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13 de março de 2008

Fé e Compromisso


ENSINO, UMA TAREFA DE TODOS

José Dias da Silva

Foi uma grande manifestação a dos professores em Lisboa. Cem mil pessoas é mesmo muita gente.
As manifestações são um dos exercícios da democracia, que é um sistema onde se cruzam necessariamente interesses e opiniões diferentes que devem ter a sua expressão pública. Por isso, o estado normal da democracia deve ser o de "crise", de confronto ou conflito. Quando tudo está em harmonia não há verdadeira democracia: ou temos autoritarismo ou o total desinteresse dos cidadãos, o que é desastroso.
Contudo, a manifestação de Lisboa e a sua grandeza não deve deixar a ideia de que os problemas do país se resumem ao ensino. É um problema muito complexo e estruturante, que tem de ser resolvido num clima de muita serenidade e sentido das responsabilidades, mas não é o único. Por outro lado, chamou-me a atenção que a maior manifestação de professores tenha tido como palavra de ordem a avaliação. Apesar de referências a um descontentamento generalizado, à falta de respeito pelos professores, etc., no fundo o grande motor foi a avaliação. Nesse sentido, não estou com os professores. Há muitas questões a resolver e a resolver em diálogo e com cedências mútuas, mas espero sinceramente que o governo ou a ministra não recuem na avaliação. Seria deixar tudo quase na mesma.
Porque a avaliação é um elemento fundamental e indispensável no desenvolvimento de uma sociedade. Ajuda a descobrir erros, incompetências, baldices, absentismos e põe em causa um "faz de conta" que existe demasiado na nossa sociedade. Mas esta minha exigência não é só para os professores, mas para todos os servidores públicos. A avaliação, que nunca será perfeita, distingue o mérito, estimula os trabalhadores sérios, castiga os que andam por aí à espera do fim do mês. Compreende-se esta angústia da avaliação, mas é muito mau sintoma que só ela tenha mobilizado tanta gente, quando há muitos outros problemas graves.
Por exemplo, todos os anos há 120 mil alunos a chumbarem no básico, 17% dos estudantes do secundário são repetentes e 46% abandonam a escola no 12.º ano. Nesta realidade todos temos culpas e a todos os agentes tem de ser exigido competência, dedicação e esforço. Muitas são as causas que podem apontar-se, pelo que todos temos de ajudar na sua resolução.
Uma primeira dificuldade está nos alunos. Eles são diferentes dos das gerações anteriores, nos interesses e motivações e até nos comportamentos. Depois, são muito mais que antigamente. E este mais significa um maior número mas também que, com a escolaridade obrigatória, chegaram à escola muitas crianças "disfuncionais" que não apareciam antes.
E, no entanto, a generalidade dos professores continua ser preparada para uma escola clássica, onde não existiam muitos destes problemas. Mais, dadas a falta de docentes e a falta de emprego, muitos professores não têm vocação para tal: "educar é amar" lia-se num cartaz da manifestação. E, perante estas transformações todas, muitos não perceberam que o problema maior do ensino não está no que transmitir mas no como: como motivar, como seduzir, como prender. E este exercício é muito complicado e exige uma criatividade continuada.
Terceira dificuldade e, para mim talvez a maior está no ministério. Eu estaria de alma e coração com os professores se eles fossem manifestar-se contra os programas e as imposições pedagógicas, que possivelmente serão a principal causa do stress dos professores e do insucesso escolar: programas enormes, desajustados da realidade, repetitivos, sem a preocupação por dar os conceitos básicos em vez de programas universitários, sem o objectivo claro de ensinar "a ler, a escrever e a contar"; depois aquelas contínuas mudanças de terminologia que só servem para baralhar e cuja última versão (até agora) tem o épico nome de tlebs (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário); depois vêm as recomendações de sábios pedagogos para que não se obrigue as crianças a decorar ou se ensine brincando, como se o estudo fosse uma brincadeira e uma palhaçada e não um trabalho exigente; depois vêm os pseudo-disciplinadores que retiram a autoridade ao professor na sala de aula e possibilitam todo um conjunto de "maus comportamentos"; depois vêm as subtis ou explícitas instruções para se facilitar tudo de modo a que o nosso insucesso escolar seja reduzido, não pela exigência do saber ministrado e adquirido mas pelo facilitismo e o nivelamento por baixo. Nesta manifestação devíamos estar professores, pais, alunos aos milhões à porta do ministério exigindo não tanto a cabeça da ministra, mas a de todos estes sabidos. Porque não tenhamos ilusões, os ministros passam e eles vão lá continuar.
Seja como for de uma coisa devemos estar convictos. A sociedade de hoje só se pode desenvolver e tornar mais à medida da pessoa, se for um sociedade do conhecimento, onde o nível cultural dos seus membros seja cada vez maior e de melhor qualidade: "Existe, em particular no nosso tempo, uma outra forma de propriedade, que reveste uma importância nada inferior à da terra: é a propriedade do conhecimento, da técnica e do saber. A riqueza das nações industrializadas funda-se muito mais sobre este tipo de propriedade do que sobre a dos recursos naturais" (CA 32).

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