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5 de dezembro de 2006

O “meu padre”

Mário Martins (*)


Não é fácil – mas, ao mesmo tempo, não é difícil – escrever sobre o padre Augusto Nunes Pereira.

Não é difícil porque vivi largos anos na pobre paróquia de que era responsável, a de S. Bartolomeu, em Coimbra. Conheci-o bem e ele também me conhecia. Foi ele que me baptizou, deu a primeira comunhão, presidiu à celebração da “profissão de fé”, esteve presente no Crisma e, mais tarde, teve a gentileza de se deslocar a Castanheira de Pêra, do “outro lado” da serra da Lousã, para estar no meu casamento. No plano afectivo, era uma pessoa da família.
Foi ele, também, o primeiro chefe de Redacção que conheci, no cubículo apertado onde se delineava o “Correio de Coimbra” – ele, o cónego Urbano Duarte e a escritora Maria Espiñal foram os meus primeiros “modelos vivos” de jornalista.
Por tudo isto, é muito fácil escrever sobre o padre Nunes Pereira – e permitam-me que assim o refira, porque foram estes os vocábulos que mais utilizei para comunicar com ele. (Nos últimos anos, quando o encontrava, tratava-o por monsenhor, mas achei sempre que era uma palavra que não se coadunava com a sua personalidade. Monsenhor parece transmitir um certo “estatuto” de diferença – e o padre Nunes Pereira foi sempre um homem simples e humilde, pobre entre os pobres, ignorado entre os ignorados da vida.)
Não é difícil escrever sobre o padre Nunes Pereira. Poderia recordar a azáfama tranquila com que preparou a primeira exposição na galeria de “O Primeiro de Janeiro”, a dois passos da sua igreja. Ou recordar como justificou os valores tão baixos que atribuiu às peças que iria mostrar: “Não estás a ver? Estão assinadas ‘NP’. Sabes o que quer dizer?... Que não prestam!”. O excesso de humildade.
Ou lembrar as tertúlias, em que nunca participei, n’”A Brasileira”, também ali ao lado, que olhava deslumbrado da porta do café. Ou a distribuição de leite e queijo oferecidos por Cáritas internacionais, que ele e a irmã, a D. Maria Adelaide, distribuíam nos anos 60 pela gente mais carenciada da paróquia – quase todos.
Tantas, tantas recordações... Como a daquela manhã de sábado, já ele vivia na casa de madeira pré-fabricada, junto à ponte da Portela, em que alguns amigos lhe foram levar um gravador de video, comprado entre todos, para que pudesse registar o programa/entrevista que nessa tarde a RTP2 iria transmitir.
Estive com ele menos de uma semana antes de morrer. Não sei ainda hoje porquê, naquela tarde de sábado decidi pegar no carro e ir a Montemor-o-Velho, assistir à inauguração da exposição de trabalhos do padre Nunes Pereira. Foi a última. E também ainda hoje não consigo explicar a “febre” que senti e que me levou na altura a tirar umas boas dezenas de fotografias. São as últimas.
Não seria difícil lembrar tantos outros episódios. Mas a verdade é que continua a ser muito difícil escrever sobre o padre Nunes Pereira e recordar que ficou por cumprir um pedido que tantas vezes fez: “Quando é que vamos a Fajão, para conheceres a casa-museu?”. – Um dia destes, padre Nunes Pereira – respondia-lhe mecanicamente, convencido que, mais dia menos dia, faríamos a viagem.
Ficou por fazer.
Acompanha-me essa mágoa.
No entanto, a maior dificuldade em escrever sobre o padre Augusto Nunes Pereira são estas lágrimas teimosas que toldam a visão e dificultam o encontrar das teclas.

(*) texto publicado na edição de Dezembro de 2006
da revista "Mensageiro de Santo António"

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