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29 de maio de 2008

O REINO DE DEUS AINDA ESTÁ ENTRE NÓS?


O Relatório da União Europeia sobre a situação social em 2007 mostra que o índice de desigualdade social de Portugal não só é o mais alto entre os nossos parceiros comunitários como continua a aumentar. Mas traz um outro dado extremamente preocupante: quase um milhão de portugueses vive com menos de 10 euros por dia e 230 mil com menos de cinco. Outros indicadores mostram que há mesmo fome e não fora o Banco Alimentar possivelmente mais de 200 mil portugueses não teriam uma refeição "decente" por dia.
Todos sabemos isso. Estranha humanidade esta que continua a permitir que tais situações aconteçam a um número tão elevado de pessoas! Mais estranho ainda se recordarmos antepassados nossos que viveram há muitas dezenas de milhares de anos. Escavações arqueológicas numa caverna de Shanidar, no norte do Iraque, desenterraram um esqueleto de um homem cego de um olho, sofrendo de artrite e cujo braço direito fora amputado ao nível do cotovelo, portanto, incapaz de se alimentar e de tratar de si. Sabe-se que este homem viveu até aos quarenta anos, o que significa que ele foi cuidado e acarinhado pelos que com ele viviam. Isto é, hoje conseguimos ser mais bárbaros do que os "selvagens" que nos antecederam muitos milhares de anos. Uma sociedade que não é capaz de cuidar dos seus pobres é uma sociedade injusta e moralmente doente. Uma comunidade mundial, que produz 48 300 000 000 000 euros e deixa morrer à fome um só que seja dos seus membros, não é uma comunidade de irmãos; é objectivamente um bando de assassinos!
Mas passemos da sociedade para a comunidade cristã. Se o reino dos homens é o reino (dos especuladores) do petróleo, o Reino de Deus é o reino da justiça, da paz e do amor. Portanto, os cristãos, que dizem acreditar no Evangelho de Jesus Cristo que veio pregar o Reino de Deus, deviam ter uma resposta muito diferente. Marcos diz logo a abrir: "Convertei-vos e acreditai porque o Reino de Deis está próximo" (1,15). Sabemos que com Jesus irrompeu na história o Reino de Deus que se manifestava sempre que Ele cuidava dos mais necessitados. "Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciada a Boa Nova da salvação" (Mt 11,5) foi a resposta de Jesus aos enviados de João. São estas atitudes e gestos que tornam presente entre nós o Reino de Deus. Além disso, só têm acesso ao Reino de Deus os que, por amor, dão pão a quem tem fome, água aos que têm sede, roupa os que estão esfarrapados (Mt 25,35-36), ou, numa versão moderna, os que, por amor, dão pão aos que têm fome, ouvem os que estão em solidão, criam emprego para os desempregados, cuidam dos que não têm saúde, acolhem os que ninguém quer receber, amam os que "não merecem" ser amados.
Estes é que são os seguidores de Cristo, pois seguir Cristo é repetir os seus gestos libertadores. L. Boff tem uma expressão muito feliz: "seguir Jesus é pro-seguir a sua obra, per-seguir a sua causa e com-seguir a sua plenitude". Esta expressão pode traduzir-se deste modo, o seguimento de Cristo exprime o imperativo ético de chegar à plenitude de Cristo, de comprometer-se na sua própria causa, que é a causa dos pobres, e de anunciar o Reino de Deus (E. Alburquerque). Portanto o projecto de Jesus não se resume a uma região formal e ritualista: "Não é o que diz Senhor, Senhor, que entrará no Reino dos céus, mas o que cumpre a vontade de meu Pai" (Mt7,21). Seguir Jesus é mergulhar num amor absoluto e transformador, que nasce da relação com o nosso Deus, que é amor, e que só pode ser conhecido e amado mediante um amor activo aos irmãos: "Amor a Deus e amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino, encontramos o próprio Jesus e, em Jesus, encontramos Deus". Por isso, "o amor torna-se o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade de uma vida humana. Jesus identifica-se com os necessitados: famintos, sedentos, estrangeiros, nus, enfermos, encarcerados" (DCE 15). É, portanto, neste contexto que Jesus situa o específico dos que querem ser seus seguidores: "Que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (Jo. 13, 34 -35).
Sendo assim, o seguimento de Cristo implica uma dimensão sócio-política, já que se situa na vivência efectiva do amor, concretizada no compromisso pela justiça e na luta por uma sociedade mais digna do homem. É por estas mediações sócio-políticas que tem de passar obrigatoriamente a santidade hoje, conforme nos dizem os bispos reunidos em Sínodo em 1987, na sua mensagem ao povo de Deus: "Somos todos chamados a ser santos como o Pai que está no Céu, segundo a nossa vocação específica. No nosso tempo, a sede de santidade cresce cada vez mais no coração dos fiéis, na medida em que eles escutam o chamamento de Deus que os convida a viver com Cristo e a transformar o mundo. O Espírito faz-nos descobrir, cada vez com mais clareza, que a santidade não é hoje possível sem o compromisso com a justiça e sem a solidariedade com os pobres e oprimidos. O modelo de santidade dos fiéis leigos deve integrar a dimensão social da transformação do mundo segundo o plano de Deus" (4).
Se continuamos a ter milhões de pobres, abandonados, marginalizados, temos de obrigatoriamente nos perguntar se o Reino de Deus está realmente entre nós? E se não somos, como comunidade cristã, capazes de testemunhar a presença visível do Reino de Deus neste mundo tão desnorteado, o que anda a Igreja portuguesa a fazer?

José Dias da Silva

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