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5 de dezembro de 2006

EXEMPLO DE TENACIDADE


José Dias da Silva
De acordo com números recentes, um americano consume, em energia, o correspondente a 8 toneladas de petróleo por ano, um europeu fica-se pelas 6, enquanto um cidadão dos países em desenvolvimento gasta menos de 0,5 tonelada. Dito por outros números, os Estados Unidos, que há poucos dias atingiram os 300 milhões de habitantes (um vigésimo da população mundial), delapidam um quarto da energia gasta em todo o mundo. Isto é, se todos vivêssemos ao nível energético dos Estados Unidos, a energia necessária seria cinco vezes a que se produz actualmente: a produção de petróleo teria de ser cinco vezes superior, bem como a da energia nuclear, hidroeléctrica, termoelétrica, etc., o que seria um verdadeiro cataclismo.
Esta introdução serve apenas para mostrar que não é possível a todos os habitantes do mundo viverem ao nível dos mais desenvolvidos, até porque a Terra já não dá sequer para o que gastamos aos níveis actuais.
Se não podemos todos viver "à rica", restam apenas duas alternativas: ou os mais ricos baixam o seu nível de riqueza e se tornam solidários com os mais pobres ou, muito em breve, entraremos numa convulsão social cujos efeitos não são fáceis de imaginar. Esta é uma realidade que ninguém quer encarar. João Paulo II recordou que criar as condições para que o pobre – indivíduo ou nação – possa desenvolver-se de uma maneira humana "é a tarefa de uma concertação mundial para o desenvolvimento, que implica inclusive o sacrifício das situações de lucro e de poder, usufruídas pelas economias mais desenvolvidas. Isto pode acarretar importantes mudanças nos estilos consolidados de vida, com o objectivo de limitar o desperdício dos recursos ambientais e humanos" (CA 52).
O pior é que agora já não se trata apenas de controlar os desperdícios, mas de muito mais substancial; já não basta não estragar o supérfluo mas temos também de renunciar a algum necessário. É aqui que entra a cultura da pobreza (I. Zubero). Cultura da pobreza não significa cultura da miséria ou da pauperização universal, mas a um cultura mundial baseada na solidariedade, na partilha de bens e dons, em contraposição ao individualismo fechado e competitivo que constitui a dinâmica fundamental de uma cultura de riqueza.
O objectivo não é que todos tenham muito ou o máximo, mas que todos tenham o necessário para viver com dignidade. A transformação exigida é grande demais para o nosso egoísmo, porque não se trata "apenas" (o que já não é pouco) de partilhar o que temos com os outros, mas também de nos colocarmos na pele do outro, especialmente do necessitado. Obriga, portanto, a uma mudança radical de perspectiva que se comprometa a avaliar os nossos mecanismos sociais, políticos e económicos não tanto a partir dos que "triunfaram na vida", mas sobretudo a partir do pobre, dos "de baixo", dos "vencidos", das "vítimas da história".
Esta é uma conversão difícil. É difícil fora de nós, pois tem como condição a partilha do supérfluo mas também do necessário. Mas é sobretudo difícil dentro de nós, porque nos obriga a olhar a história do outro lado, do lado que eu não quero conhecer e que não sei o que significa porque nunca lá quis estar ou nunca fui obrigado a estar lá.
E, no entanto, pelo menos para os cristãos não há outra opção. É que os critérios do Reino são tão clarinhos: "Tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber, era peregrino e recolheste-me, estava nu e vestiste-me, adoeci e visitaste-me, estive na prisão e foste ter comigo" (Mt 25,4-5)! Estas palavras, que de tanto as ouvirmos já não nos dizem nada apesar de serem parte estruturante do núcleo duro da nossa fé, foram traduzidas para linguagem moderna pelo Concílio: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo" (GS 1).
Esta cultura da pobreza não é só um desafio a nível mundial; é-o também a nível nacional. A nossa riqueza não dá para ganharmos todos como directores gerais ou como juízes. O que significa, aplicando o raciocínio atrás desenvolvido, que os "de cima" deveriam ter os seus vencimentos reduzidos e os do meio congelados para que os "de baixo" pudessem não só viver com dignidade mas também proporcionar uma educação adequada os seus filhos. E isto não só a nível geral, mas também dentro de cada carreira profissional.
Até porque uma sociedade só com directores gerais ou com juízes rapidamente entraria em colapso, o que prova que os "de cima" só podem sobreviver se houver os "do meio" e os "de baixo", ou seja, todos, independentemente do que ganhamos e do que fazemos somos igualmente indispensáveis a um são funcionamento da sociedade. Ela só pode manter-se, nas condições actuais, se todos formos militantes empenhados da cultura da pobreza.

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