Inventariação da Paróquia de Vila Nova de Poiares
Por José Eduardo Reis Coutinho
Em 17 deste mês, ficou completada e concluída a inventariação da paróquia de Vila Nova de Poiares, com um quantitativo de 150 novas fichas e o pormenorizado registo fotográfico do património considerado, na igreja matriz e nas muitas capelas, em parte zelosamente reunido e salvaguardado pelo senhor Padre Anselmo Ramos Dias Gaspar, durante o exercício da paroquialidade, que lhe fora conferida. A presente tarefa teve o acompanhamento do actual Prior, o Padre Joaquim Lopes Ribeiro Natário, e do senhor António Esteves Pina Gil, assim como de outros colaboradores.
A designação toponímica nada tem de suposta medievalidade, visto provir do municipalismo local, datando da recente elevação da sede concelhia à categoria de vila, em 17 de Agosto de 1905, sem que tal facto exclua um eventual assentamento remoto, assim designado - villa - no sentido territorial-agrário, com evolução e diferenças oscilatórias, como vigorava, no País, até ao terceiro quartel do século XIII.
Interessante, porém, é o elemento toponímico Poiares, de frequente distribuição na metade norte de Portugal e manifesto indício de ancestralidade, denotando possíveis explicitudes arqueológicas, através do plural de poiar, podiale-, pelo latim, ou, como derivado de poio, na forma resultante de podiu-, com o vetusto sufixo - ar, toponimicamente fixado, no século X, apesar de interpretação obscura.
Outros exemplares toponímicos compõem distintas origens históricas. Expressamente, Crasto - apesar do nítido rotacismo - alude a fortificações castrejas, instaladas na topografia roqueira e anteriores à romanização; Framilo, que indica um possessor pré-nacional, de origem germânica, Filimirus; Safail, de hipotética proveniência islâmica, pelo intenso moçarabismo da região conimbricense, até à Reconquista, em 1064, ou, talvez, visigótico, enquanto genitivo pessoal, terminado em hildi, a designar uma possessão agrária; Couchel, que, pela desinência -el (de -ello), revela carácter moçárabe; Vaide, a representar, por certo, um genitivo, de nome pessoal germânico, Valaildus, pela forma dissilábica Vaíde, consonante à alteração do assento, devido ao antigo Vaídi.
Úteis, sobretudo, são as prestimosas informações prestadas em documentos escritos, datados dos séculos IX e X, acerca destes territórios e concernentes a lugares memoráveis, porquanto, a 4 de Setembro, de data compreendida entre 850-866, o rei Ordonho I, de Leão, doava ao abade Dom Justo, do mosteiro de Lorvão, in suburbio de conimbrie uilla que dicunt algazala cum quantum adprestitum ominis est. uineas pumares terras ruptas uel inruptas. Et alios uillares iuxta ribulo mondeco nomine lauredo et sautelo (…) per suos terminos anticos (Diplomata et Chartae, 2), menções estas que constituem um especial valimento, na localização das villae existentes nesse tempo, e no repartimento de vilares, independentes, individualizados como fracções de vilas agrárias, anteriores, de cujo longínquo passado ainda subsiste um sugestivo Vilar.
Depois, o contencioso provocado pelos habitantes desavindos das villae de Alkinitia (Alcainça, como seria hoje, segundo a evolução fonética, normal) e Cova (Penacova), conduziu à divisão efectuada, entre os territórios, em 6 de Agosto de 936, determinada na presença do conde Ximeno Dias, imperante local do rei leonês. A divisória é traçada de modo preciso, referindo ad arcas, ad arcas duas, contexta saxinea, per petras fictiles e arca terrenea, qui diuident inter alkinitia et uilla coua et lauredo (D.C., 42), o que traduz a profusão de factos arqueológicos - dolmens e menires -, reporta certa cadência de monumentos megalíticos e vincula um ancestral povoamento, respeitador das velhas confinações, imemoráveis, ulteriormente ligados, com grande probabilidade, a limites de prédios, da centuriação romana.
