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22 de fevereiro de 2007

Director do Colégio de S. Teotónio ao “Correio”:



"Em Portugal não há liberdade de escolha!"

O Padre Dr. Manuel Carvalheiro, à frente do Colégio há quatro anos, quer um ensino assente em valores "como a responsabilidade, a solidariedade, a autonomia e a criatividade".


"Ser escola inspirada no Evangelho de Jesus Cristo": é desta forma que o director do Colégio S. Teotónio define a missão da instituição que dirige. Para o padre Manuel Carvalheiro Dias, "valores como a responsabilidade, solidariedade, autonomia e criatividade" ganham sentido e corpo em todas as actividades da escola, que, nas suas palavras, apenas tem em comum com os estabelecimentos de ensino públicos, "aquilo que o Ministério da Educação não deixa que seja diferente". Falando de projectos e iniciativas, das mais de vinte actividades de enriquecimento curricular oferecidas aos alunos e da presença da animação religiosa no projecto educativo, não disfarça o orgulho numa instituição que soma já 44 anos de existência e que orienta há 4 anos. Diz ainda, ter esperança num Portugal onde as escolhas dos pais para a educação dos filhos tenham lugar sem estarem sujeitas a "quaisquer constrangimentos financeiros ou sócio culturais". Com o curso superior de teologia do ISET e uma licenciatura em estudos de Português – História pala Universidade Católica, o padre Manuel Carvalheiro esteve também à frente da Obra de Frei Gil e foi director pedagógico da Escola Profissional da Lousã. Actualmente é ainda responsável pela Escola de Leigos da Diocese.


Entrevista de Lisa Ferreira e de Miguel Cotrim


Correio de Coimbra – Que valores se assumem no projecto educativo do S. Teotónio?
Padre Manuel Carvalheiro (MC) – "Colégio de São Teotónio: o humanismo cristão, um projecto educativo, uma escola plural" traduz de forma simples e concisa a missão desta escola como Escola Católica. O seu projecto educativo aparece como tradução do ser escola inspirada no Evangelho de Jesus Cristo. Concretamente, procuramos materializar valores como a responsabilidade, solidariedade, autonomia e criatividade, assentes na interioridade como espaço onde esta forma de ser ganha verdadeiro sentido.

"Como Escola católica, privilegiamos a qualidade da educação, a formação nos valores éticos e espirituais e a qualidade da relação entre todos os que fazem a comunidade educativa."


CC – O que distingue o colégio de uma escola estatal?
MC –
Além de alunos, professores, funcionários e instalações, diria que apenas tem em comum aquilo que o Ministério da Educação não deixa que seja diferente: o curriculum dos alunos e a forma de organizar. Tudo o que depende da nossa autonomia, é diferente. Como Escola católica, privilegiamos a qualidade da educação, a formação nos valores éticos e espirituais e a qualidade da relação entre todos os que fazem a comunidade educativa. Isto ganha sentido e torna-se visível em tudo o que fazemos, pois cada actividade é parte de um todo sólido e coerente. Das actividades de carácter religioso e de enriquecimento curricular, durante a semana, ao fim-de-semana e até em períodos de férias, ao acompanhamento dos alunos, quer os que conseguem elevados níveis de progresso quer os que manifestam mais dificuldades, tudo traduz esta forma peculiar de ser escola, com uma experiência de 44 anos.


CC – O governo definiu como aposta para os estabelecimentos públicos uma ocupação plena do tempo passado na escola. No Colégio, alguma coisa mudou com esta nova política?
MC –
Absolutamente nada, pois já há muito que temos uma escola a tempo inteiro. Quer dizer que é tradição entre nós ocupar pedagogicamente os nossos alunos mesmo quando algum professor falta (o que só acontece por razões verdadeiramente válidas), e a mancha horária é alargada, pois além de apoios e salas de estudo, são muitas as actividades de enriquecimento curricular que estão disponíveis.


