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23 de novembro de 2006

Fé e Compromisso

CONTO DO VIGÁRIO


José Dias da Silva

Devo confessar que tenho uma secreta admiração pelos especialistas do conto do vigário. Deixando de lado o aspecto ético, a sua actuação é, muitas vezes, uma verdadeira arte de imaginação, criatividade e psicologia aplicada. O enredo que eles inventam, os conhecimentos que rapidamente adquirem da pessoa abordada, as respostas, às vezes, tão disparatadas, mas que passam despercebidas pelo encantamento da argumentação que vem sendo desenvolvida, tudo isso revela um talento que me causa admiração. Até porque sou perfeitamente incapaz de tal exercício, apesar de alguns leitores alguma vez me terem julgado cultor desta arte.
Estes são vigaristas que enganam um aqui outro ali. Mais preocupante é uma outra espécie que ultimamente tem vindo a destacar-se na cena pública portuguesa. Não gosto nem tenho por hábito apontar nomes, mas desta vez vou abrir uma excepção. E o primeiro nome que quero referir é o de Santana Lopes. Conhecido pela sua superficialidade, mais ao estilo de revistas cor de rosa, aí anda ele a grimpar outra vez para a ribalta, com o objectivo confessado de ser líder do partido e, consequentemente, novo primeiro ministro. Demonstradas já as suas potencialidades capazes de destruir um país em menos de um ápice, tenho muita dificuldade em perceber esta atracção quase doentia dos meios de comunicação social por ele. Que conto do vigário terá ele impingido para garantir, entrevistas em horário nobre, tanto tempo de antena e tanto espaço jornalístico que o colocam ao lado, se não acima, do presidente da república? Será a vingança dos jornalistas que não conseguem saber o que discutem o presidente e o primeiro-ministro para explorar alguma vírgula de discordância? Ou porque as gafes dos actuais ministros não valem meio dia de “notícias” de governação santanista? E já agora que conto do vigário prepara ele para o povo português?
Também, saltando de ramo, encaixa bem neste esquema, a reacção de João Salgueiro, certamente revoltado com a “descoberta da careca”: afinal os bancos só em arredondamentos sacanearam, para não dizer roubaram, os seus “estimados” clientes, em cerca de 1,2 mil milhões de euros nos últimos dez anos; afinal os bancos dedicam-se, não a aplicar a lei, como uma sociedade democrática exige, mas a descobrir o modo de lhe fugir, como no caso das compras de imobiliários; afinal os bancos não só não pagam o que os cidadãos honestos são obrigados a pagar como ainda têm o fisco a perdoar-lhes coimas que só no ano passado atingiram os 340 milhões de euros. Que conto do vigário contam eles aos governantes para, apesar dos milhões e milhões de lucro, conseguirem fugir às suas responsabilidades sociais?
Refinando esta análise, poderíamos aqui incluir os lobbies ou grupos corporativistas que sempre fazem o choradinho habitual, como “estamos a ser vítimas de perseguição” ou “para esse peditório já demos”. Não será a defesa intransigente de privilégios e benesses especiais e específicas, sem qualquer justificação de produtividade ou eficiência nem qualquer fundamentação democrática, uma forma de conto do vigário? Porque, no fundo, embora disso nem sempre haja consciência, o que querem é manter as suas mordomias à custa dos dinheiros do Estado, dinheiros esses que resultam apenas do contributo de todos os cidadãos e que deveriam, portanto, ser utilizados, de modo justo e proporcional, em favor de toda a comunidade.
Apetecia-me, por isso, falar de uma mentalidade de “vigarista” ou melhor, “contovigarista”, porque vigaristas são, entre outros, os cerca de cinquenta por cento dos que “fizeram” as últimas greves mas arranjaram esquemas para não sofrerem desconto no vencimento, desrespeitando ou até ridicularizando a greve, que, sendo um fundamental exercício de cidadania, deve ser usada com coerência e honestidade. Mas fico-me apenas pelo egoísmo e pela incapacidade generalizada de contribuir para um bem comum que seja realmente de todos e não só de alguns. Efectivamente uma sociedade é formada por muitos “eus” e vários “nós”, mas só será uma sociedade justa se esses “eus” e esses “nós” viverem a interdependência, que cada vez mais nos une, na prática da solidariedade e da subsidiariedade e no cumprimento ético da lei, isto é, que não dê prioridade ao modo de a tornear e de a abusar para a pôr ao serviço de interesses mesquinhos pessoais ou grupais. É que “o empenhamento de todos, sem egoísmos, é condição essencial para se obter o bem, a que todos somos chamados, e a felicidade, a que todos aspiramos. Nesta responsabilidade universal de todos os cidadãos pelo bem comum, fundamenta-se a existência da comunidade política, em particular, cuja vocação é estar ao serviço do bem comum de todos os homens e do homem todo, da família e da sociedade” (Bispos portugueses).
Efectivamente, como dizia João Paulo II, “todos somos verdadeiramente responsáveis por todos” (SRS 38).
Efectivamente, não parece!

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