No dia 25 de Fevereiro de 980, os esposos Gaudino e Composta doavam, aos religiosos laurbanenses, metade de Alcainça: de uilla alquinitia media ubi est uestra ecclesia uocabulo sancti martini territorio miranda et nostras cortes cum casas et intrinsecus domorum omnia (…) nostras uineas iuxta illa ecclesia cum suas aquas et suos ortos (D.C, 127), salientando as actividades agrícolas, o casario e a igreja, num procedimento posteriormente tido, também, por Secular e Abuzat, ao doarem, em testamento, à mesma comunidade, a herança que tinham in uilla de alquinitia et nostras cortes cum casas et lagare et cupas IIIs et uineas cum suas clausas et quarta de pomare que fuit de iacob alkerna et Ve mazanarias que abeo de parte auio meo abuzag (D.C., 165).
Maioritariamente, as notícias expostas abonam a génese dos povoados e daquelas circunscrições geográficas, férteis e aprazíveis, cultivadas e desenvolvidas, agregadas num crescendo, seguidamente pronunciado na multiplicidade toponímica, alusiva à colonização proto-nacional, nos séculos XI-XII, manifestando a realidade de então: Vale de Afonso, Vale de Lobo, Vale de Vaíde, Vale de Vaz e Vale de Viegas indicam o assento de uma família, em cada qual dos respectivos locais, pois, o vocábulo enuncia o arcaico valle, paralelo a vallo, que significa propriedade rústica, vallada, cercada de muros, paliçadas, ou, sebes, como já, no século X, alguns prédios apareciam mencionados, cum suas clausas, chousas, ou, cercados, as vedações. Em reforço de nada dependerem da modalidade do relevo depressionário, alongado e composto por talvegue e duas vertentes, estes são de modelação ligeira, de colinas cultivadas e caracterizados pelos próprios determinativos pessoais, que designam as recuadas origens e os começos agrários, igualmente afirmados em Póvoa, a partir da época sesnandina - afonsina.
Também Venda Nova preserva a lembrança toponímica da célebre albergaria de Poiares, contemplada no testamento de Dom Sancho I, em 1211, com o legado de 200 maravedis, e pela rainha Dona Dulce, que lhe doara toda a actual freguesia de Ervedal da Beira, como salientam as Inquirições, de 1258, o que diz bem a importância da instituição para o monarca - só agraciara mais quatro, congéneres - e para a esposa, movida pela piedade cristã e pelo interesse no benefício social, da assistência prestada, compreensivelmente determinante da desenvoltura da terra.
Perante factos deste teor, à semelhança daqueles em que, nos primórdios, a par do povoamento seguia a cristianização, como garantia de perfeita estabilidade, pela satisfação do sentimento católico dos povoadores, outro tanto acontecia na plena Idade Média, cuja egreia de Poiares, que pagava colheita, vem elencada no censual diocesano e prelatício de Coimbra, um manuscrito datável da segunda metade do século XIV, possivelmente do reinado de Dom Fernando.
Contudo, à vista, nenhum património material subsiste desses longínquos tempos, porque o gradual suceder das gerações vai secundarizando e substituindo as identidades anteriores, frequentemente desconjuntadas e deixadas ao abandono, mas, acolhidas nas preservantes camadas estratigráficas, do solo natal, que as guarda e retém, para ceder, confiante, aos cuidados reconstrutivos da Arqueologia, benfazeja.
Volvidas essas etapas, de meio milénio, igual periodização dá sequência, mais palpável, à memória constituída, com acentuado carácter duradouro, expresso na vasta produção escultórica, em calcário, dos séculos XV a XVII; em terracota e madeira, desta centúria e da seguinte, com sugestivos estofados; e na pintura, daquela última periodização.
Seguidamente, o grupo dos metais integra objectos em bronze, latão e estanho, usados em diferentes modalidades, ao serviço da iluminação, na liturgia, embelezada pelo aparato das peças vulgares, ou, requintadas, renascentistas, maneiristas e proto-barrocas, ostentando prestigiantes afirmações solenes, condignas de abrilhantar as manifestações públicas da fé, após celebrações sagradas, junto de retábulos imponentes, admiráveis e aurifulgentes, como efusão permanente da transcendência divina.
