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23 de fevereiro de 2009

Fé e Compromisso


CIDADANIA E DEMOCRACIA
José Dias da Silva
A cidadania é um conceito que está, de um modo genérico, relacionado com o direito e o dever que cada membro de uma sociedade tem de contribuir para a construção do bem comum. Não se trata, pois, de um mero acidente, mas de uma exigência essencial, estruturante da sua identidade. Pode até dizer-se que a cidadania é uma expressão máxima da dignidade humana, pois implica a participação e a realização efectiva do cidadão, num diálogo fecundo com os outros, contribuindo para o seu próprio crescimento e para que a sociedade em que vive se torne mais justa, mais solidária, numa palavra, mais humana.
Recordar isto é hoje uma necessidade. Os tempos de crise facilmente nos fazem esquecer os fundamentos últimos, angustiados que estamos com os acontecimentos imediatos. E a tentação de esquecer os valores construtivos é grande, face ao desejo de "sobreviver" no meio de dificuldades que obrigam a renunciar aos muitos hábitos hedonistas que a sociedade consumista nos fez interiorizar. Efectivamente ela conseguiu com um feito notável: a transformação dos cidadãos em consumistas.
Por isso, muitos vivem uma moral pragmática de vários tipos: a "moral do camaleão", que permite uma hábil e desleal adaptação às contínuas mudanças para assegurar o sucesso, ou a "moral do flamingo", que ora se apoia numa pata ora noutra, conforme os interesses imediatos. Há também a "moral do dinossauro", que nos amarra ao passado e nos incapacita de ver o que há de bom no que vai surgindo de novo.
No meio destas posições situam-se os que procuram discernir, em cada tempo, quais os valores e convicções que vale a pena viver, procurando fazer uma leitura contínua e atenta dos sinais dos tempos (GS 4). Especialmente os cristãos são chamados a descobrir "todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas coisas do mundo" (EN 70) e a pô-las em prática.
No actual contexto, é hora da cidadania moral. Têm que ser os cidadãos, no seu todo, no seu pluralismo de ideias, a encontrarem um denominador comum, uma base para uma ética de mínimos que permita descobrir, em conjunto, as decisões nada fáceis que urge tomar em tempos de crise profunda.
É certo que, se sem democracia não há cidadania, o exercício da cidadania é um elemento estruturante de uma democracia de qualidade. Acontece que, não sendo a cidadania intuitiva nem fácil, tem de ser aprendida: é, pois, necessária uma educação para a cidadania. E não há educação sem conteúdos. Neste sentido gostaria de deixar um contributo. Se os adultos não quiserem levá-lo a sério, que, ao menos, os saibamos apresentar aos futuros cidadãos que são as nossas crianças e os nossos jovens.
São valores que retiro do ensinamento social da Igreja, mas que são de aplicação universal.
Numa sociedade fundada no dinheiro, torna-se indispensável viver uma justa liberdade frente aos bens materiais que promova um estilo de vida sóbrio e austero, sobretudo neste tempo em que milhões de pessoas passam fome e a exploração da natureza se faz de um modo desenfreado absolutamente inaceitável.
Numa sociedade onde a corrupção e a marginalização estão demasiado presentes, temos de interiorizar o sentido de uma verdadeira justiça que conduza ao respeito pela dignidade de todas as pessoas e povos e a uma promoção eficaz dos direitos humanos fundamentais.
Numa sociedade em que o individualismo e egoísmo marcam demasiado as relações humanas, é urgente implementar um verdadeiro "amor fraterno" (referi-me no último comentário à sociedade como comunidade moral) que faça da solidariedade um estilo de vida. E por solidariedade entendo a definição de João Paulo II: não se trata de "um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes", mas antes de uma "determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos" (SRS 38).
Numa sociedade tão manipuladora, onde temos dificuldade em perceber o que é verdade e o que é mentira, seja na comunicação social, seja "nas letras miudinhas" dos contratos, seja nas diferentes interpretações políticas, por exemplo dos números e dos relatórios, necessita-se de um espírito crítico bem fundamentado. Porque, como diz o Concílio, estamos precisados de "homens e mulheres que não sejam somente cultos mas que tenham uma forte personalidade, como o nosso tempo vivamente exige" (GS 31).
Finalmente, numa sociedade onde a cidadania quase não existe, temos de desenvolver uma verdadeira consciência social que estimule cada um a, "contribuindo para o bem comum segundo as suas próprias capacidades e considerando as necessidades alheias, preocupar-se também com a promoção das instituições públicas ou privadas que servem para melhorar as condições de vida humana" (GS 30).
Um país só pode progredir com o contributo de todos, pessoas e grupos.
Mas o contributo de cada um e de cada grupo depende da sua consciência social, ou por outras palavras, do grau e da qualidade da sua cidadania.

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