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27 de maio de 2008

Homilia de D. Albino Cleto na Bênção das Pastas



24 e 25 de Maio de 2008


De novo este lugar sagrado da Catedral de Coimbra se alegra com a presença de tantos estudantes da nossa Universidade que, cheios de esperança, vêm agradecer a Deus o termo do seu curso e rogar a bênção do Senhor para o exercício de uma profissão!
É um gesto de fé, que só alcançam pleno significado na medida em que acreditarmos que Deus tece connosco a teia da vida. Por isso participa neste gesto quem livremente o deseja. Que cada um de vós, meus amigos, o tenha desejado por esses motivos de fé.
É a partir deles, concretamente, a partir daquilo que consideramos pensamento de Deus e verdade que Ele nos ensina que agora vos proponho alguma reflexão sobre “profissão e família”.
Que nos diz a esse respeito o Credo que professamos?
O texto evangélico que escutámos convida-nos a entregar o nosso futuro nas mãos de Deus, que Jesus apresenta como o melhor dos Pais: “Não vos preocupeis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer; nem, quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir.”
Se o Pai que é Deus alimenta as aves do céu e veste de beleza os lírios do campo, como não há-de Ele cuidar dos homens e mulheres do mundo criados à sua imagem e semelhança?
Este o ensinamento de Jesu, que a 1.ª Leitura sublinha com insistência: “Ainda que a mulher esqueça a criança que amamenta, Eu não me esquecerei de ti”, diz o Senhor.
Ora o quadro social que antevedes para o exercício da vossa profissão parece contradizer estas certezas evangélicas. Será que Deus vos promete surgir por milagre uma colocação numa sociedade em crise, onde são tantos os que vos precederam e ainda não encontraram emprego?
Não. De certo Cristo não promete a protecção de Deus àqueles que confundirem confiança com boa sorte, muito menos com preguiça...
A confiança a que vos convido, em nome do mesmo Deus, supõe: a coerência de princípios e de vida. Assim, a chave para bem entendermos a promessa de Cristo está no início do seu discurso: “Ninguém pode servir a dois senhores”.
Como pode alguém pedir bênçãos de Deus para o exercício da sua profissão se nela for corrupto e egoísta? Será que tem direito a uma colocação bem remunerada quem a procurou através de mentiras e injustiças?
Conte com Deus quem servir a um só Senhor, a Ele, o Deus que é Pai de todos, que é Verdade, que é Amor.
É neste ponto que eu situo a minha reflexão sobre “profissão e família”.
O curso que agora completais, estimados finalistas, é, na perspectiva cristã, uma boa preparação para responder ao plano de Deus, enunciado nas primeiras páginas da Bíblia: “Cultivai a terra e dominai-a”. Plano que Deus justifica com o bem comum:
“Crescei e multiplicai-vos”.
Não se enquadra neste plano aquele que exercer o seu trabalho profissional tomado apenas pela ganância de ganhar muito, de suplantar os da sua Ordem de conseguir que o seu nome figure no cabeçalho dos jornais de economia, de poder gastar sem conta, rega1ando-se em prazeres sem medida…
Quem assim fizer já escolheu um outro senhor que não Deus. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
Servir a Deus supõe, então, copiar o próprio Deus nos motivos do seu agir: o amor.
O amor aos outros com que haveis de exercer a vossa profissão há-de ter em mente o bem comum, a segurança da vossa empresa, o êxito do vosso hospital ou escola. Muitas vezes o amor no exercício do vosso trabalho há-de pedir-vos atenção e paciência para valer a um pobre ou a um doente...
Mas creio que irei ao encontro do coração de todos se disser: a primeira fonte de amor para a vossa realização profissional seja a felicidade da família que constituis.
Para que ela se tome nascente de alegria no trabalho e esteio para muitos sacrifícios, constitui essa família como Deus a propõe: homem e mulher, que fundem entre si a riqueza das diferenças na unidade de um mesmo propósito: dar felicidade. Dar felicidade ao outro, que esse é o melhor caminho para a experimentar em si mesmo. Dar reciprocamente felicidade ao marido, à esposa. Dar com generosidade e alegria,
generosidade que frutifica nos filhos que Deus concede e que serão, no vosso espírito e no vosso afecto, uma bela coluna de suporte para os dias de cansaço, filhos que poderão ser também um estímulo paro o progresso da vossa carreira profissional.
Com generosidade conjugo fidelidade. Deus é o húmus onde deita, raízes o amor fiel.
Na 2ª. Leitura S. Paulo chamava-nos “adminis1radores dos bens de Deus”. Naturalmente por “administrador” entendia não aquele que manda mas o que serve e nisso é o primeiro. E logo ajuntava que a primordial qualidade de um administrador é a fidelidade.
Que a vossa profissão tenha sempre como motivo forte de empenho a fidelidade à família.
Esta minha insistência em ligar profissão e família, irmãos e amigos, quero acentuá-la tanto mais quanto é certo que hoje se torna difícil consegui-la. Administrar as horas de um dia, as atenções do serão, os planos de um fim de semana, os gastos de uma conta, de tal modo que o amor da família esteja presente nas opções e se harmonize bem com as motivações da profissão supõe inteligência e luz de Deus. Que Ele vo-las conceda.
Infelizmente verificamos hoje que em bastantes casos as obrigações profissionais enfraquecem os laços da família. Pobres daqueles a quem isso acontece porque a estreiteza do ordenado mensal os obriga à duplicação de emprego. Muitos o fazem justamente por amor à família. Lamento que outros caíam em tal situação porque olham a profissão antes demais como carreira de prestígio ou fonte de chorudos vencimentos.
Que o amor da profissão não abafe mas sustente o amor da família Falei de “profissão e família”. Mas não haverá entre nós alguém que, sacrificando a realização de uma família de sangue, conclua agora um curso superior para servir sim, mas em família mais alargada? Não haverá na Academia de Coimbra quem se entregue a Deus e aos irmãos, para os servir como padre, religiosa, leigo consagrado, missionária em países de pobreza? Os Bispos de Portugal dão graças a Deus por verem que aumenta nas suas dioceses o número de universitários para quem a profissão se engrandece no serviço de uma vocação consagrada.
“Não podeis servir a dois senhores”. A vossa bênção de finalistas e do vosso futuro, simbolizado nas pastas que tendes nas mãos, pede-vos coerência. Servi um só Senhor: Deus e a sua justiça. Rezai-lhe para que Ele vos ajude a seguirdes na vida os critérios que vos propõe e são hoje certamente os vossos propósitos. São critérios para caminho de felicidade. Sentireis então que Deus vos acompanha, vos abençoa, vos ama mais do que às aves do céu e aos lírios do campo.


+ Albino Cleto
Bispo de Coimbra

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