Livros litúrgicos, paramentos, objectos de devoção e vários utensílios, de reconhecida função, compõem a globalidade patrimonial, enquanto certificam tendências estéticas, preferências divulgadas e permitem averiguar frequências, sendo reveladores de circuitos comerciais estrangeiros, da difusão até lugarejos recônditos e da concessão de valores admiráveis, apresentados e transmitidos aos fiéis, pela novidade das formas, pela riqueza ornamental e pelo realce da impressionante dimensão sacralizante.
A designação toponímica nada tem de suposta medievalidade, visto provir do municipalismo local, datando da recente elevação da sede concelhia à categoria de vila, em 17 de Agosto de 1905, sem que tal facto exclua um eventual assentamento remoto, assim designado - villa - no sentido territorial-agrário, com evolução e diferenças oscilatórias, como vigorava, no País, até ao terceiro quartel do século XIII.
Interessante, porém, é o elemento toponímico Poiares, de frequente distribuição na metade norte de Portugal e manifesto indício de ancestralidade, denotando possíveis explicitudes arqueológicas, através do plural de poiar, podiale-, pelo latim, ou, como derivado de poio, na forma resultante de podiu-, com o vetusto sufixo - ar, toponimicamente fixado, no século X, apesar de interpretação obscura.
Outros exemplares toponímicos compõem distintas origens históricas. Expressamente, Crasto - apesar do nítido rotacismo - alude a fortificações castrejas, instaladas na topografia roqueira e anteriores à romanização; Framilo, que indica um possessor pré-nacional, de origem germânica, Filimirus; Safail, de hipotética proveniência islâmica, pelo intenso moçarabismo da região conimbricense, até à Reconquista, em 1064, ou, talvez, visigótico, enquanto genitivo pessoal, terminado em hildi, a designar uma possessão agrária; Couchel, que, pela desinência -el (de -ello), revela carácter moçárabe; Vaide, a representar, por certo, um genitivo, de nome pessoal germânico, Valaildus, pela forma dissilábica Vaíde, consonante à alteração do assento, devido ao antigo Vaídi.
Úteis, sobretudo, são as prestimosas informações prestadas em documentos escritos, datados dos séculos IX e X, acerca destes territórios e concernentes a lugares memoráveis, porquanto, a 4 de Setembro, de data compreendida entre 850-866, o rei Ordonho I, de Leão, doava ao abade Dom Justo, do mosteiro de Lorvão, in suburbio de conimbrie uilla que dicunt algazala cum quantum adprestitum ominis est. uineas pumares terras ruptas uel inruptas. Et alios uillares iuxta ribulo mondeco nomine lauredo et sautelo (…) per suos terminos anticos (Diplomata et Chartae, 2), menções estas que constituem um especial valimento, na localização das villae existentes nesse tempo, e no repartimento de vilares, independentes, individualizados como fracções de vilas agrárias, anteriores, de cujo longínquo passado ainda subsiste um sugestivo Vilar.
Depois, o contencioso provocado pelos habitantes desavindos das villae de Alkinitia (Alcainça, como seria hoje, segundo a evolução fonética, normal) e Cova (Penacova), conduziu à divisão efectuada, entre os territórios, em 6 de Agosto de 936, determinada na presença do conde Ximeno Dias, imperante local do rei leonês. A divisória é traçada de modo preciso, referindo ad arcas, ad arcas duas, contexta saxinea, per petras fictiles e arca terrenea, qui diuident inter alkinitia et uilla coua et lauredo (D.C., 42), o que traduz a profusão de factos arqueológicos - dolmens e menires -, reporta certa cadência de monumentos megalíticos e vincula um ancestral povoamento, respeitador das velhas confinações, imemoráveis, ulteriormente ligados, com grande probabilidade, a limites de prédios, da centuriação romana.
No dia 25 de Fevereiro de 980, os esposos Gaudino e Composta doavam, aos religiosos laurbanenses, metade de Alcainça: de uilla alquinitia media ubi est uestra ecclesia uocabulo sancti martini territorio miranda et nostras cortes cum casas et intrinsecus domorum omnia (…) nostras uineas iuxta illa ecclesia cum suas aquas et suos ortos (D.C, 127), salientando as actividades agrícolas, o casario e a igreja, num procedimento posteriormente tido, também, por Secular e Abuzat, ao doarem, em testamento, à mesma comunidade, a herança que tinham in uilla de alquinitia et nostras cortes cum casas et lagare et cupas IIIs et uineas cum suas clausas et quarta de pomare que fuit de iacob alkerna et Ve mazanarias que abeo de parte auio meo abuzag (D.C., 165).