CC – Que papel desempenham as actividades extra curriculares oferecidas pelo S. Teotónio?
MC –
Tudo o que se faz numa escola tem que estar ao serviço do currículo escolar, enriquecendo-o, traduzindo-o, de forma a poderem ser atingidas as competências definidas pela Tutela em cada ciclo de estudos. Por isso, em substituição de actividades extra curriculares, preferimos a designação de enriquecimento curricular e que é isso mesmo. Desde o reforço linguístico, às actividades desportivas, artísticas e culturais, são mais de vinte as possibilidades oferecidas aos alunos. Além de desempenharem a tal função de enriquecer o currículo, procuramos alargar os horizontes culturais dos nossos alunos e facilitar a vida às famílias, concentrando no Colégio aquilo que doutra forma teria de ser procurado em diferentes instituições.


CC – Que áreas atravessa a animação religiosa do colégio?
MC – A Animação Religiosa é uma esfera central da nossa identidade, pois, em articulação com a Educação Moral e Religiosa Católica, organiza a catequese segundo o Plano Nacional e sublinha a importância das celebrações cristãs, especialmente a Eucaristia, mas também celebrações penitenciais (2 por ano) ou de carácter mariano no mês de Maio. Temos ainda encontros e actividades que sublinham a educação cristã e os valores eclesiais.


CC – O Colégio foi fundado em 1963 numa época em que se verificava um grande surto de emigração. Para responder também a essa realidade, foi criado um regime de internato. Ainda se mantém?
MC –
Ainda mantemos o Internato (masculino e feminino), com cerca de 50 alunos. Continua a ser uma resposta para muitas famílias. A maioria dos alunos não tem qualquer ligação ao fenómeno da emigração dos anos 60 e 70. Nem tão pouco os alunos oriundos dos PALOP têm uma presença significativa. São, na maioria, filhos de famílias que encontram no internato (ficar a semana no Colégio, com todo o apoio escolar associado) uma possibilidade acrescida de sucesso educativo.


CC – Ainda funciona a residência para universitários?
MC – O mesmo se diga para a residência universitária que, apesar da proliferação de apartamentos e quartos arrendados a estudantes, ainda se mantém.


CC – A Semana Europeia vai reunir no colégio alunos e professores de vários países da Europa. Como surgiu o projecto e quais os seus objectivos?
MC –
Anualmente, procuramos ter no nosso Plano de Actividades várias visitas de estudo e intercâmbios escolares no estrangeiro, especialmente de âmbito europeu. Participámos em iniciativas do género no Luxemburgo. Este ano coube-nos a nós a organização da Semana Europeia. De 25 de Fevereiro a 4 de Março, teremos no Colégio escolas de 16 Países da União Europeia. Basicamente, diria que os objectivos são a partilha cultural, no reforço do maior conhecimento da diversidade europeia ao serviço duma cidadania comum, bem como a proficiência linguística na prática das línguas oficiais e que fazem parte do nosso currículo escolar.


CC – O S. Teotónio é uma das instituições privadas financiadas em parte pelo Estado. Como funciona este ou estes acordos?
MC –
O Colégio de São Teotónio é um estabelecimento de ensino particular. Não é financiado pelo Estado nem recebe deste qualquer subsídio. Acontece que mantém um contrato com o Estado mediante o qual este garante o funcionamento de algumas turmas no mesmo regime das escolas estatais. No âmbito dos contratos de associação, que aqui no colégio se aplicam aos 1º e 2º ciclos, o Estado compra-nos a educação e ensino, como um serviço que prestamos aos alunos, não havendo custos para os pais. Há ainda os contratos simples, aplicados ao 1º ciclo e secundário e os contratos de desenvolvimento, aplicados ao pré-escolar. Mediante estes contratos, o Estado concede um pequeno subsídio às famílias. Estas candidatam-se e poderão beneficiar de algum apoio em função do rendimento familiar.

CC – Prevê que estes contratos se mantenham?
MC – Para bem da educação, não só desejo que se mantenham como venham a ser celebrados com outras escolas. Sempre tive receio do modelo único (cheira-me a totalitarismo!), e se a educação em Portugal está como se sabe, que acontecerá se só tivermos escolas de modelo estatal?

