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21 de março de 2007

Aníbal Duarte de Almeida em entrevista ao “Correio”


Para alguns políticos, os pobres
não têm voto nem sindicato


Os pobres "são o resto de uma sociedade um bocado ingrata" - afirma em entrevista ao "Correio", Aníbal Duarte de Almeida, presidente da "Casa dos Pobres" de Coimbra, que está prestes a ter novas instalações em S. Martinho do Bispo.
Aníbal Duarte de Almeida, presidente da Casa dos Pobres de Coimbra, fala da história da instituição com o entusiasmo de quem fez da vida uma luta por aqueles que são, muitas vezes, tratados como "o resto de uma sociedade um bocado ingrata". Ainda a exercer a profissão de técnico oficial de contas e assumindo cargos como a presidência dos conselhos fiscais da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, abraça projectos e causas em nome dos que se queixam de pobreza e de solidão. As novas instalações da Casa dos Pobres em S. Martinho do Bispo são um sonho quase realizado. Depois de uma construção de 300 mil contos, fica a falar o equipamento… À cidade e aos seus grupos e instituições agradece o apoio e a solidariedade, afirmando que os inimigos são sempre um motivo para seguir em frente. Utilizando o jornalismo e a sua colaboração em vários jornais, faz da sua vontade de alertar a sociedade "uma espécie de sacerdócio" e explica que "entre assistir a uma oração ou salvar uma ovelha que está no poço, prefere salvar a ovelha".


Como está, neste momento, o processo de construção das novas instalações da Casa dos Pobres em S. Martinho do Bispo?
Neste momento, estão a ser feitos os acabamentos por dentro e a ser preparada a instalação da electricidade e da canalização. São coisas que demoram muito tempo. O edifício é muito grande e, nesta fase, parece que o tempo não anda… mas anda! E queremos que tudo esteja preparado para dar o maior conforto possível àqueles que vão usufruir da casa, que são o resto de uma sociedade um bocado ingrata.


A futura localização da Casa em S. Martinho do Bispo é preferível à Baixa de Coimbra?
A Baixa de Coimbra tem a vantagem de permitir às pessoas a convivência com o pulsar da cidade. Em S. Martinho fica-se um bocadinho mais longe, embora aquela seja uma zona habitacional moderna, muito agradável e muito bonita. Mas tudo é compensado pelas instalações que serão muito melhores do que estas. Eu estou sempre "com o credo na boca" e ao fim-de-semana tenho sempre o telemóvel ligado por medo que, por exemplo, rebente uma botija numa casa que é toda de madeira.


As instalações actuais, na Praça Velha, estão cedidas à Casa dos Pobres?
Não. Estamos a pagar uma renda. Estivemos dois anos sem a pagar por compreensão dos donos do prédio. Esse era o período previsto para a construção da nova casa, mas, as burocracias e confusões inerentes ao início de qualquer obra fizeram com que os dois anos fossem ultrapassados. O contrato de ocupação definia que ao fim desse período começaríamos a pagar renda e é o que acontece desde Janeiro de 2004. Pagamos 1500 euros actualizáveis.


Como nasceu a Casa dos Pobres e com que sentido foi fundada?
A Casa dos Pobres nasceu no dia 8 de Maio de 1935. O comandante da polícia da época, muito preocupado com a mendicidade que grassava na cidade, com as pessoas andrajosamente vestidas, cheias de fome, a dormir nos vãos das escadas ou nas valetas, pensou, numa conjugação de esforços com o governo civil e com a Câmara Municipal de Coimbra, em criar a Casa dos Pobres. Foram feitos os registos em 1934 e, no ano seguinte, surgiu a casa no Pátio da Inquisição, numas instalações que previamente lhe foram atribuídas pela Câmara Municipal de Coimbra, no dia 1 de Fevereiro de 1934, depois de uma deliberação camarária que conseguiu a unanimidade. Mais tarde, a autarquia, no tempo do Dr. Manuel Machado, entendeu que devia fazer do Pátio da Inquisição um centro histórico, o que não se harmoniza com a presença de velhos depauperados, que não prestam para a sociedade, não têm voto nem sindicato. Portanto havia que retirá-los de lá e deram-nos como alternativa uma subcave no Bairro da Rosa. Chegou a ser assinado um protocolo entre a Câmara e a Casa dos Pobres mas nunca concordei com aquilo e, através do jornalismo, combati até ao limite das minhas forças, pela anulação daquele protocolo. E consegui. Começou, então, uma nova odisseia para arranjar umas novas instalações. Só a construção são 300 mil contos e falta ainda o equipamento… Entretanto, eu e outras pessoas criámos o grupo "Os Românticos", que todas as segundas sextas-feiras de cada mês almoça na Casa dos Pobres. Pagam a refeição e ficam sempre uns trocos… Têm sido a alavanca, o sustentáculo da Casa. São, agora, entre 50 e 60 pessoas. Um grupo muito mais numeroso também não caberia no nosso refeitório. Há também muitas iniciativas da cidade que nos apoiam, como os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra, a ordem dos Engenheiros, dos Advogados e muitos outros.


