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13 de novembro de 2006

A PROPÓSITO DA SEMANA DOS SEMINÁRIOS

É facto que não são muitos os jovens que hoje vêm ter connosco para dar conta das preferências vocacionais no que diz respeito à sua entrada no Seminário. É possível que, como acontece no casamento, tenham receio de uma entrega definitiva.
Já no que diz respeito ao voluntariado, muitos põem o problema: “e se eu passasse um ano ou dois nas missões ou em qualquer outra tarefa no campo da solidariedade social”?
Na semana dos seminários que agora estamos a viver, este tema dá para uma proveitosa reflexão. Para alguém viver a sua entrega, para manifestar a sua generosidade, para responder ao convite de Deus, nem 8, nem 88! “Quem tem sede venha às águas!” Nesta Ordem Terceira do Voluntariado incentiva-se o entusiasmo, a doação, a realização pessoal, a resposta às novas propostas que os novos tempos exigem.
Onde está a diferença entre o martírio recente de dois missionários em Moçambique, ele sacerdote e ela alistada no campo dos Leigos para o Desenvolvimento? Não serão ambos santos? Os nossos esquemas terão de ser mais flexíveis... Ou é obrigatório ter dias certos para estar doente, para folgar ou para dormir? Afinal não haverá um tempo para tudo? O Mestre talhava o tempo consoante a missão lhe inspirava: agora vamos a um casamento, agora vamos descansar e rezar, agora vamos pescar, agora vamos pregar às aldeias, agora vamos subir a Jerusalém, onde o Filho do Homem vai ser entregue. Quem não souber ou puder fazer contratos definitivos faça-os a tempo certo que a Igreja precisa de frescura luminosa e barulhenta. Na mesma gaveta há-de haver “coisas novas e velhas”, como diz o Evangelho.
O que importa é que cada época tenha homens capazes de reflectir as situações, as mudanças, os vários caminhos. Se não há modelos de padres e freiras (de bonecos de barro já chegou Adão e Eva), quem pode ousar continuar a arvorar-se em fabricante de velhos moldes, já tão desfocados, do Único e Verdadeiro Sacerdote?
Anda por aí um homem silencioso que um dia foi voz de Deus e percebeu que é a nós aquem compete ler os “sinais dos tempos”. Chama--se António de Brito Cardoso. Coimbra mal o conhece, que às vezes os verdadeiros homens de cultura são como os santos -passam despercebidos. Terá agora 93 anos. Encharcado (é o termo!) nos estudos bíblicos, no Hebraico, no Grego, no Latim, autor de compêndios e gramáticas, traduções, companheiro de velhos alfarrábios que estuda e publica, enclausurado em Arquivos inacessíveis, nunca os vermelhos do canonicato lhe feriram os olhos, nem as pompas do mundo o desviaram do carisma que o marcou e ele abraçou com empenho e dedicação.
Um dia esse jovem de vinte e poucos anos que era o dr. Brito Cardoso, acordou intoxicado com o cheiro a mofo de velhos corredores do Seminário de Coimbra a cair de podre. Nessa altura, o Espírito deixou cair por ali alguém que solicitado para pegar nas rédeas do Seminário, reagiu à maneira do Profeta: “Ó Senhor, eu não sei falar, eu não sei dirigir, eu não sei administrar, eu só tenho 25 anos! Disse que não ia mas depois foi! Porquê?
O testemunho é do próprio Mons. Almeida Trindade que transcreve uma carta do jovem Brito Cardoso, datada de 14 de Setembro de 1941: “Soube aqui, na Pampilhosa da Serra onde me encontro, pelo Dr. Urbano, que tinhas sido convidado pelo Sr Bispo Conde para vice-reitor do nosso Seminário.
Esta carta não é para te dar os parabéns, aliás merecidos (...); se houvesse de os dar seria ao Seminário, seria a todos os que têm amor e dedicação pelo Seminário, como eu tenho. Quereria apenas dizer-te que aceites, pois é preciso fazer o sacrifício de tudo pelo Seminário (...). Eu pessoalmente, se pessoalmente te falasse, nada mais saberia dizer do que isto. É o seminário, é o futuro da Diocese, todos os que no Seminário trabalham que pedem que uma nova época, uma nova história, começada por novas pessoas, comece a aparecer. Aceita, meu caro Trindade (...).
Uma só coisa te peço: aceita a vice-reitoria do Seminário”.
Adivinha-se e sabe-se o porquê deste desabafo angustiante. Outros o sentiram e manifestaram, como o ponderado Mons. Martins Madeira que, da sua aldeia de Gavinhos, em Oliveira do Hospital, onde se encontrava a passar férias, escreveu assim: “Meu caro Dr. Trindade,
O primeiro assunto da sua carta deixemo-lo para uma conversa mais larga em Outubro. O segundo não me surpreende, mas achei-o temporão demais. Eu quería-o mais um ano ou dois em contacto mais directo com o mundo, para conhecer os homens e aprender a lidar com eles. Penso que um dos defeitos mais graves na educação dos nossos seminaristas é querem fazer deles anjos para viverem com os homens.
O nosso Cónego Amado enfermava um pouco deste defeito, que os prefeitos e até o Sr. D. António alimentam. É a educação que se vai transmitindo. (...)
Meu amigo, vá para vice-reitor com os olhos em Deus e nas almas, e procure formar padres que sejam bons homens e bons cristãos, porque não há outro caminho. Foram formados de cima para baixo, quando devia ser o contrário. Faltam-lhes as bases. (...)

A. Borges de Carvalho

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