"Liberdade, em educação, é a capacidade dos pais escolherem a escola dos seus filhos, segundo o Projecto Educativo"

CC – Os pais deveriam ser livres nas escolhas no âmbito da educação dos seus filhos?
MC –
Essa é uma tese que defendo e que modificaria definitivamente, não sem dificuldade, mas com enorme sucesso, o ensino em Portugal; terminaria de vez o corporativismo que nos tem amarrado a um passado que já não devia ser o nosso presente. Tenho esperança! Simplesmente, em Portugal, não há liberdade de escolha; quando muito poderíamos falar de um arremedo de liberdade garantido pelos Contratos Simples, de Desenvolvimento, ou até mesmo de Associação. É uma liberdade muito condicionada, seja à capacidade económica das famílias, seja à rede escolar. Liberdade, em educação, é a capacidade dos pais escolherem a escola dos seus filhos, segundo o Projecto Educativo, que se pretende, num legítimo exercício de paternidade, sem quaisquer constrangimentos financeiros ou sócio culturais. Estar amarrado a uma definição prévia segundo a residência é uma forma arcaica de organização do sistema e não condiz com o mundo em que já vivemos. Mais, doutros modelos já experimentados resultam dois aspectos que deveriam merecer a nossa atenção: um melhor desempenho do sistema educativo e o seu mais baixo custo. Devia fazer-nos pensar.


CC – Concorda com a existência dos rankings em função das médias nos exames nacionais?
MC –
Não. Esta é uma visão terceiro mundista. Digo-o por uma simples razão: a finalidade do sistema educativo é fazer com que todos concluam, com sucesso, a escolaridade básica e secundária, façam o seu percurso profissional e sejam cidadãos implicados no bem comum da sociedade. Uma escola que interessa à sociedade é uma escola que conseguiu diplomar todos os alunos matriculados. Que importa se alguns têm elevadas notas se muitos outros ficam pelo caminho e são afastados dos exames para não estragarem as médias? O ranking que interessaria, mesmo que continuasse a ter efeitos perversos, deveria assentar na eficácia e eficiência do sistema escolar para ultrapassarmos as piores taxas de desempenho da Europa no que toca a abandono escolar e número de alunos com Ensino secundário, já para não falar de formação profissional.


CC – Estes rankings expressam uma avaliação verdadeira das escolas?
MC – Pelo que disse, claro que não. Como dizia a Sr.ª Ministra, as Escolas são mais do que rankings.


CC – Em termos de estruturas físicas do colégio, o que mudou durante a sua direcção?
MC – Para sublinhar alguns aspectos mais significativos: foi criada mais uma sala de informática, foi renovada a sala de audiovisuais, foi completamente reformulada e equipada a cozinha e self-service, foram substituídas as janelas da fachada e voltadas para o quadrado da biblioteca, e foram reconstruídos os WC dos três pisos de salas de aula.


CC – E a que projectos deu prioridade?
MC – Quisemos dar prioridade a projectos que estivessem ligados à ideia de uma escola do século XXI. Então integramos projectos de nível europeu, como o programa Sócrates, e organizámos a Semana Europeia. Temos dado atenção ainda à área das novas tecnologias. Para além do material comprado, promovemos a criação de uma plataforma de e-learning, de modo a que os alunos, em casa, possam ter acesso a alguns recursos que os professores da turma disponibilizam. A partir daquilo a que chamamos o colégio virtual, os alunos têm acesso às disciplinas todas do seu currículo, dispondo de materiais didácticos de reforço. Podem até usar um chat de contacto e troca de informações com os professores, caso estes tenham possibilidade de o manter. Em termos curriculares, temos apostado, claramente, nas ciências experimentais de Biologia e Química. Num projecto preparado com os alunos, uma série de brincadeiras científicas foram postas em prática, durante o Laboratório Aberto, com todos, desde os mais pequeninos aos estudantes do secundário. Fazem-se experiências e são explicados os porquês dos resultados. Outro projecto, de longo prazo e ainda em fase de estudo, tem a ver com a oferta de formação profissional e a criação de um espaço de requalificação aberto ao exterior.

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