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12 de setembro de 2007

Opinião


O SILÊNCIO DE DEUS

José Dias da Silva

Ocorreu recentemente o décimo aniversário da morte de duas mulheres famosas: Diana, "a princesa do povo", e Teresa, a serva dos pobres de Calcutá. Seria interessante reflectir sobre as razões por que a comunicação social recordou tanto Diana quanto esqueceu Teresa. Talvez porque Diana se serviu de vários homens a quem nunca faltou dinheiro e Teresa serviu muitos homens (e mulheres) que não tinham sequer pão e água, numa vida sem picante para vender jornais.
Mas, e até os olhos sorriram aos jornalistas, afinal Teresa de Calcutá também teve os seus desgostos de amor com o seu Amado. Assim, assim! Assim temos mulher… e notícia!
Efectivamente a madre Teresa teve os seus tempos de "aridez espiritual": "Tenho uma terrível nostalgia de Deus". E acrescentava que a maior pobreza é não se sentir amado, solicitado, cuidado por ninguém, como ela sentia que estava a viver a sua relação com Jesus.
Percebe-se a curiosidade de jornalistas que de caminhadas místicas pouco percebem. Bastaria, por exemplo, ler S. João da Cruz, para perceber a importância da "noite", da "escuridão" (espirituais) e que só na parte final se alcança o êxtase ou a união profundamente íntima com Deus. O próprio Jesus sentiu este silêncio de Deus, quando na cruz gritou "Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt 27,46). Portanto, não há santos sem aridez espiritual, como não há fé autêntica sem dúvidas momentâneas ou periódicas: "Se um dia chego a ser santa, seguramente serei uma santa da ‘escuridão’. Seguirei estando ausente do Céu para dar luz aos que estão na escuridão na terra"!
Neste contexto, ela animava as suas irmãs: "Minhas queridas filhas, sem sofrimento, o nosso trabalho seria somente um trabalho social, muito bom e útil, mas não seria obra de Jesus Cristo, não participaria da redenção. Jesus deseja ajudar-nos partilhando a nossa vida, a nossa solidão, a nossa agonia e morte. Tudo isso ele assumiu em si mesmo e o levou à noite mais escura. Somente sendo um de nós nos podia redimir. A nós, permite fazer o mesmo: toda a desolação dos pobres, não apenas a sua pobreza material, mas também a sua profunda miséria espiritual deve ser redimida e compartilhada. Orai, então, assim quando isso vos resulte difícil: Quero viver neste mundo, que está longe de Deus, que se distanciou da luz de Jesus, para ajudá-lo, para carregar uma parte de seu sofrimento".
Quando alguém sente uma fé sem dúvidas é bom que se analise para avaliar a autenticidade da sua fé. Porque a fé não é ciência, não é certeza racional; é risco, é amor, é uma certeza outra que tem muito de irracional, como o amor autêntico.
Mas o silêncio de Deus envolve outros aspectos e perspectivas.
Onde está Deus em todo o sofrimento deste mundo? Onde estava Deus em Auschwitz ou Dachau? Onde está Deus nos massacres e nos genocídios? É a pergunta clássica e tão velhinha como o mundo. Mas uma resposta, pelo menos dos que têm fé, é "fácil": Deus está nos que foram gaseados ou mortos nos genocídios. A cruz de Cristo não terminou no Calvário há dois mil anos. Repete-se em cada derrotado da história, em cada vítima da injustiça, em cada marginalizado da sociedade: Deus está a ser de novo e continuamente crucificado em cada uma destas vítimas, tão real e presente como está na Eucaristia, porque "sempre que (não) fizestes isto ao mais pequenino dos meus irmãos foi a MIM que o (não) fizestes" (Mt 25,40.45). Por isso, a cruz de Cristo não devia ser apenas uma sinal que tantas vezes fazemos de modo envergonhado dentro das paredes das igrejas ou no silêncio do quarto: "Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca de sabedoria, nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gregos" (1Cor 1,22-23).
É este escândalo e esta loucura que também nós, os crentes, parecemos não querer aceitar. Cristo foi crucificado porque lutou contra uma sociedade injusta: "ou ele ou nós" diziam, com razão, os sacerdotes (cf Jo 11,48). Se Cristo continua hoje em silêncio, crucificado nas vítimas silenciosas e silenciadas, é porque nós mantemos uma sociedade injusta e não lutamos contra ela em nome de Jesus Cristo. Se estivéssemos na frente da luta contra a injustiça e as violações da dignidade humana, estaríamos a gritar Cristo. Não haveria o silêncio de Deus.
Se o silêncio de Deus é hoje tão grande é porque os que dizem que acreditam nele não o manifestam: nem os primeiros responsáveis das Igrejas, mais preocupados em fazer discursos normativos do que em testemunhar a misericórdia e o amor infinitos de Deus (DCE,1: "No início do ser cristão, não há uma decisão ética…, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa"), nem os fiéis que quase sempre são simples reflexos da sociedade, traindo o mandato evangélico de testemunhar e viver o espírito do Sermão da montanha. E, no entanto, desde as primeiras páginas da Bíblia sabemos que Deus é o senhor da história (cf. GS 26) mas quer que sejamos nós os seus agentes transformadores: "Desci a fim de libertar o meu povo… e de o fazer subir desta terra para uma terra boa onde corre leite e mel… E agora vai: Eu te envio ao faraó e faz sair do Egipto o meu povo"(Ex 3,8.10).
Esta ordem a Moisés foi um mandato para cada um de nós. Pela resposta que dermos no compromisso pela justiça e com os deserdados da história seremos julgados (cf. Mt 25,40.45).

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