Sente que a cidade valoriza o trabalho da instituição?
Sim. Talvez por ironia do destino, a Casa tem um presidente que é colaborador da comunicação social… Vou alertando a sociedade dessa forma para a nossa causa. Costumo dizer que é uma espécie de sacerdócio. Não sei se estou no bom caminho se não… Sou uma pessoa crente e não me custa dizê-lo, mas não sou praticante, ou melhor, sou praticante na obra concreta. E entre assistir a uma oração ou salvar uma ovelha que está no poço, eu prefiro salvar a ovelha. A cidade apoia-nos sim. Os bancos vão ajudando também, por exemplo. Há também quem reze muitos padre-nossos e quem se confesse a toda a hora e momento e, apesar disso, entendem que o auxílio à Casa dos Pobres está sempre abaixo de outros compromissos. E respondem-nos mecanicamente com uma carta: "Em virtude de outros compromissos assumidos, não podemos ajudar…" Recebemos esta resposta de alguns bancos de renome e falamos provavelmente de pessoas que até vão á missa todos os dias… Mas gostava de dizer também que o Sr. Bispo D. João Alves e o Sr. Bispo D. Albino Cleto sempre nos ajudaram. Este ano, recebi um telefonema do D. Albino a pedir para me ver na Casa dos Pobres no dia seguinte. Entregou-me um cheque de 100 contos, no dia seguinte. A colaboração com a instituição já começara com D. João Alves e o D. Albino não quebrou a cadeia. Na altura das lutas com a Câmara por causa das instalações, o Sr. Bispo D. João, que parece uma pessoa circunspecta, e sem que nunca tivesse falado muito com ele, deu uma conferência de imprensa e intercedeu pela Casa dos Pobres. Isso teve alguns reflexos, até pelo peso que a diocese tem na cidade. Entendi depois que devia agradecer-lhe e ele sorriu para mim e disse-me apenas: "Não tem de quê". Este é um pouco do meu percurso e do meu relacionamento com as entidades de Coimbra. Lembro-me também da sardinhada que fizemos com alguns políticos em S. Martinho, em Setembro do ano passado, em que esteve presente o Dr. Manuel Machado, o antigo presidente da Câmara. Tive que lhes dizer o que o professor Bissaya disse na inauguração da Casa da Infância de Soure: "Devo aos meus adversários toda esta obra". Porque eles dão-nos sempre motivo para uma luta. Quando estudei Física aprendi que numa força tem que se ter em conta o ponto de aplicação, o sentido, a direcção, a intensidade. Se eu tiver o ponto de aplicação, o resto eu procuro desenvolver.


"Quando estudei Física aprendi que numa força tem que se ter em conta o ponto de aplicação, o sentido, a direcção, a intensidade. Se eu tiver o ponto de aplicação, o resto eu procuro desenvolver."


Quantas pessoas acolhem agora?
Acolhemos 49 pessoas, maioritariamente mulheres, que nos chegam já muito fragilizadas...


Como é que os pedidos de ajuda chegam à Casa dos Pobres?
As pessoas dirigem-se a nós e pedem ajuda. Quem chega é inscrito e acompanhado por uma assistente social que visita a casa das pessoas e estuda cada situação. Na medida do possível, e se tivermos vaga, vamos atendendo os casos dos mais carenciados. Neste momento devemos ter cerca de 240 pessoas em lista de espera.


Que valências possui a instituição?
A valência de lar apenas, porque não temos outra hipótese. Temos dois casos em que servimos só a refeição mas não podemos, por exemplo, levar as refeições a casa das pessoas. Ideal seria não termos que desenraizar as pessoas dos lares e das famílias e queríamos apontar para aí mas é muito complicado. Até porque as famílias estão muitas vezes desagregadas, com problemas.


As carências de quem procura a instituição são também relacionais, afectivas, …
Sente-se muito um problema de solidão. Muitos chegam-nos a dizer isso mesmo, que estão sós. Mas não podemos atender a todos…E só quando morre alguma pessoa, podemos abrir uma vaga. Cada pessoa que está na Casa tem o seu drama, a sua história. E às vezes descarregam na comunidade toda esta carga que trazem atrás de si. É preciso uma paciência, um equilíbrio e uma força de vontade muito grandes.


"Cada pessoa que está na Casa tem o seu drama, a sua história. E às vezes descarregam na comunidade toda esta carga que trazem atrás de si. É preciso uma paciência, um equilíbrio e uma força de vontade muito grandes."


Quantas pessoas trabalham na Casa neste momento?
Trabalham 23 pessoas na Casa neste momento.


Que meios tem a instituição para sobreviver?
Temos à volta de oito mil associados. Ultimamente têm-se inscrito muitas pessoas a pensar já no amanhã e pensando que, inscritas como sócios, poderá ser mais fácil a sua entrada. Claro que pode não ser suficiente. Nesta avalanche, vamos recolhendo quem podemos, consoante as necessidades das pessoas e as nossas possibilidades. Recebemos também muitos donativos. Ainda há pouco tempo, uma empresa fez cinquenta anos, juntou os seus fornecedores e amigos e ofereceu mil contos. Também um empresário de Coimbra, que não quer ser nomeado, há cerca de um ano, ofereceu 25 mil euros. É aqui que se sente a prática do que nos diz a Bíblia. É nestas coisas.

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