Maioritariamente, as notícias expostas abonam a génese dos povoados e daquelas circunscrições geográficas, férteis e aprazíveis, cultivadas e desenvolvidas, agregadas num crescendo, seguidamente pronunciado na multiplicidade toponímica, alusiva à colonização proto-nacional, nos séculos XI-XII, manifestando a realidade de então: Vale de Afonso, Vale de Lobo, Vale de Vaíde, Vale de Vaz e Vale de Viegas indicam o assento de uma família, em cada qual dos respectivos locais, pois, o vocábulo enuncia o arcaico valle, paralelo a vallo, que significa propriedade rústica, vallada, cercada de muros, paliçadas, ou, sebes, como já, no século X, alguns prédios apareciam mencionados, cum suas clausas, chousas, ou, cercados, as vedações. Em reforço de nada dependerem da modalidade do relevo depressionário, alongado e composto por talvegue e duas vertentes, estes são de modelação ligeira, de colinas cultivadas e caracterizados pelos próprios determinativos pessoais, que designam as recuadas origens e os começos agrários, igualmente afirmados em Póvoa, a partir da época sesnandina - afonsina.
Também Venda Nova preserva a lembrança toponímica da célebre albergaria de Poiares, contemplada no testamento de Dom Sancho I, em 1211, com o legado de 200 maravedis, e pela rainha Dona Dulce, que lhe doara toda a actual freguesia de Ervedal da Beira, como salientam as Inquirições, de 1258, o que diz bem a importância da instituição para o monarca - só agraciara mais quatro, congéneres - e para a esposa, movida pela piedade cristã e pelo interesse no benefício social, da assistência prestada, compreensivelmente determinante da desenvoltura da terra.
Perante factos deste teor, à semelhança daqueles em que, nos primórdios, a par do povoamento seguia a cristianização, como garantia de perfeita estabilidade, pela satisfação do sentimento católico dos povoadores, outro tanto acontecia na plena Idade Média, cuja egreia de Poiares, que pagava colheita, vem elencada no censual diocesano e prelatício de Coimbra, um manuscrito datável da segunda metade do século XIV, possivelmente do reinado de Dom Fernando.
Contudo, à vista, nenhum património material subsiste desses longínquos tempos, porque o gradual suceder das gerações vai secundarizando e substituindo as identidades anteriores, frequentemente desconjuntadas e deixadas ao abandono, mas, acolhidas nas preservantes camadas estratigráficas, do solo natal, que as guarda e retém, para ceder, confiante, aos cuidados reconstrutivos da Arqueologia, benfazeja.
Volvidas essas etapas, de meio milénio, igual periodização dá sequência, mais palpável, à memória constituída, com acentuado carácter duradouro, expresso na vasta produção escultórica, em calcário, dos séculos XV a XVII; em terracota e madeira, desta centúria e da seguinte, com sugestivos estofados; e na pintura, daquela última periodização.
Seguidamente, o grupo dos metais integra objectos em bronze, latão e estanho, usados em diferentes modalidades, ao serviço da iluminação, na liturgia, embelezada pelo aparato das peças vulgares, ou, requintadas, renascentistas, maneiristas e proto-barrocas, ostentando prestigiantes afirmações solenes, condignas de abrilhantar as manifestações públicas da fé, após celebrações sagradas, junto de retábulos imponentes, admiráveis e aurifulgentes, como efusão permanente da transcendência divina.
Livros litúrgicos, paramentos, objectos de devoção e vários utensílios, de reconhecida função, compõem a globalidade patrimonial, enquanto certificam tendências estéticas, preferências divulgadas e permitem averiguar frequências, sendo reveladores de circuitos comerciais estrangeiros, da difusão até lugarejos recônditos e da concessão de valores admiráveis, apresentados e transmitidos aos fiéis, pela novidade das formas, pela riqueza ornamental e pelo realce da impressionante dimensão sacralizante.
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