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7 de março de 2007

Fé e Compromisso

MUTAÇÃO CULTURAL

José Dias da Silva

Hoje seria um dia oportuno para falar da mulher, das marginalizações e violências a que ainda está sujeita, mas também do seu papel insubstituível na construção de um mundo melhor. Contudo a Nota Pastoral a propósito do Referendo sobre o aborto merece uma especial atenção.
A afirmação inicial de que o "resultado favorável do "Sim" é sinal de uma acentuada mutação cultural no povo portugues" (1) é objectivamente verdadeira. Simplesmente já há bastante tempo que essa mutação cultural estava a acontecer e nós, toda a Igreja e não só os bispos, íamos metendo a cabeça na areia, iludindo-nos com os chavões clássicos: o fundo católico do povo português, a nossa história, etc.. Nunca levámos a sério essa mudança, de que falávamos… mas como se fosse algo abstracto. Foi preciso vir este referendo para abrirmos os olhos. Porém, uma pastoral baseada na casuística acaba por não abarcar a realidade toda. Além disso, dada a sua falta de criatividade e inovação, eu diria que a nossa pastoral é demasiado soft e bonzai. Soft, isto é, pouca "agressiva": mais verniz superficial que actuação em profundidade (cf. EN 20), mais interessada na quantidade que na qualidade (cf. EN 19), pouco preocupada em conseguir um homem novo (cf. EN 18), com dificuldade em fazer uma leitura profética dos sinais dos tempos, em utilizar uma linguagem compreensível e credível e em dialogar seriamente com a sociedade. Bonzai, isto é, pouco desenvolvida: embora haja definição de opções e projectos, geralmente não têm em conta a realidade concreta e "real" e a sua planificação e execução nem sempre são bem preparadas (sem uma definição clara de objectivos, meios e agentes).
Por isso, me congratulo vivamente com outra afirmação. "A mudança de mentalidade interpela a nossa missão evangelizadora, de modo particular a evangelização dos jovens, das famílias e dos novos dinamismos sociais. Toda a missão da Igreja tem de ser, cada vez mais, pensada para um novo contexto da sociedade. São necessárias criatividade e ousadia, na fidelidade à missão da Igreja e às verdades evangélicas que a norteiam" (3). Mas, parece-me, falta aqui também a fidelidade aos homens e mulheres do nosso tempo, porque cada tempo tem exigências específicas, como o Concílio ensinou: "de modo adaptado a cada geração" (GS 4).
Contudo, para sermos criativos e inovadores não basta escrever estas palavras.
É preciso preparar bem os cristãos em geral para serem cristãos hoje, tendo em conta não só as profundas mutações culturais mas também a profunda revisão doutrinal que o Concílio fez. Sem esta formação, os cristãos não estão em condições de saber quem são (desafio da identidade), de ler evangelicamente a realidade (desafio do discernimento), de perceber o que devem testemunhar (desafio da missão).
Depois é urgente encontrar formas de "fidelizar os cristãos", como diz D. José Policarpo à Visão: "O referendo fez-me reflectir na fragilidade da nossa catequese. Na qualidade, na acutilância… Nós não estamos a conseguir transmitir às gerações mais novas esta fidelidade aos valores do Evangelho. A catequese, a pastoral juvenil, o nosso trabalho com os jovens… está tudo em causa. Eu tenho a sensação de que as nossas catequeses não fidelizam cristãos. Estão a cumprir ritos mas não fidelizam cristãos". Há aqui mudanças profundas a introduzir nas nossas catequeses e nos nossos catequistas. Como os preparamos para as exigências do nosso tempo e das nossas crianças e jovens? Como formamos os demais agentes pastorais?
Mas há sobretudo que passar de uma pastoral de manutenção a uma pastoral missionária que evangelize em profundidade jovens e adultos, sem a qual não é possível "formar comunidades eclesiais maduras onde a fé desabroche e realize todo o seu significado originário de adesão à Pessoa de Jesus Cristo e ao seu Evangelho, de encontro e de comunhão sacramental com Ele, de existência vivida na caridade e no serviço" (ChL 34). Como afirmavam os nossos Bispos, "as actuais circunstâncias reclamam uma opção, que talvez exija uma reconversão das prioridades pastorais dos sacerdotes, de modo a deixarem aos leigos as tarefas não específicas dos pastores e a reservar à formação sistemática dos adultos o tempo e as energias que ela requer" (Instrução Pastoral A formação cristã de base dos adultos).
Necessitamos de instrumentos de análise e investigação. Pelo menos, a Conferência Episcopal devia dispor de um competente gabinete de Estudos sócio-pastorais, que fornecesse aos diferentes agentes pastorais uma indicação sustentada das principais linhas de força subjacentes às profundas mudanças, uma leitura evangélica dos sinais dos tempos e propostas capazes de responder melhor e de modo mais adaptado aos desafios novos. Particularmente hoje precisamos de saber olhar amorosamente, e não como inimigos, a sociedade e as culturas de hoje e descobrir novas linguagens e conceptualizações na actualização da mensagem cristã.
A Nota dos nossos Bispos insinua uma verdadeira "revolução pastoral", à qual há que dedicar "todos os meios ao nosso alcance" (1). Teremos coragem e capacidade para renovar as nossas prioridades pastorais e a nossa organização eclesial de modo a responder ao "novo contexto social"? Queremos mesmo mudar? Ou, graças a Deus, "estamos bem e podia ser bem pior"?

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