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2 de março de 2007

TESTEMUNHO DE UM PADRE!



Carlos Godinho*
Ao referirmo-nos ao Senhor Padre Abílio Simões, vem-nos à memória, de imediato, o seu modo de ser directo, frontal, mas igualmente afável e fraterno. Foi no contacto com este modo de ser que construí, com o decorrer dos tempos, uma sólida relação de amizade e de admiração. Relação que não evidencio apenas agora, após a sua partida, mas que muitas vezes referi, quando ainda estava no meio de nós. Na verdade, cada uma destas características de personalidade era qualidade, na medida em que este colega não se fechava em si, recusando qualquer forma de diálogo. Quantas vezes lhe ouvi a expressão: «posso estar enganado… mas…», concluindo com a afirmação das suas convicções e opiniões, que defendia quando convencido delas. Esta afirmação, contudo, não recusava outros modos de pensar e de interpretar os motivos do diálogo, capaz mesmo de ceder, se entendesse que outras opções se revelariam mais válidas. Foi assim, particularmente, a nossa relação em termos de visão pastoral neste Arciprestado da Mealhada.
A sua frontalidade permitiu-me saber sempre o que sentia e pensava, não dando azo a impressões contraditórias e sobretudo a ressentimentos estéreis. Assim, a sinceridade constituía-se como cimento de uma verdadeira relação de amizade e de correcta colaboração pastoral. A sua frontalidade é, para mim, um requisito que guardo como uma das suas grandes qualidades.
Mas, para quem teve o privilégio de contactar com este homem e este padre, as suas maiores qualidades eram a afabilidade e a sua simplicidade. Senti-o sempre, desde a primeira hora. Não sei se por ser o padre mais novo do Arciprestado; se por ser quase conterrâneo seu, o que nunca foi motivo de grande conversa entre nós; se pelas nossas maneiras de ser… Certo é que sempre tive no Senhor Padre Abílio um bom amigo, um esteio de amizade, que hoje sinto faltar-me, mesmo mais que as suas mãos para o serviço pastoral, que tanto delas necessita. O seu modo de tratamento para comigo era muitas vezes um misto de brincadeira e de amizade, não deixando de fazer perceber subliminarmente o apreço pelo esforço que eu fazia no sentido de prosseguir estudos e de me valorizar ao nível dos conhecimentos. Afinal, este padre também era professor; era igualmente um homem atento à actualidade, que não lhe escapava e tantas vezes motivava as reflexões que connosco partilhou, em artigos de opinião; era um homem preocupado com a sua formação contínua, de que são exemplo as pós-graduações que frequentou em bioética e agora – nem eu sabia! – em direitos humanos. Sabia da importância da formação contínua e da atenção ao quotidiano.
A sua afabilidade manifestava-se, igualmente, na sua inteira disponibilidade para colaborar com os colegas de Arciprestado. Quantas vezes diante de uma necessidade de colaboração pastoral lhe ouvi: «Vai descansado!...», quando por qualquer razão tinha de me ausentar das paróquias; ou mesmo lhe ouvia: «Porque não disseste?...», quando eu próprio julgava não ser oportuno exigir-lhe uma disponibilidade que poderia revelar-se desnecessária, por me permitir conjugar os vários compromissos de agenda, ou recorria a outro colega para o não sobrecarregar a ele. Mas tudo isto era feito numa imensa simplicidade e disponibilidade que se quedava no decorrer dos dias. A sua capacidade de sacrifício para responder a urgências de serviço pastoral evidenciava ainda esta mesma disponibilidade. Fazia-o, particularmente, quando um colega estava impedido por razões de saúde de corresponder a compromissos assumidos.
A sua alegria e atenção às pessoas são qualidades que sempre havemos de reconhecer. A sua «teimosia» evidenciava-se aqui, quando tinha de lutar pelos direitos de alguém, a quem defendia com maior determinação do que aquela que emprestava à afirmação dos seus.
Esta alegria era visível numa outra capacidade: a de rir de si próprio. Quando conversávamos sobre um dos seus comentários escritos e procurávamos descodificar a sua linguagem, a sua ironia sobrevinha da forma mais pura e sabia tirar um proveitoso partido desse seu modo de ser. Várias foram as conversas em torno deste modo de escrever e de olhar a realidade. Sempre com a mesma bonomia.
Se o papel é incapaz de acolher o que um coração sente, devo dizer que esta foi uma boa experiência de companhia humana e no ministério. A sua falta é grande! Fica-nos a «recordação», que, como afirmei no contexto da celebração de missa de sétimo dia, é muito mais que a memória: é a capacidade de deixar vir de novo ao coração aquilo que guardamos como o melhor de alguém.
Este é o testemunho de um padre! Poderia ser o meu, relativamente ao Senhor Padre Abílio. Mas não! É sim o seu! O testemunho que guardo, com saudade, de alguém que soube ser um «irmão», no recurso a essa expressão que ele mesmo usava no trato com cada pessoa que com ele se cruzava.

*(Pároco de Luso e Casal Comba)

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