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27 de janeiro de 2009

É tempo de ser esperança


Por José Dias da Silva
Devo dizer que já me cansam as palavras que repetimos. Mas pior estou farto de gastarmos energias em problemas secundários, de não sermos capazes, todos, de nos unirmos, de dialogar honestamente no ataque aos reais problemas que nos estão e irão continuar a acontecer-nos.
Mas sobretudo estou farto de só falarmos de "dinheiro", de crise económico-financeira. A crise é muito mais funda, mas como só agora começa a chegar aos bolsos das pessoas é que a crise é gravíssima. Subscrevo em absoluto o que Clara F. Alves escreveu no Expresso: "Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro". Aqui é que estão as raízes profundas da crise da nossa sociedade: uma crise cultural. O drama é que as crises culturais só se resolvem com novos hábitos e novos estilos de vida, novas perspectivas da realidade e formas novas de nela intervir.
Penso que a maior parte tem uma difusa percepção disto. Basta olhar para as reacções ao discurso de Obama. Quase todos retiveram a palavra esperança, embora ignorassem outras como responsabilidade, individual e colectiva, unidade nacional baseada no diálogo e não no confronto, solidariedade e liberdade.
Por isso, hoje gostaria de falar da esperança, começando por lembrar que ela carrega consigo dois perigos. O primeiro é confundi-la com a confiança total, que leva ao quietismo, ao esperar que o outro, o "salvador", faça tudo: quantos passam, hoje, a vida a sonhar com um qualquer messias que lhes resolva as coisas com uma varinha mágica? O outro perigo está em, perante a falta de resultados imediatos, descambar em desesperança, na descrença, num vazio de ideias e valores, que alimentam a vida e lhe dão sentido.
Ora a esperança não pode ser só expectativa. Tem de ser uma resposta activa e motivadora aos desafios e aos sofrimentos que a história nos vai trazendo. Tem de partir da consciência da nossa finitude: o ser humano não é imune ao erro; as nossas decisões são sempre imperfeitas, têm, muitas vezes, aspectos de "perversidade inevitável" a exigir sucessivas rectificações. A consciência desta realidade não pode ser limitadora mas antes estimuladora de um contínuo esforço de superação das nossas limitações. Por isso, a esperança, uma sábia esperança, é essencial para não cairmos no desespero ou na frustração, para aceitar que, embora nem sempre discirnamos os caminhos mais adequados, nós somos os construtores da história, que o futuro não está pré-determinado, é um caminho onde nada está já decidido.
É certo que há muitos factores envolvidos neste caminho árduo e difícil. Mas muitos, sobretudo os negativos, vão ganhando força porque nos demitimos com a nossa passividade e falta de dinamismo nesta caminhada. João Paulo II chamou-lhe "estruturas de pecado" e analisou-as assim: "Se a situação actual se deve atribuir a dificuldades de índole diversa, não será fora de propósito falar de "estruturas de pecado", as quais se radicam no pecado pessoal e, por consequência, estão sempre ligadas a actos concretos das pessoas que as fazem aparecer, as consolidam e tornam difícil removê-las. E assim, estas estruturas reforçam-se, expandem-se e tornam-se fontes de outros pecados, condicionando a conduta dos homens". E acrescenta: "A condição do homem é tal que torna difícil analisar profundamente as acções e omissões das pessoas, sem implicar, duma maneira ou doutra, juízos ou referências de ordem ética" (SRS 36).
É neste contexto natural e inevitável que a esperança tem um papel fundamental: ajuda-nos a assumir, para os superar, os fracassos como momentos inevitáveis da nossa vida; faz-nos perceber que somos criaturas com limitações, algumas insuperáveis; alerta-nos para o facto de o homem prometeico ser um mito que tanto pode estimular, enquanto empurra para lá dos horizontes imediatos ou fechados, como conduzir ao derrotismo e ao desespero, por alimentar uma ideia errada, porque exagerada, das nossas possibilidades.
A esperança empurra-nos pois para a acção. O fracasso é sempre um atentado contra a esperança, mas pode, por isso mesmo, torná-la mais forte. Porque, apesar de só podermos ir alcançando realizações parciais, a esperança aponta sempre para mais além, para o mais perfeito e, portanto, para a mudança e para a renovação. Para ser produtiva, precisamos não só de uma esperança individual mas também de uma esperança colectiva: "Esperar é, portanto, um acto constitutivo tanto da pessoa como da comunidade, ou melhor, da pessoa em comunidade. A minha esperança implica esperar dos outros e com os outros. A esperança dos outros activa o meu esperar. A minha esperança sem a dos outros desemboca num egocentrismo fechado. O meu desesperar pode desembocar na desesperança dos outros. Numa palavra, esperamos e desesperamos em comunidade. A esperança e a desesperança são co-esperança e co-desesperança" (Tamayo).
Como povo, temos de viver colectivamente a esperança. Mais devemos praticar a "paciência da esperança". Não uma paciência resignada, mas activa e transformadora, pois, muitas vezes, como diz o Evangelho, "um é que o semeia e outro que colhe" (Jo 4,37).
Foi assim que se construíram as nações. É assim também que se vencem as crises.
Hoje é o tempo propício para vivermos e actuarmos a esperança.

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