus como um simples hebreu, apenas um homem que surgiu com ideias especiais dentro da mentalidade da sua época, mas que nada tinha de divino.
Neste texto seguimos de perto as suas palavras introdutórias. Começa por tratar da historiografia de Cristo a partir dos anos 30 – 40, que foram os da sua juventude, e diz qual a motivação que o levou a lançar-se agora nesta empresa. Naquele tempo, eram famosos os livros de Karl Adam, Romano Guardini, Franz Michel Willam, Giovanni Papini, Jean Daniel-Rops. Como diz, neles a imagem de Jesus Cristo é apresentada a partir dos evangelhos: como ele viveu na terra e como, sendo homem, trouxe Deus em si e ao mesmo tempo aos homens na terra, com o qual, enquanto Filho, era uma e a mesma coisa. Assim, pelo homem Jesus, tornou visível a Deus e a partir de Deus pôde ver-se a imagem do homem justo.
Com o decorrer dos anos a situação alterou-se: passou a fazer-se a distinção entre o Jesus histórico e o Cristo da fé afastando-se uma realidade da outra e criando-se mesmo um fosso entre ambas. Mas, interroga-se o pontífice: que significado pode ter a fé em Jesus Cristo, em Jesus Filho de Deus vivo, se depois o homem Jesus começa a ser tão diferente da forma como é apresentado pelos evangelistas?
Lembra que os progressos da investigação histórico-crítica conduziram a distinções sempre mais subtis entre os diversos estratos da tradição. Por detrás delas, a figura de Jesus, em que se apoia a fé, passou a ser cada vez mais incerta, e tomaram-se menos exactos os seus contornos; segundo não poucos especialistas, Jesus devia ser procurado para além das tradições dos evangelistas e das suas fontes, e assim se passou a interpretações sempre mais contraditórias: desde o revolucionário inimigo de Roma que se opõe ao poder constituído que naturalmente desaparece ao mito moralista que tudo permite e inexplicavelmente acaba por causar a própria ruína.
Acrescenta que quem lê depois um certo número destas reconstruções pode imediatamente constatar que elas são muito mais fotografias dos seus autores e das ideais que possuem do que a apresentação clara da imagem de Jesus; e assim a própria figura de Jesus afastou-se ainda mais de nós.
Desta forma, prossegue, todas as tentativas feitas deixaram como denominador comum a impressão de que nós sabemos muito pouco de seguro acerca de Jesus e que só mais tarde a fé na sua divindade viria a plasmar a sua imagem.
E prossegue: esta impressão, entretanto, penetrou profundamente na consciência comum da cristandade. Uma tal situação é dramática para a fé porque torna incerto o seu autêntico ponto de referência; a íntima amizade com Jesus, de que tudo depende, ameaça conduzir ao vazio.
Sentiu a necessidade de fornecer aos leitores estas indicações de método porque elas determinam o caminho da sua interpretação da figura de Jesus no Novo Testamento. Confessa que tem confiança nos evangelhos sem deixar de reconhecer naturalmente quanto o concílio e a moderna exegese dizem sobre os géneros literários, a intencionalidade das afirmações, o contexto comunitário dos evangelhos e a sua forma de falar neste contexto vivo. Aceitando tudo isso, quis fazer a tentativa de apresentar o Jesus dos evangelhos como o verdadeiro Jesus, como o Jesus histórico no verdadeiro sentido da palavra.
Está convencido e espera que também o leitor concorde em que esta figura de Jesus é muito mais lógica e do ponto de vista histórico também muito mais compreensível do que as reconstruções com as quais estivemos confrontados nas últimas décadas. Não duvida que este Jesus – o dos evangelhos - é uma personagem historicamente sensata e convincente. Só se tivesse sucedido alguma coisa de muito extraordinário, essa figura e as suas palavras que superavam radicalmente todas as esperanças e as expectativas da época, se poderiam explicar a sua crucifixão e a sua eficácia.
Recorda que, passados cerca de 20 anos após a morte de Jesus, encontramos plenamente desenvolvida no grande hino a Cristo na Carta aos Filipenses (2, 6-8) uma cristologia, em que de Jesus se diz que era igual a Deus mas se despojou a si mesmo, se fez homem, se humilhou até à morte na cruz e que lhe é devida a homenagem das criaturas, a adoração que no profeta Isaías (45, 23) Deus proclamou como a que só a ele se devia prestar. A investigação histórica coloca justamente a questão: o que sucedeu nestes 20 anos desde a crucifixão? Como se chegou a esta cristologia?
Afirma que a acção de formações comunitárias anónimas, de que se procura encontrar os expoentes, na realidade não explica nada, pelo que coloca a seguinte questão: como é possível que grupos desconhecidos pudessem ser tão criativos, convencer e em tal modo impor-se? Não é mais lógico do pondo de vista histórico que a grandeza se coloque desde o início e admitir que a figura de Jesus fez na prática ultrapassar todas as categorias disponíveis e só pôde ser assim compreendida a partir do mistério de Deus? Crer, sim, que como homem ele era Deus e deu a conhecer essa realidade nas parábolas, todavia sempre de uma forma que está para além do método histórico. Se a partir desta convicção de fé se lêem os textos com o método histórico a sua abertura é maior, e eles rasgam-se para mostrar uma vida e uma figura que são dignos de fé.
Tornam-se então claras também as diferenças presentes em muitos casos nos escritos do Novo Testamento à volta de Jesus; e não obstante, todas as diversidades, há um profundo acordo nestes textos. É claro que com esta visão da figura de Jesus eu vou para além do que diz por exemplo Schnackenburg em representação de uma boa parte da exegese contemporânea.
Diz que não é contra a exegese moderna, manifestando com grande reconhecimento os resultados por ela alcançados. Teve a preocupação de ir mais além da mera interpretação histórico-crítica aplicando os novos critérios metodológicos que permitem uma interpretação propriamente teológica da Bíblia e que naturalmente requerem a fé, sem por isso renunciar à seriedade histórica.
Afirma que não é um acto do magistério mas unicamente expressão da sua pesquisa pessoal do "vulto do Senhor" (Sal 27, 8) e que todos são livres de o contradizer. Como comentou alguém, o livro é um grandioso fresco em dois volumes sobre o que o próprio papa definiu "o mistério de Jesus". A sua leitura é originalíssima, o mesmo se podendo dizer da sua análise histórico-teológica do fundamento da fé cristã; um livro que está na sequência do trabalho científico produzido ao longo da sua vida com cerca de 600 artigos e uma centena de obras. Bento XVI manifestando uma grande paixão pelos temas que estuda e convidando o leitor a aproximar-se de Jesus, não descura o rigor científico que se impõe.

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